Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Celeuma exagerada


Paulo Lotufo, de Boston

 

N

os Estados Unidos o assunto transplantes foi destaque no New York Times (15/1/97) e no Boston Globe (que ignora o resto do mundo). Não senti o clima no Brasil e prefiro não ser mais um a opinar sobre a lei .

Meu objeto é outro. Por que a questão “transplantes” é tão importante e eletrizante para a maioria das pessoas no Brasil? Antes que seja confundido com algum detrator do avanço tecnológico, reconheço que os transplantes representaram avanço importante. Casos como os de córnea e de rim melhoraram em muito a qualidade de vida dos receptores. Lamento que em São Paulo ainda não se façam transplantes pulmonares, e se engatinhe nos transplantes de medula óssea.

A questão é outra: como um procedimento excepcional consegue provocar tanta celeuma? Com certeza, o leitor deve conhecer alguém diabético ou hipertenso. Com menor probabilidade conhecerá alguém que sofreu um infarto do miocárdio, com menor chance ainda conhecerá alguém com insuficiência cardíaca terminal, e somente muito poucos se lembrarão de um parente ou amigo que tenha sido transplantado. Será mais fácil de lembrar de alguém falecido por morte súbita, Aids ou assalto do que alguém que foi transplantado. Por quê?

Porque este é um procedimento excepcional, quando da falha de outras alternativas terapêuticas ou de medidas preventivas. Ou seja, ele é raro mesmo.

Por que a ausência de remédios vitais para o diabético como a insulina não consegue mobilizar nem a legião de diabéticos e pais de diabéticos? Se o diabético for bem tratado, a chance de problema renal e transplante deste órgão será reduzida.

Esta é a minha pergunta. Sugestão para tese ou dissertação nas escolas medicas, de saúde publica, ciências sociais e, principalmente, jornalismo. Minha aposta é que a mídia desenvolveu no país uma idéia superdimensionada deste problema desde o primeiro transplante de coração, alicerçada pela força da “escola cirúrgica”, que, com certas nuances, a considera como “o” tratamento, por excelência, da maioria dos acomentimentos orgânicos.