Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Celso Fonseca

QUALIDADE NA TV


REDE TV

"Davi e Golias", copyright IstoÉ, 21/05/01

"Caçula entre as emissoras abertas do País – está no ar há um ano e meio -, a Rede TV! começa a ser notada aos poucos pela concorrência. Que sirva de exemplo a audiência da segunda-feira 14, quando a Rede Globo se viu por um minuto, exatamente à 0h13, empurrada para o segundo lugar pelo programa Eu te vi na tv, comandado por João Kleber. O quadro exibido era o Teste de fidelidade, de gosto bem discutível, que coloca homens sendo tentados a cometer a traição por convincentes modelos e atrizes. Do estúdio, as façanhas amorosas dos incautos são vistas por suas namoradas. Pode ser constrangedor para quem participa, mas dá audiência. Tanto é que, na TV Gazeta, Sérgio Mallandro macaqueia a invenção.

O Teste de fidelidade se tornou uma das marcas de João Kleber, cujo programa caiu no gosto popular pela exibição de strip-teases e cenas de sexo. Aconselhado pela direção da emissora, Kleber quer mudar sua imagem. Promete que assuntos eróticos não entram mais. Não é uma verdade absoluta, mas ele tenta mostrar suas boas intenções. Deu férias até para a drag-queen Charlotte Pink, alter ego de Kleber, responsável por entrevistas picantes. ?Ela vai voltar mais light?, diz Kleber. Na onda moralizadora, até as coreografias de funk foram abolidas da emissora. João Kleber, por sua vez, vai trocar o sexo por histórias vividas por personagens anônimos.

Este filão sempre deu certo. Gugu Liberato, por exemplo, usa a receita no SBT para bater a Rede Globo. A estratégia não é casual. O novo diretor de entretenimento da emissora, Maurício Nunes, trabalhou com o loiro do SBT nos últimos três anos e meio. Nunes define a nova Rede TV! ?como uma emissora de guerrilha?. Entenda-se como guerrilha ações como a do Carnaval passado, quando Otávio Mesquita bateu a Globo entrevistando os exóticos convidados do Gala Gay na rua em frente ao Clube Scala, no Rio de Janeiro. Ele não podia entrar porque os direitos da transmissão do baile pertenciam à Rede Bandeirantes. Para acirrar a disputa pela audiência, a Rede TV!, o novo Davi da televisão brasileira, inclui no próximo mês a estréia da novela venezuelana Mis tres hermanas.

Quando a novela acabar, é bem provável que seja sucedida pelo humorístico A escolinha do barulho – produzida pela GBM, empresa de Gugu Liberato. Outro programa da grife do loiro também está sendo negociado. É nos moldes do Globo Rural, da Rede Globo. Ninguém da direção da emissora nega que no momento a parceria é bem-vinda."

TOTALITARISMO

"A televisão é totalitária?", copyright O Estado de S. Paulo, 20/05/01

"A TV nasce às vésperas da Segunda Guerra e triunfa após a vitória aliada sobre o Eixo. É o meio de comunicação que melhor simboliza, no último meio século, o controle norte-americano das mentes e corações. Mais que o rádio – tão usado nas campanhas políticas e militares de Hitler – ele representa o nosso tempo.

Pois bem: quando a TV tem uns dez anos de existência consolidada, por volta de 1960, as ciências sociais e humanas passam a comentá-la. Seu comentário hoje soa chocante. Porque esse instrumento de comunicação da democracia mais altiva do mundo, os Estados Unidos, é acusado de totalitário.

As primeiras análises sérias sobre a TV aplicam a ela estudos que tratavam inicialmente do nazismo, do fascismo, do comunismo. O lema do totalitarismo vem de Mussolini: ?Nada contra o Estado, nada acima do Estado, nada fora do Estado?. As duas primeiras partes da frase até podem merecer discussão, mas a terceira é de gelar o sangue.

