Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carnaval domina mídia e o leitor samba

ZIRIGUIDUM

Monitor de Mídia (*)

É comum se dizer que, no Brasil, o ano só começa mesmo após o carnaval, e que o mundo pára durante os quatro dias de reinado de Momo. Os principais jornais catarinenses levaram a sério esse chavão, e a folia dominou as páginas na primeira semana de março. Entretanto, enquanto alguns pulavam, muita coisa acontecia, contrariando a lógica. No campo, por exemplo, o MST invadia diversas propriedades; na Amazônia, o maior incêndio já registrado naquela floresta consumia uma área de 300 km2; o FMI liberou dinheiro para o Brasil, houve prisão de gente importante e as bolsas despencaram no exterior com medo de uma guerra contra o Iraque. O mundo não parou para ver as escolas de samba desfilarem e muitos jornalistas nem se deram conta disso. O resultado foi um show de cobertura do carnaval e o quase esquecimento dos fatos da vida fora da avenida.

Empolgação desmedida

De longe, o Diário Catarinense foi o jornal que mais deu destaque ao carnaval nas quatro edições do período. Para se ter uma idéia, no dia 1? de março, foram dadas cinco páginas, enfatizando o assunto e deslocando o noticiário de outras editorias para o meio da edição. Neste dia, embora a manchete dê conta do cancelamento de 10,2 milhões de CPFs no país, a matéria correspondente aparece só na página 17, ocupando apenas um terço do espaço e sem qualquer contextualização do fato. Informações como o que ocorreria com os titulares de documentos cancelados ficaram de fora.

No dia 3, o ápice: nove páginas para o carnaval. (Os concorrentes deram uma página ? Jornal de Santa Catarina ? e três páginas ? A Notícia ?, respectivamente). Apesar do alarde da manchete ? "Carnaval violento tem 7 assassinatos na Grande Florianópolis" -, a matéria não vai além de um terço da página sem dar a real dimensão para o fato: 7 homicídios em 29 horas. A empolgação que contagiou a redação na avenida não motivou os editores a mudar o enfoque da cobertura no período. Como se o jornal quisesse preservar a festa e proteger o leitor da sensação de insegurança. A folia ocupou as páginas, mas quem dançou mesmo foi o leitor que não teve a informação na medida justa.

Segurando o bloco

Ao contrário do concorrente, A Notícia ofereceu uma cobertura mais séria, contida no entusiasmo e preocupada com o equilíbrio das edições. O diferencial foi a busca por um noticiário que contemplasse desfiles e concursos, movimento nas estradas e nos balneários, memória e origens do carnaval em Santa Catarina. As letras dos sambas-enredo ficaram de fora, diferente do que fez o DC. E sobrou espaço para outros assuntos, como a prisão do ex-deputado capixaba José Carlos Gratz, reportagem bem contextualizada que trouxe antecedentes e retranca de apoio.

A redação do AN só caiu na folia mesmo na quarta-feira de cinzas, na edição do dia 5 de março, quando estampou "As melhores do carnaval em Santa Catarina e São Paulo", com fotos e confete na capa. No miolo, destaques para o Pop Gay e para a campanha da fraternidade que tradicionalmente inicia o período da quaresma. O entusiasmo foi prenunciado na edição do dia 4, quando o jornal ocupou mais da metade da capa com manchete e fotos eufóricas sobre as escolas campeãs. Para a segunda dobra do jornal, foram deslocadas a chamada "Florianópolis tem outra madrugada de violência" e uma foto de acidente que feriu três pessoas na BR-101. A escolha do capista foi clara: privilegie-se a festa em detrimento da insegurança.

Sem água e sem-terra

Regional por vocação, o Jornal de Santa Catarina não deixou de cobrir a sua área no carnaval e até conseguiu reservar espaço para os fatos do Brasil e do mundo. A difícil tarefa de equilibrar os noticiários foi bem cumprida pelo diário de Blumenau que relatou a violência no Rio de Janeiro nos dias que cercaram o carnaval, a morte da cantora Cely Campello e as movimentações do MST. Os militantes deixaram o acampamento de Gaspar na véspera do carnaval e ocuparam uma outra propriedade em Araquari no dia seguinte. Outras invasões se deram em outros estados brasileiros. O Santa não se deslumbrou com as lantejoulas e deu ainda a queda das bolsas de valores internacionais com medo de Bush, o disparo do preço do petróleo e a liberação de US$ 4,6 bilhões do FMI ao Brasil.

Na sua área de cobertura, o jornal relatou o drama de quem ficou sem água por cinco dias em Itajaí e Navegantes. O rompimento de uma adutora deixou 150 mil pessoas sem água durante todo o carnaval, em dias de verão com temperatura na casa dos 30?. O assunto foi manchete na edição conjunta dos dias 1? e 2 e chamada de capa no dia 3. Entretanto, o jornal atravessou no samba com o leitor: a matéria que trata do assunto na edição de segunda é apenas uma versão ligeiramente modificada da de sábado e domingo. Isso se percebe pela repetição dos dados e pelo uso das mesmas declarações das fontes ouvidas anteriormente. O jornal, na verdade, requentou o material, adicionando apenas a promessa do restabelecimento do serviço. Se o leitor estava agoniado com a falta d?água, ficou pior com a falta de informação.

(*) Projeto de pesquisa do curso de Comunicação Social ? Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) que faz acompanhamento sistemático dos principais jornais de Santa Catarina. O projeto é coordenado pelo professor Rogério Christofoletti, mestre em Lingüística e doutorando em Comunicação pela USP