Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cassiano Elek Machado

PICAPAU AMARELO

"O novo ?sítio? de Lobato", copyright Folha de S. Paulo, 5/12/01

"Sem necessidade de pó de pirlimpimpim nem reinação de Narizinho, o maior acervo existente sobre Monteiro Lobato mudou de endereço. Tudo o que resta do arquivo de uma das grandes personalidades da história da cultura brasileira ganha, a partir de hoje, um novo ?sítio?.

A Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, recebe oficialmente, às 16h de hoje, da neta do escritor Joyce Campos Kornbluh o acervo Monteiro Lobato.

As centenas de cartas, fotografias, recortes de jornal, desenhos e aquarelas, livros e objetos variados do criador do ?Sítio do Picapau Amarelo?, nascido em 1882 em Taubaté (SP) e morto em 1948, em São Paulo, foram cedidas em comodato para a universidade.

Em cinco anos, se não houver nenhuma desavença entre a família de Lobato e a Unicamp, o material fica em definitivo para a instituição, no interior paulista.

?É um acervo precioso, o maior arquivo de e sobre Monteiro Lobato. Contém desde objetos curiosos e sugestivos como leques e adornos da mulher de Lobato até uma papelada preciosíssima?, afirma Marisa Lajolo, professora de literatura da Unicamp.

A opinião é compartilhada pelo produtor cultural Vladimir Sacchetta, um dos autores da grande biografia do escritor no mercado. ?Essa doação deve ser festejada. O arquivo vai estar em mãos do grupo que, animado por Marisa Lajolo, se tornou o mais produtivo sobre a obra de Lobato?, diz o autor de ?Monteiro Lobato – Furacão na Botocúndia? (Senac), que pesquisou boa parte do material para fazer a biografia.

O Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae), órgão da universidade responsável pelo acervo, já tinha outro arquivo de grande porte de documentos lobatianos, comprado da família de um colecionador de Santos (SP).

O trabalho feito com esse arquivo e as atividades de pesquisa coordenadas por Lajolo, autora de ?Monteiro Lobato – Um Brasileiro sob Medida? (ed. Moderna), ?seduziram? a família do escritor a deixar lá o acervo. ?A culpa é toda da Marisa?, brinca Jorge Kornbluh, diretor da Monteiro Lobato Licenciamentos.

A organização de todo o arsenal de Monteiro Lobato arquivado na Unicamp só deve estar disponível ao público na metade de 2003. Uma amostra saborosa do acervo, porém, estará na universidade de hoje até sexta-feira.

?Resolvemos privilegiar a diversidade do trabalho de Lobato?, explica Flávia Carneiro Leão, supervisora do Cedae. ?Exibiremos desde cartas trocadas com Erico Verissimo e Belmonte até originais do conto ?Cruz Vermelha?, que acreditamos ser inédito.?

Outro destaque da miniexposição é a correspondência de Lobato com os escritores Oswald e Mário de Andrade, que ajuda a revelar o ambiente de tensões e distensões que havia entre o intelectual e os modernistas, tema de diversas teses acadêmicas.

Não serão as únicas cartas à mostra. Também estará exposta parte da correspondência amorosa de Lobato. São cartas trocadas entre o escritor e Purezinha, que viria a ser sua mulher, escritas entre 1906 e 1908, ano do casamento.

Os ?torpedos? estão ilustrados na mostra por uma fotografia que o escritor fez da mulher, por um desenho do rosto dela feito em bico-de-pena e pela exposição de um leque que Lobato fez, pintou e deu de presente a ela.

Galanteios à parte com Purezinha (responsável pela organização do acervo de Lobato), também estão exibidos alguns lados menos ?famosos? do escritor. Há muito pouco do autor infantil e bastante de outras áreas de atuação, como a fotografia e a pintura.

A mostra traz uma aquarela que o escritor fez quando morou em Nova York ao lado de outra feita no interior de São Paulo. ?É incrível como ele tem o mesmo modo de reproduzir esses cenários tão diferentes?, opina Carneiro Leão. Surpresas como essa devem continuar nascendo. O material do arquivo é vasto. ?Preenchia uma velha mala de couro do escritor e mais de uma dezena de caixas e engradados?, diz a pesquisadora."