Porque totalitarismo não é o mesmo que ditadura ou autoritarismo. Estes controlam a vida social, mas de fora para dentro, reprimindo, tutelando. Já os totalitários querem mudar a vida social por inteiro, por dentro, não deixando nada fora do alcance do Estado. E assim parece contraditório que a sociedade mais individualista do mundo, a norte-americana, fosse chamada de totalitária.

Mas houve razões para isso. A TV difundiu estilos de vida padronizados, dos quais era difícil fugir. Basta lembrar o começo de O Casamento de Meu Melhor Amigo, com Julia Roberts: numa cena digna de um show dos anos 50, mulheres dizem que casar é seu maior objetivo. Aquele tempo mal tolerava divergências. Ora, marcar os corações de um povo, do mundo, com os mesmos desejos e repulsas não é totalitarismo? Não estamos tão longe disso – por um lado. Ligue uma TV a cabo das boas, digamos, a Sony. Veja The Nanny, ou o que quiser.

Quase todo seriado alude a tantos detalhes da vida norte-americana que quase precisamos de notas explicativas! Mas é claro que esses sinais vão pegando, aqui: vejam como os mais jovens substituem o gesto obsceno brasileiro, de dois dedos formando um círculo, por seu equivalente do Atlântico Norte, o dedo médio estendido. Da pornografia ao humor, é uma gigantesca lavagem cerebral – não há dúvida.

Mas, por outro lado, o totalitarismo se esvaziou: sobrevive talvez só na Coréia do Norte e no Afeganistão. E quase desapareceu o discurso sobre ele.

Hoje, quem analisa a repressão, o autoritarismo, talvez o próprio totalitarismo, se vale da estética da recepção – isto é, da teoria de Hans Jauss, que mostrou que ninguém é totalmente passivo. Todos nós, ao recebermos uma comunicação, a entendemos com os instrumentos de que dispomos. Nós a recriamos. Receber uma mensagem é quase tão importante quanto produzi-la. E sabemos que toda novela muda com as reações do público a ela, medidas no ibope.

Não, a TV não pode mais ser chamada de totalitária. Ela é o portal de uma negociação ininterrupta entre uma parte forte, o dono e os anunciantes, e uma fraca – os espectadores. Se democracia significa poder do povo, o que se deve fazer é fortalecer a parte paradoxalmente mais fraca: nós, o povo."

PORTUGAL

"Consenso contra telelixo", copyright Público (www.publico.pt), 18/05/01

"O líder parlamentar do PSD, António Capucho, comparou ontem o que se passou na passada terça-feira no programa O Bar da TV a experiências nazis. ?É uma situação que ultrapassou todos os limites da decência e violou direitos fundamentais. (…) Fez-me lembrar outros tempos de certas experiências feitas pelos nazis a propósito de situações extremas entre pais e filhos?, afirmou Capucho, no Parlamento, tendo avisado que não era de ânimo leve que ia dizer o que disse.

?É preciso agir?, declarou o líder da bancada do PS, defendendo que, embora no quadro legal actual já seja possível actuar, é preciso ?reforçar os poderes de regulação do Estado?. É, aliás, nesse sentido que o presidente do PSD promete apresentar um projecto de lei (ver texto nestas páginas). Capucho solidarizava-se, assim, com a intervenção do deputado socialista Barros Moura, que abriu um debate no plenário a propósito do telelixo.

?O lixo televisivo ultrapassou há dias, de forma chocante, os limites da intimidade da vida privada e familiar?, acusou Barros Moura, que, nunca nomeando qualquer programa ou estação de televisão, condenou ?a violência, sem limites, a todas as horas?, a ?pornografia, a obscenidade, o sexo explícito em canal aberto?, ?o sexismo e o machismo, agressivos e brutais?, a ?informação subordinada à lógica das audiências? e a ?intromissão directa de televisões em campanhas eleitorais de clubes de futebol – talvez como ensaio de uma futura influência directa em campanhas políticas?.

