Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Alberto Di Franco

PEDOFILIA NA MÍDIA

"A crise da Igreja americana", copyright O Globo, 29/04/02

"A imprensa brasileira tem noticiado a respeito da crise que fustiga a Igreja americana com razoável prudência e serenidade. Os casos de abuso sexual protagonizados por clérigos daquele país são, de fato, matéria jornalística inescapável. A reação do Vaticano, convocando os cardeais americanos para o recente encontro com o Papa, deu a exata dimensão dos acontecimentos no espaço público. Impressionou-me, de saída, a transparência com que o Papa enfrentou o problema. Ao contrário de alguns representantes do episcopado americano que, há anos, vinham se omitindo e empurrando o lixo para debaixo do tapete, João Paulo II quis dar à reunião com os cardeais um caráter quase público. Manifestou-se ?profundamente amargurado?, mas, confirmando a tradição destes quase 24 anos de pontificado, foi incisivo e claro.

Em conversa recente com um colega, arguto editor e brilhante intelectual, ele me fazia notar os riscos que sempre rondam qualquer cobertura sobre escândalos sexuais. ?É preciso andar com cuidado. As coisas se confundem, as fantasias substituem a notícia e a apuração acaba se complicando.? Tem razão. O factual está bastante resolvido na cobertura do lamentável episódio: os responsáveis estão identificados, os delitos foram confessados e já há gente na cadeia. Na esfera da Igreja, da punição canônica, ocorre algo semelhante. O problema da cobertura está em algumas análises precipitadas, interpretações generalizadoras e ausência de matizes.

Paira no ar a injusta sensação de que todos os religiosos estão sob suspeita. Algumas centenas de sacerdotes americanos estão, efetivamente, envolvidos em crimes de abusos sexuais contra menores. Trata-se, no entanto, de uma inexpressiva minoria se comparada com os 46 mil sacerdotes que formam o clero daquele país. A omissão deste número não é jornalisticamente correta. O rabo abana o cachorro. É claro que o abuso é notícia. Mas não podemos ocultar o outro lado: há de milhares de sacerdotes abnegados que não merecem carregar tamanho estigma.

Algumas matérias tentaram, equivocadamente, vislumbrar no episódio um sintoma de falência do celibato sacerdotal. Esqueceram, curiosamente, que as estatísticas demonstram que, em sua imensa maioria, os abusos sexuais contra menores costumam ocorrer no ambiente familiar. Pais, irmãos, primos e padrastos são, de longe, os campeões do sórdido crime. Os agressores são, ordinariamente, pessoas casadas. O problema não está no celibato, mas num transtorno da afetividade. Os turistas sexuais que, ocasionalmente, são presos na Tailândia ou nas nossas cidades não ostentam nenhum compromisso celibatário. Mas são eles que, majoritariamente, ocupam as nossas páginas de informação policial.

O diretor do Catholic Information Center de Washington, padre C. John McCloskey, afirmou que, ao contrário do que tem sido noticiado, os casos de pedofilia foram, de fato, escassos. Segundo ele, os abusos tem sido marcadamente de caráter homossexual e refletem um grave ?problema de idoneidade? para o exercício do sacerdócio. As declarações de McCloskey despertarão, certamente, fortes reações, mas são de uma lógica meridiana. Afinal, uma instituição que, há séculos, defende o celibato sacerdotal tem o direito de estabelecer os seus critérios de idoneidade, o seu manual de instruções para a seleção de candidatos. Quem entra, sabe a que veio. É tudo muito transparente. Quem assume o compromisso, o faz livremente. O que não dá, por óbvio, é para ficar com um pé em cada canoa. E foi exatamente isso o que aconteceu. A Igreja americana, afirma McCloskey, está enfrentando as conseqüências de anos e anos de descuido na seleção e formação do seu clero.

O escândalo, como lembrou João Paulo II, é ?um sintoma de uma grave crise da moral sexual e das relações humanas?, que atinge não apenas a Igreja, mas toda a sociedade. A onda de hipersexualização e vulgaridade que tomou conta do ambiente social não exclui ninguém. Nem padres estão isentos ao seu apelo. Quando a secularização afoga a vida de oração, não pode dar outra. Estamos assistindo ao corolário de um silogismo perfeito. O Papa, um homem corajoso e de elevada espiritualidade, já fez um balanço: ?Tanto sofrimento e tanta tristeza devem levar a um sacerdócio, um episcopado e uma Igreja mais santos.?

Do ponto de vista jornalístico, o episódio, com seus acertos e exageros informativos, é uma evidência de que vivemos a era da transparência. A crise na Igreja americana deixará, estou certo, um saldo positivo e servirá de escarmento para o clero de outras partes do mundo. Ninguém está acima do bem e do mal. Felizmente."

 

1o DE MAIO

"A imprensa ?sim, patrão?", copyright Boletim Imprensa Ética, 29/04/02

"Como a imprensa normalmente se pronuncia sobre questões relacionadas ao trabalhador? O tema é pertinente, afinal estamos na véspera do mundialmente 01 de maio. Acredito na necessidade de uma reflexão, mesmo breve. Começo pelo histórico pedido de aumento de 100% do salário mínimo pelo então ministro de Getúlio Vargas, João Goulart, em meados do século passado. Uma campanha lançada pela UDN e assimilada pelos veículos de comunicação, em imensa maioria, causou a queda de Goulart.