 

VOZ DO BRASIL

"Emissoras estão unidas contra Voz do Brasil", copyright Jornal do Brasil, 9/12/01

"Quem, ao ouvir os primeiros acordes da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, não os associa imediatamente à Voz do Brasil e desliga o rádio? Poucos resistem até ao anúncio oficial do programa, por voz marcial que soa à Era do Rádio. Os índices de audiência do que é fruto de um decreto do presidente Getúlio Vargas, em 1935, continuam baixos: exatamente 5%. Na hora que o antecede, variam em torno de 20%. Na seguinte, sobem para 10%.

As emissoras de rádio são obrigadas a transmitir o programa, cujo conteúdo poucos sabem precisar, entre as 19h e 20h – horário nobre -, diariamente. A Voz do Brasil é dividida entre os poderes Executivo e Legislativo: meia hora para cada.

Inconformadas com a imposição, transmissoras se unem em uma cruzada para mudar a determinação que, afirmam, viola a Constituição Federal. ?A imposição do programa em horário nobre cerceia a liberdade de expressão. A Constituição restringe a obrigatoriedade de transmissão a casos excepcionais e à propaganda eleitoral?, afirma o constitucionalista Ives Gandra.

O que valia em 1935, quando a família brasileira se reunia no início da noite em torno do aparelho de rádio para acompanhar os acontecimentos no país e no mundo, já não vale mais. Hoje, na hora de transmissão, o ouvinte está no carro, voltando do trabalho.

Batalha – Para contestar a exigência de veiculação da Voz do Brasil, iniciou-se uma batalha jurídica. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) moveu ação de inconstitucionalidade, cujo julgamento cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF). Logo, a pressão de deputados e senadores fez com que a entidade desistisse. O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, disse não ser capaz de emitir parecer sobre o tema.

?As pressões são muito grandes. Ainda estamos no tempo do coronelismo?, afirma João Lara Mesquita, diretor executivo da Rádio Eldorado, de São Paulo, uma das precursoras do movimento. ?A Voz do Brasil tem o poder de eleger muitos deputados medíocres, que não suportariam seu fim. Só serve para entronizar os maus políticos, para mais nada.?

A Eldorado foi à Justiça Federal e obteve tutela antecipada, o que lhe permite não veicular o programa até a questão ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Outras seguiram seus passos e conseguiram igual benefício – em São Paulo, hoje, a maioria das emissoras não transmite o programa. A União recorreu, mas a decisão foi confirmada em segunda instância.

O diretor executivo da Rádio Jornal do Brasil, Eduardo Carvalho, diz que o horário de transmissão do programa prejudica as emissoras e o público. ?A JB tem um repórter aéreo, que dá informações sobre o trânsito na cidade. No auge do trânsito, a rádio pára de informar o ouvinte e alija a população de informação?, explica. ?O programa liquidou o período noturno das rádios.?

Publicidade – Como a principal receita das rádios é a publicidade, a interrupção da programação normal faz com que a audiência caia e raramente se recupere após a exibição. ?Derruba as rádios, porque a receita da publicidade alavanca serviços e melhora a qualidade na programação?, afirma Antonio Rosa, presidente do Grupo de Profissionais de Rádio de São Paulo (GPR). ?Para as emissoras pequenas, a imposição é massacrante. Elas gastam para fazer publicidade do governo?, ratifica o presidente da Associação das Emissoras de Rádio do Rio de Janeiro (Aerj), Augusto Ariston.

Uma das alternativas propostas é a liberação do horário de exibição do programa. As emissoras propõem a transmissão às 22h, quando a audiência já é mais reduzida.

Outra crítica diz respeito à qualidade jornalística e técnica da Voz do Brasil. No dia do atentado nos Estados Unidos, 11 de setembro, não houve menção ao assunto. ?É tão malfeito e mal editado que se alguém ouvi-lo por uma hora, ao fim só se lembra das duas últimas informações. Quando a questão chegar ao STF, estaremos livres da Voz do Brasil?, diz Mesquita."