Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Carlos Chaparro

GOVERNO LULA

“Em Lula, a ocultação do governo”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/12/03

“O xis da questão ? O ano de 2003 foi de sofrimento para o povo brasileiro, na avaliação feita por ninguém menos que o presidente Lula. Mesmo assim, ele continua com a popularidade alta e estável. Como entender isso? A explicação pode estar no próprio Lula. Comunicador convincente e populista sedutor, ele consegue que olhem para ele e ouçam as suas promessas. E assim esconde o governo, que pouco tem a dizer.

1. Velha canção

Podemos ficar tranqüilos: dois dias antes da passagem de ano, o presidente da República, com a autoridade e a clarividência inerentes ao cargo, foi aos microfones da Radiobrás e disse aos brasileiros: ?Que o povo se vá deitar no dia 31 sabendo que, a partir do dia 1? de janeiro, o Brasil vai ser melhor?.

O otimismo da fala brotava das imprudências da alma. Ao entrar no estúdio, o presidente cantarolava uma velha canção de campanha, ?Massa Falida?, que o ajudou a se eleger deputado federal, em 1986. No quarto verso, o clamor humanista em canção de protesto:

Os camuflados de samaritanos

nos estão levando à fatalidade

ignorando o holocausto da fome

tirando do homem a prioridade

E porque, um ano depois da posse na Presidência da República, nem a fome foi amenizada, nem os camuflados de samaritanos saíram de cena, vale a pena evocar também o primeiro verso da canção, provavelmente, aquele que Lula cantarolava, ao entrar no estúdio:

Eu confesso já estou cansado

de ser enganado com tanto cinismo

não sou parte integrante do crime

e o próprio regime nos leva ao abismo

Já se passaram 17 anos depois de ?Massa Falida? ter cumprido a sua missão de campanha. Agora, ao voltarem a ser cantarolados, os versos continuam atuais. Mas o protagonista da narrativa mudou de posição: tornou-se ?parte integrante do crime? ? porque é, há um ano, o Presidente da República. E porque o abismo continua à nossa frente…

2. Sucesso perverso

No balanço, um ano de promessas, genialmente sintetizadas na frase que deve ser repetida: ?Que o povo se vá deitar no dia 31 sabendo que, a partir do dia 1? de janeiro, o Brasil vai ser melhor?.

Aliás, o que dizer, além de promessas? O que de bom Lula pode apresentar, no balanço de 12 meses de governo, são as metas da cartilha do FMI, brilhantemente cumpridas, mas jamais prometidas em tempos de candidato: o superávit primário altíssimo (que antes Lula e o PT tanto criticavam), sugando recursos de programas anunciados como prioritários, vários deles de natureza social; a inflação novamente sob controle, submetida ao cabresto curto e rijo de uma política de juros (antes execrada) que afastou as camadas populares dos horizontes de consumo e acentuou a transferência de dinheiro dos pobres para os ricos; e o alívio nas contas externas, com um saldo favorável de vinte e cinco bilhões de dólares na balança comercial, obra, principalmente,do agro-negócio e dos ventos favoráveis na área cambial.

O sucesso ?teórico? da política econômica não se traduziu em aumento e distribuição de riqueza. O crescimento do PIB mal chega a 0,5%, para um crescimento demográfico em torno de 2%. Na lógica estatística, como na realidade da vida, eis o resultado: há hoje mais gente desempregada do que no começo do ano, quando Lula tomou posse. E os que estão empregados ganham menos do que ganhavam um ano atrás. No balanço geral, fala-se de uma perda de poder aquisitivo da ordem de 15%. É o que se sente no próprio bolso.

Promessas e programas que ajudaram a eleger Lula, como os compromissos de criar dez milhões de empregos novos e acabar com a fome, viraram doces lembranças, acalentadas, hoje, pelo discurso das promessas.

Por que, então, Lula continua tão popular e tanto o povo continua a confiar nele?

3. Ato falho?

Talvez uma boa explicação tenha sido oferecida pelo próprio Lula. Há dias, num daqueles discursos, tão freqüentes, em que solta o verbo nas ondas do improviso, disse ele: ?Eu aprendi uma coisa: notícia é aquilo que nós não queremos que seja publicado. O resto é publicidade?.

A frase, meio esquisita, tem significado obscuro. Mas, certamente, quer dizer bem mais do que diz. Talvez por isso, o ombudsman da Folha, Bernardo Ajzenberg, a elegeu como a frase do ano, no campo da comunicação.

Dita nos calores do improviso, a fala pode ter sido um ?ato falho?, ou seja, algo que ?escapou?, dito por impulso do inconsciente. Se assim foi, melhor ainda. Afinal, Lacan já disse que ?o ato falho é o discurso perfeito?.