Alguns anos depois, o tombo de Goulart seria mais alto. A imprensa contribuiria decisivamente pela sua derrubada da Presidência da República. Já estamos em 1964 e grande parte dos conceitos combatidos pela oposição a Goulart e assumidos por quase toda a imprensa estavam vinculados a questões de interesse dos trabalhadores, contidos nas reformas de base.

Importante retornar no tempo, ou melhor, tornar o texto fora de qualquer cronologia. No início do século passado a imprensa mundial apoiou a invasão de uma comunhão de exércitos à Rússia por causa da revolução comunista. E, no mesmo ano da revolução de Lênin, estourava em São Paulo a maior greve até então no Brasil, liderada pelo movimento anarquista. A imprensa rufou o pau no movimento grevista.

Um salto de décadas e caímos nos anos 80. Qual foi o noticiário sobre a jornada de trabalho reduzida? O que foi dito e escrito sobre licença maternidade? Qual o posicionamento sobre tíquete-refeição?

Curiosamente, os textos são apenas mais travestidos de objetividade do que a verborragia costumeira de meados do século passado. Porém a linha conservadora é flagrante, repetindo posturas como a dos anos 60, na época do 13o. salário, por exemplo.

Recentemente, acompanhamos o noticiário sobre a desnormatização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A imprensa adotou o termo flexibilização, comprando-o do governo federal e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mas militantes do Direito do Trabalho – mesmo os que apóiam as mudanças – preferem acatar que as medidas desnormatizam conquistas anteriores, o que é diferente de flexibilizar. Um estudo semiótico pode apontar resultados desastrosos contra a teoria da apuração isenta neste caso. O termo ?flexibilizar? normalmente carrega um teor positivo, pois se contradiz a ?emperrar?, a ?radicalizar?. Talvez não seja mera coincidência portanto o uso de ?flexibilizar? pela mídia oficial e oficialesca.

Não estou aqui abordando qualquer tese contra ou a favor de direitos e deveres trabalhistas, mas apontando que a grande imprensa normalmente adota três básicos caminhos nestes temas:

1 – É simplista em afirmar que a desnormatização dos direitos trabalhistas desemperra o setor produtivo, não procurando aprofundar-se no tema para saber se realmente o emperramento da produção é motivado pela questão trabalhista ou somente por ela;

2 – É descontextualizadora, não procurando – por exemplo – comparar o peso da carga tributária nas contas do setor produtivo com o peso da carga trabalhista;

3 – É tendenciosa nas poucas matérias mais aprofundadas sobre o tema, buscando apenas confirmar teses da economia liberal.

É claro que há exceções, mas tais exceções pouco se encontram na grande imprensa: Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, O Globo, Zero Hora, TV Globo, SBT. Normalmente as exceções estão em veículos alternativos, de circulação restrita em comparação com o alcance do que é veiculado nos jornais e emissoras citados.

Na verdade a grande imprensa veicula um discurso com duas vertentes:

1 – Assume um papel reivindicador de mudanças quando tais mudanças, normalmente, serviriam apenas para manter um status quo. Neste patamar, incluo a desnormatização da CLT;

2 – Reproduz um discurso contra alterações sociais, quando tais mudanças ferem o status quo. É o que ocorre com a reforma urbana, imposto sobre grandes fortunas, regulamentação da participação do trabalhador no lucro da empresa etc.

Estas duas vertentes se complementam formando um caminho no discurso da grande imprensa: a inserção do noticiário no interesse empresarial e patrimonial. Até porque os proprietários dos veículos de comunicação são partícipes desses meios sociais privilegiados.

O que me estranha é a conivência do jornalista em aceitar apurar mal os temas da área trabalhista. E, quando digo apurar mal, estou sendo benevolente, já que em muitos casos tenho a impressão de que a manipulação da informação já começou no próprio repórter, às vezes detentor de um discurso revolucionista, mas com atuação prática de dar suporte ao sistema concentrador de renda.

Sei que a imprensa não raro conquista avanços para a sociedade. Mas é interessante destacar que poucos desses avanços transcendem ao factual, não penetrando na história do nosso dia-a-dia. Mas que neste dia 01 de maio o jornalista repense um pouco sua trajetória e se faça a pergunta: até que ponto estou sendo um porta voz de meios sociais privilegiados?"

 

FENÔMENO LE PEN

"?Terremoto? choca imprensa", copyright O Estado de S. Paulo, 23/04/02

"A passagem de Jean-Marie le Pen para o segundo turno chocou jornais da França e do exterior. ?A França não merece isso. Não!?, afirmou L?Humanité. O ?não? foi repetido pelo Libération, enquanto Le Figaro qualificou o resultado de ?terremoto?.

Na Inglaterra, o tablóide The Sun definiu o domingo como ?dia da vergonha?.

O Times criticou tanto os eleitores como os políticos por causa do êxito de ?um candidato que representa a direita xenófoba?. O Daily Telegraph afirmou que o resultado ?é o triste reflexo do estado da política francesa? e ?uma grande derrota para um sistema político corrupto, arrogante, afastado das preocupações da população?.

O belga Le Soir considerou o êxito de Le Pen ?inadmissível?. O holandês De Morgen assinalou que ?o deslizamento silencioso da Europa para a direita e a extrema direita é cada vez mais preocupante?. O espanhol La Vanguardia comentou que o voto para Le Pen ?mostra o mal-estar de um país com dificuldade para adaptar-se ao século 21?."