Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cafetinizando Clinton

Nahum Sirotsky, de Jerusalém

 

Nessas últimas semanas tenho acompanhado com mais atenção do que sempre os dramas da crise financeira e do pobre Clinton. A tradição diz que o centro do mundo fica em Jerusalém, onde me encontro. Não raro tenho a sensação de que se trata da verdade porque, para começar, esse paisinho de cerca de seis milhões de habitantes (menos do que o Rio), Israel, está mais nas noticias do que qualquer outro. Os chineses, como se sabe, desejam o pior quando “desejam dias interessantes”. Aqui, também nesse sentido, todos os dias são interessantes. Tem-se o interessante local, o regional e assim por diante. Nunca se tem um momento de tédio, “never a dull moment”, como na expressão inglesa.

Um Clinton forte já teria conseguido algum tipo de entendimento entre Netanyahu e Arafat, dois bicudos que se desprezam. Seriam minimizados os riscos de uma loucura de Saddam, e mais e mais.

Ao contrário do que acontece no resto do mundo, porém, nos Estados Unidos presidente tem de ser no mínimo perfeito em tudo para compensar, certamente pelo fato de que a população do pais, quase toda vinculada a congregações religiosas do bairro à tradição puritana, há muito que, seguindo as regras do mercado livre, opta pelas partes mais confortáveis do puritanismo, como rezar e contribuir para a filantropia. Sexo se pratica democraticamente, às vezes, segundo a conveniência, com discrição, às vezes não. E, sem ironia – não apenas por isso -, é o pais em que, depois do Brasil, mais me sinto em casa. Não me perco no Brooklyn, o que é muito para quem conhece Nova Iorque.

Há anos, quando garoto-jornalista, caí nas graças de um dos maiores presidentes da historia americana, o modesto Harry Truman. Ele me comentou, numa conversa de pai para filho, assistida por seu porta-voz e grande amigo, Stanley Ross, jornalista como poucos, que, como só existia um lugar de presidente a cada vez, o escolhido tinha de ser uma síntese do bom e do mau das qualidades do americano. Tem de ser “the greatest S.O. B. of the country” (o maior filho daquela do país). Ele, que, no sentido de dureza e determinação, de saber fechar o coração e tomar decisões como a de mandar jogar as bombas A sobre o Japão, sabendo quantos seriam sacrificados, dizia que, como chegara à função com a morte do ocupante, o insuperável Franklin Roosevelt, não era o maior deles (Roosevelt, de passagem, morreu em sua casa de campo com a amante de toda a vida por perto. Naqueles dias, a imprensa não se ocupava com a vida particular e íntima dos políticos).

Clinton é essa síntese do bom e do mau, com a vantagem da juventude. Kennedy, para os que o conheciam, também o foi. E Roosevelt, sem dúvida alguma. Daí a grandeza deles na função. Liderar sempre implica escolhas, decisões que podem significar mortes, falências, desemprego etc. Os bons de coração apenas não servem. Lembram de Jimmy Carter, o super-crente?

É sabido, desde os tempos do começo da história, que o poder tem um efeito afrodisíaco. Há um número incontável de processos nos tribunais americanos contra dirigentes empresariais pelo chamado abuso sexual. Hoje, depende da mulher se lhe dizer que é bela é abuso ou elogio. É preciso muito cuidado, principalmente quando se tem poder. Curiosamente, porém, os grandes empresários sempre escapam por meio de bons advogados ou pagamento de alguns milhões. E tudo fica esquecido. Mas, o coitado do presidente do país não tem essa vantagem. Há muitos SOBs que querem o lugar dele. Muitas mulheres que querem a cama dele. Presidente americano, hoje, tem de ser sexualmente neutro que é o mais seguro. (No Rio, nos velhos tempos, havia o Clube dos Cafajestes, tudo gente da melhor. Para evitar aborrecimentos posteriores, alguns deles tinham no bolso declaração médica de sua esterilidade.)

O que fizeram, e continuam fazendo com Clinton, é bem expressão do masoquismo americano, da mania deles de serem os primeiros a bater no peito em auto-acusações de exageros que cometam (nunca, porém, admissões de erros ou exageros no campo econômico).