Tomando a frase dita em sua literalidade, podemos deduzir que as notícias do governo falam do que o governo preferia não ver divulgado. Coisas como a frustração do programa Fome Zero e da reforma agrária; o aumento do desemprego; as histórias de mal explicadas viagens e de indevidas diárias usadas por alguns ministros, em descuidos que roçaram o peculato; as burradas do ministro da Previdência…

Entre o que Lula não gostou de ver divulgado inclua-se o excesso de ministérios e de cargos de confiança, vasto mapa de empregos (aqui, sim…) gerenciado em favor do Partido dos Trabalhadores. O que talvez seja legítimo, já que o PT ganhou as eleições e desfruta o direito de exercer o poder. Mas é preciso lembrar que a ?frente empregatícia? governamental resulta em exuberante ?engorda? de caixa do próprio PT, por conta de uma norma interna que obriga os filiados em função pública a entregarem, ao partido, 10% do que ganham, quando se trata dos tais cargos de confiança, e 30%, nos casos de cargos eletivos. Foi isso que ouvi de alguém que conhece o partido por dentro.

Sob o argumento doutrinário de que os cargos (tanto os eletivos quanto os de confiança) pertencem ao partido, não aos ocupantes, o Partido dos Trabalhadores capitalizou-se, vai entrar nas eleições municipais do próximo ano com um patrimônio em contínua expansão, triplicado nos dois últimos anos, e hoje avaliado, segundo a revista Época, em 80 milhões de reais.

A aplicação do argumento doutrinário fez do PT o mais rico dos partidos brasileiros. Graças a uma ?forma legal? de transferir dinheiro público para os cofres do partido.

Mas, enfim, nada disso o presidente gostaria de ver divulgado…

Felizmente, ele próprio chama a isso de notícia. ?O resto é publicidade?, como diz a frase. E, para publicidade, ou ?comunicação institucional?, como se usa no jargão oficial, não faltam nem dinheiro, nem quadros, nem profissionalismo. Faltou dinheiro, querer e saber para implementar o ?Fome Zero? e a reforma agrária. Para a publicidade, não. A gastança é milionária, e a prática, extremamente competente.

4. Governo escondido

Lula é o melhor comunicador do governo. Principalmente quando faz promessas. Ou quando se mostra sensível às dores do povo. E além de ter, a seu crédito, uma história pessoal que o torna figura lendária no cenário político brasileiro, revelou-se populista sedutor, capaz de produzir fulminantes empatias. Com tais artes, o presidente consegue que olhem para ele, para que não se veja o governo.

Até quando resistirá esse populismo alimentado a promessas? O ano de 2004 o dirá. Mas os votos ? os meus e os de todos nós ? são de que o governo saia rapidamente do ciclo de fazer promessas para a fase de cumprir as promessas nas quais a Nação acreditou.

Quando isso começar a acontecer, até Lula gostará das notícias…”

“Só na promessa”, copyright Folha de S. Paulo, 29/12/03

“Um balanço dos principais programas lançados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva neste primeiro ano de mandato revela que as promessas foram muitas e as realizações parcas. Anunciados em ritmo intenso, como a atender à necessidade de criar factóides políticos e produzir a impressão de que medidas estavam sendo tomadas para contrastar as consequências deletérias do ajuste econômico, esses programas de um modo geral ou não saíram do discurso ou ficaram aquém do que foi prometido.

Dois fatores parecem se entrelaçar para explicar o fiasco. O primeiro deles é a falta de recursos, em parte explicável pela necessidade de cumprir as metas de superávit das contas públicas. O segundo é a evidente desarticulação e ineficiência operacional de grande parte dos ministérios. A decisão de criar novas secretarias especiais com status ministerial até aqui se mostrou equivocada. Surgiram novos cargos, novas estruturas, novas viagens, novas cerimônias, mas nada de novo foi produzido.

O Planalto tem pedido tempo para que alguns ministérios mostrem resultados, tendo chegado a esgrimir, em sua defesa, o argumento pouco convincente de que as dimensões do país e de seus problemas justificariam a criação das novas pastas.

Há setores do próprio governo que discordam dessa avaliação, acreditando que a reforma deveria enxugar a atual estrutura. De fato, o acerto de contas com o PMDB, principal motivo das mudanças que deverão ser anunciadas em breve, seria uma oportunidade para promover uma reformulação mais profunda do ministério. Infelizmente, não parece ser essa a inclinação do presidente. Correrá com isso o risco de apenas prolongar uma situação que a muitos já parece insustentável.”