Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Campanha de difamação

POLÊMICAS DO PULITZER

"As páginas editoriais e de opinião do Wall Street Journal sempre foram uma plataforma para assassinatos políticos. Mas seu último rival foi um jornal que competia pelo Pulitzer." Tais declarações de Eric Boehlert [Salon.com, 6/4/02] abrem matéria que caracteriza como campanha de difamação a guerra verbal travada pelo prestigiado diário contra o Seattle Times, finalista do maior prêmio de jornalismo americano por uma série de artigos sobre o Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson. Para fazer a reportagem ? que denuncia que os pacientes não foram informados do risco do tratamento experimental e o interesse financeiro do centro nos procedimentos ?, os repórteres Duff Wilson e David Heath levaram anos revisando 10 mil páginas de documento e 100 entrevistas, e submeteram a série à supervisão de um especialista independente. "Uninformed Consent" ganhou, entre outros, os prêmios George Polk, Goldsmith (concedido pelo Centro Shorenstein de Harvard) e da Newspaper Guild.

Até três semanas antes do Pulitzer, a série parecia ser a favorita na categoria Reportagem Investigativa. Mas em 19 de março Laura Landro, editora-assistente do Wall Street Journal, assinou artigo tachando as matérias de falsas. A coluna pareceu uma tentativa de sabotar um finalista do prêmio, pois muitos críticos observam que a jornalista não conseguiu sustentar as acusações. "Landro ou o Journal não dão nenhuma prova que indique que qualquer parte da série seja ?fundamentalmente falsa?", afirmou Sanjay Bhatt, integrante da Association of Health Care Journalists. O veículo e a editora também foram muito criticados por não terem informado aos leitores sobre a extensão do relacionamento de Laura Landro com o centro médico. Como reconheceu no artigo, Laura foi tratada no Hutchinson em 1992, mas o que deixou de revelar é que ela e seu marido criaram uma fundação que faz generosas doações ao centro. "Ela achou que isto não tinha relevância, nem a página editorial", disse o porta-voz do Journal, Steve Goldstein. Curiosamente, afirma Boehlert, na primeira carta enviada ao Times, no ano passado, Laura diz escrever "como antiga paciente e doadora financeira do Hutch".

Para Boehlert, a página de opinião do Journal sempre foi abrigo de jornalismo não-ético. Embora os repórteres sempre pudessem se consolar com o fato de que todo mundo sabia que os dois universos do jornal eram distintos, o episódio é mais complicado porque Laura é uma veterana integrante da equipe de notícias, e as declarações do porta-voz do diário e um outro editorial ? desta vez, não assinado ? sugerem que a coluna representou a opinião de todo o departamento.

A única objeção realmente factual e perturbadora feita por Laura Landro foi que o repórter do Seattle Times "parece ter ultrapassado os limites da reportagem ética" ao fornecer informação às famílias que estavam processando o Hutchinson depois da publicação das matérias. No entanto, informa Boehlert, o juiz regional Robert Lasnik sentenciou que nem o jornalista nem o veículo cometeram qualquer infração. Influência ou não do barulho, a série do Seattle perdeu o Pulitzer para o Washington Post.

Há dois anos, a Associated Press causou barulho e ganhou o Pulitzer de Reportagem Investigativa com o relato das mortes de civis sul-coreanos em No Gun Ri, durante as primeiras semanas da Guerra da Coréia. A matéria ? reproduzida em diversos jornais dos EUA, incluindo a primeira página do New York Times ? a ação dos americanos que teriam matado, segundo os coreanos, quase 400 civis, numa ponte de No Gun Ri. Os soldados entrevistados pela AP confirmaram a morte de 200 civis.

Agora, um dos três redatores da matéria premiada, Charles Hanley, tenta impedir a publicação de um livro que oferece outra visão sobre os eventos de 50 anos atrás. Escrito pelo major do Exército americano Robert Bateman, No Gun Ri: Uma história militar do incidente da Guerra da Coréia questiona as fontes da matéria da AP.

Segundo Michael Taylor [San Francisco Chronicle, 7/4/02], Bateman tornou-se amigo de Edward Daily, militar entrevistado pela AP que declarou ter presenciado os assassinatos; depois disso, o Washington Post publicou seu perfil e a NBC News o levou à Coréia do Sul com o âncora Tom Brokaw para fazer um Dateline sobre No Gun Ri. Estranhando alguns detalhes da matéria premiada, Bateman procurou B.G. Burkett, veterano do Vietnã que desmascarou falsos combatentes de guerra. Com sua ajuda, descobriu que Daily, ao contrário do que dizia, não era oficial, não fora capturado pelo inimigo nem premiado por heroísmo, muito menos esteve em No Gun Ri entre 26 e 29 de julho de 1950.

Ao que parece, Daily era realmente capaz de tramar tal história, pois convenceu o Departamento de Veteranos a lhe conceder benefícios e assistência médica de 1986 a 2001. Há um mês, ele se declarou culpado em tribunal federal de fraudar o governo em mais de US$ 400 mil, e admitiu que não participou do suposto massacre. Em janeiro de 2001, o Exército terminou a investigação de No Gun Ri, dizendo que "embora não pudesse determinar o que aconteceu com certeza, está claro, diante das evidências, que um número desconhecido de civis coreanos foi morto ou ferido", mas que nunca houve ordens para matar. Para Bateman, o número está entre oito e 35 mortes.

No ano passado, Hanley escreveu carta à editora Stackpole Books alegando que seria "um erro grave" publicar as "diatribes e difamações" de Bateman. "É irônico que um jornalista, cuja profissão é protegida pela Primeira Emenda, aparentemente esteja ameaçando censurar a expressão de um militar", disse James Naughton, presidente do Poynter Institute. "A maneira como assuntos como este tendem a ser resolvidos é permitir que as pessoas possam fazer seu próprio julgamento sobre qual versão resiste a exame. Um acesso maior a versões publicáveis parece ser o desejável."

Detalhe curioso: num dos episódios recentes de The West Wing, seriado da Warner sobre os bastidores da Ala Oeste da Casa Branca, uma autoridade militar tenta convencer o mais importante assessor do presidente a não permitir que os EUA assinem o protocolo de criação do Tribunal Penal Internacional, porque este assessor teria sido um dos pilotos que bombardearam os civis na tal ponte de No Gun Ri ? e poderia ser um dos primeiros réus.

O Pulitzer de fotografia foi dado ao New York Times pela série de quatro fotos dos atentados ao World Trade Center. Em matéria para o New York Post (9/4/02), Andrea Peyser discorda da decisão, alegando que ao não premiar a famosa foto de Thomas Franklin, do jornal The Record, dos três bombeiros erguendo a bandeira americana nas ruínas das torres, o comitê "disse à cidade de Nova York, aos nossos abnegados bombeiros, às três mil vítimas do ataque mais sangrento à nação e à bandeira americana para irem pro inferno".

Andréa Peyser argumenta que é muito raro uma fotografia captar de forma tão perfeita a coragem e a dor de um evento histórico. E esta, que se tornou um ícone internacional, é comparada à foto premiada de fuzileiros navais americanos erguendo a bandeira em Iwo Jima, em 1945. Mas o comitê preferiu reconhecer o sempre politicamente correto NYT, escreve a jornalista; os únicos entrevistados da matéria, o diretor de foto do Record e o próprio Franklin, obviamente concordam que foi mesmo "uma grande injustiça com a história".