A mídia se baba com o que está vendendo de jornais, de espaço nos noticiários de televisão, na valorização da Internet. Temos lido quantidade, ouvido e visto também. Não vimos nenhuma pesquisa séria sobre a motivação do promotor Starr na investigação – perseguição (na tradição da caça às bruxas da Nova Inglaterra, veja-se a peça de Arthur Miller e as aventuras do beberrão, o senador McCarthy, e seus assessores sexualmente suspeitos). Qual seu perfil psicológico? Seu passado? Ou da sra. Linda Tripp, coitadinha, tão pouco atraente? Ou por que o Congresso, num aparente e perigoso precedente, resolveu divulgar o que disse Clinton a portas fechadas, no chamado Grand Jury, cujos acontecimentos são tão secretos que quase processaram Starr por terem transpirado para a mídia informações de dentro?! E o vídeo?! Alguém conseguiu escrever novo Kamasutra, só quem sem talento e tediosamente longo. E a mídia, com raríssimas exceções, não denunciou o que só se pode qualificar com a palavra exata de escrotidão (desculpem os leitores).

Mais ainda: a incrível irresponsabilidade das lideranças americanas ignorando a globalização que os americanos convenceram, com os seus instrumentos, o mundo que tinha de aceitar como parte do progresso tecnológico e humano! É nesse contexto de globalização que uma crise iniciada na Indonésia (um bater de asas da borboleta em vista do tamanho da economia do pais) se espalha como tufão e ameaça o mundo com, no mínimo, uma recessão, ou até mesmo uma depressão. Com o fim da vitória do capitalismo e da economia de mercado e da democratização, que se espalhava.

Um Congresso que preferiu facilitar a reeleição de seus integrantes em eleições que em breve se realizarão a minimizar a crise econômica e evitar que os governos-bandidos que ainda existem se lancem em aventuras guerreiras que são perigosíssimas para um mundo sem liderança forte, o que é? Representa o que e a quem? Como confiar na absolutamente necessária liderança de Washington se seus políticos viraram pigmeus? (Aliás, o famoso Edgard Hoover, G-man número um durante décadas, sabia tudo de todos, e com a crueldade de um gay não assumido se segurou no poder, pois temiam que contasse o que sabia!).

E no Brasil? Também acompanhamos de pertíssimo, o que não é problema maior com a Internet. Com a vantagem de cinco horas lemos os nossos jornais antes de a maioria aí acordar. E o que vimos? Em lugar de se concentrarem em informar o país, esclarecê-lo em linguagem acessível, sobre o que era a ameaça que vinha dos falsos tigres asiáticos – como poderiam prejudicar a nossa caminhada para um país desenvolvido e decente, com melhor distribuição de renda, uma sociedade evitando a fome, ensinando a massa a pescar, para nunca mais ter de pedir esmola, para uma democracia humana como seria, pois a nossa gente, por experiência minha por aí em tantos países, é muito especial – ficaram nos fatos de fora e de dentro.

Notícias que vendem e angustiam, as que não ajudam a sobreviver nos dias de angústia, a compreendê-los. O jornalismo, sem dúvida alguma, tem a obrigação de informar e o povo tem o direito de saber. Mas informar não quer dizer apenas fatos! Informar bem implica ajudar a compreender, a iluminar a escuridão que a informação negativa pura e simples cria na mente de cada um.

Informar esclarecendo e educando. E isto pouco se fez. É sabido do lado de fora, no exterior, que a equipe de governo de Fernando Henrique inclui economistas do melhor nível e competência já comprovada em inúmeros embates com os bandidos da especulação, a grande ameaça criada à economia mundial pela existência da comunicação imediata. O real não caiu no combate porque seus soldados foram audaciosos e corajosos. Agora, podem estar cansados, necessitando de armas mais modernas, de sobressalentes para as existentes, de uma ajudazinha do FMI. Do Banco Mundial, dos bancos que tanto ganharam conosco, como o Boston, o Chase, o Citicorp, o Bankers Trust e tantos outros.

E, como estamos todos no mesmo barco, seria, e ainda é fundamental, que tudo expliquemos ao povo para que saiba que o bater de asas da borboleta indonésia pegou outros países asiáticos, derrubou bolsas internacionais, deu prejuízos a George Soros, que não errava nunca. Informar explicando para que o pessimismo não domine o espirito do povo. A crise passa logo. E o país tem tudo para pular de oitavo para um lugar mais acima na lista das maiores economias internacionais.

Uma economia de verdade, não como a Rússia, que, depois de 70 anos de comunismo, saiu-se como uma economia virtual apenas. Ajudar o país a suportar e superar as besteiras do Congresso americano e o masoquismo comercial de sua mídia.

A nossa mídia tem de fazer o seu, pensando em que pode ajudar sem mentir. Mas ajudar.