Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Caso Kelly e os exageros da BBC

INQUÉRITO HUTTON

Gavyn Davies, presidente da BBC, admitiu que a corporação pode ter supervalorizado o status de David Kelly, o cientista da Defesa britânica que cometeu suicídio recentemente e foi tido como fonte do repórter Andrew Gilligan ao programa de rádio Today, da BBC. Davies disse que, na pressa de impedir a repreensão do governo de Tony Blair, acatou-se um "exagero" lançado por um relações públicas, cujo nome não foi divulgado, o qual inferiu precipitadamente que a reportagem de Gilligan fora baseada em "uma fonte da inteligência".

Em uma troca particular de e-mails publicada por inquérito encabeçado pelo lorde Hutton, o chamado inquérito Hutton, Davies admitiu que a frase fora inserida no último rascunho de um comunicado-chave da comissão diretora da BBC, dando total apoio ao repórter do Today. O inquérito, segundo Julia Day [The Guardian, 2/9/03], registrou cinco rascunhos desse comunicado e apenas no quinto o termo "fonte da inteligência" aparece.

Culpa do RP

Davies, após ser criticado por um de seus próprios diretores, que se disse preocupado com o fato de a BBC ter entrado numa discussão pública sobre a natureza da fonte de Gilligan, disse que o relações públicas foi o responsável por originar a bola de neve.

Apesar de o presidente e os diretores da BBC não saberem a identidade da fonte de Gilligan de antemão, deram total apoio ao repórter em um assunto explosivo como a revelação de alterações do governo britânico sobre um dossiê sobre armas de destruição em massa no Iraque. À época, em declaração pública, disseram que em circunstâncias excepcionais fontes únicas são suficientes.

Sally Osman, diretor de comunicação da BBC, disse no dia 2/9 que a expressão "fonte da inteligência" foi uma "presunção exagerada".

O repórter da BBC ? e não o conselheiro de elite sobre armas do governo ? foi quem primeiro sugeriu, durante uma entrevista, que um assessor do premiê Tony Blair estava por trás do "exagero" quanto às armas de destruição em massa do Iraque, de acordo com Olivia Bosch, especialista em armas.

O testemunho de Olivia contradiz o jornalista Andrew Gilligan, que disse ter David Kelly fornecido o nome de Alastair Campbell, secretário de comunicação de Blair, sem que isso lhe fosse pedido.

Olivia, em depoimento ao inquérito Hutton, afirmou que Kelly lhe dissera em conversa telefônica que Gilligan fez um "jogo de nomes" quando se encontraram. Segundo ela, o cientista se dissera pressionado pela forma com que Gilligan tentou obter informações suas. "Ele disse nunca ter visto algo parecido com a maneira de Gilligan tentar obter essas informações, através de um ?jogo de nomes?", disse Olivia.

"O primeiro nome que ele [Gilligan] mencionou, e rapidamente, foi Campbell", afirmou a especialista. Kelly disse ter se sentido obrigado a dar a Gilligan algum tipo de resposta; então, segundo Olivia, ele disse "talvez".

De acordo com reportagem de Jane Wardell [AP, 4/9], Gilligan contou outra história em artigo ao Mail, em 6/6: "Eu perguntei a ele como ocorreu essa transformação. A resposta foi uma única palavra: Campbell."

Olivia, como Kelly, era inspetora de armas da ONU. Ela disse ter conhecido Kelly em uma conferência sobre defesa no ano passado. Depois disso, segundo ela, passaram a se falar duas a três vezes por semana ao telefone, além de freqüente troca de e-mails.

Com a partida de Alastair Campbell, a Downing Street já tem um novo nome para o cargo de secretário de comunicação do premiê Tony Blair. David Hill chegou prometendo dar continuidade à batalha de Blair com a BBC, afirmando não ter intenções de conciliação com a mídia. Disse também que o governo deveria se sobrepor à imprensa britânica como um todo.

De acordo com Julia Day [The Guardian, 3/9], Hill acredita que a corporação é culpada pelas declarações do governo, uma vez que a BBC criou falsamente um clima de conflito que não existe.

Em um discurso em 14/5, Hill disse que jornalistas "distorcem o que se diz", adicionando que "a BBC é a grande responsável, por ser a mais poderosa emissora em operação".

Em outro pronunciamento, que pode chocar jornalistas, Hill defendeu que o governo "contorne" a imprensa britânica ao resumir jornais estrangeiros e permitir os filtros de notícias novamente no Reino Unido. "Se você consegue os eventos certos na mídia internacional, repercute aqui. No governo, historicamente, não temos levado a imprensa estrangeira com a seriedade que deveríamos", afirmou.

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