Perante este quadro, o deputado e vice-presidente da bancada socialista apelou à mobilização de todos os cidadãos e defendeu a actuação do poder. ?Podemos e devemos tomar medidas e desde logo exigir o cumprimento da legislação em vigor de forma a prevenir situações em que só reste o recurso à ‘bomba atómica’, que seria fechar uma estação, deixando o outro lixo à solta?, afirmou o deputado, numa referência implícita à possibilidade de suspensão de emissão da SIC, que é a pena acessória prevista para a violação do artigo 21? a lei da televisão (ver texto nestas páginas). Barros Moura não excluiu, contudo, que seja necessário tomar novas medidas, como o PSD já avançou, desde que não se entre numa ?guerra de iniciativas legislativas e de reformetas apressadas?. E concluiu: O problema é político. Exige uma tomada de consciência colectiva. Se houver necessidade de novas leis deveremos chegar a elas através de um consenso apoiado pela sociedade.?

O primeiro passo para esse consenso pode ter sido o debate de ontem, já que todos os partidos apoiaram as preocupações expressas por Barros Moura, embora alguns aproveitassem para atacar o Governo. Foi o caso de Basílio Horta, do CDS-PP, que lamentou que só agora os socialistas se preocupem com a degradação da televisão, e de Fernando Rosas, que criticou o Governo por ter abandonado a RTP. Já o comunista António Filipe defendeu que ?é necessário é cumprir a lei com coragem e afrontar os interesses económicos que estão por detrás do lixo televisivo e Heloísa Apolónia, de ?Os Verdes? afirmou que não basta ficar pela condenação dos ?reality shows?, é preciso ?olhar pelo serviço público?.

Na próxima quarta-feira, a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) vai ser ouvida na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais. Este órgão está a ponderar quais as medidas que pode tomar em rela&cccedil;ão ao Bar da TV, considerando que a recomendação que já fez não esgota o âmbito da sua actuação. A AACS pode aplicar à SIC uma multa até 50 mil contos, obrigar à suspensão da emissão daquele canal ou ainda recorrer aos tribunais."

"Dois momentos", copyright Público (www.publico.pt), 20/05/01

"Dois momentos de televisão provocaram esta semana a fortes críticas à SIC que, com emissões polémicas do programa O Bar da TV, mobilizou a opinião pública quanto aos limites da privacidade nos ?reality shows?. Uma sondagem do ?Diário de Notícias? mostra hoje que 67 por centos dos portugueses pensam que estes programas devem ser regulamentados de forma especial para proteger os participantes.

Se ontem o director da SIC, Emídio Rangel, surge no ?Expresso? a admitir a hipótese de participar num pacto contra os ?reality shows? em Portugal, secundado pelo presidente da TVI, Miguel Paes do Amaral, hoje a opinião dos portugueses corrobora a intenção manifestada pelos dois responsáveis pela programação das estações que transmitem esses programas.

A regulamentação especial, revela a sondagem, serviria para proteger a privacidade e dignidade dos participantes, defendida pela maioria dos ouvidos, sendo que 29 por cento é contra a ideia. Curiosamente, 58,1 por cento dos sondados vê esses programas e 56 por cento gosta do Big Brother e de O Bar da TV. Mas têm perspectiva crítica em relação a algumas coisas transmitidas e 63,6 por cento acham mesmo que é útil prevenir a privacidade dos participantes nos programas que mostram ?a vida real?.

A maioria dos sondados pela Eurosondagem, e que permite construir o perfil tipo dos espectadores destes programas, é mulher, jovem e das classes média baixa e baixa. E são as mulheres que defendem mais a referida regulamentação, acompanhadas por faixas etárias mais velhas. Estes, mais uma vez de forma contraditória, são os mesmos que confessam gostar ?muito? ou ?muitíssimo? dos programas.

O próprio Emídio Rangel caiu em contradição nos últimos meses, desde a época em que criticou a emissão do Big Brother pela TVI, dizendo que ?a SIC não podia exibir uma coisa daquelas?, até à escolha de O Bar da TV para figurar na programação da estação de Carnaxide. E se ontem dizia ao ?Expresso? que gostava que existisse um acordo que impedisse a existência de ?reality shows? no país, sexta-feira dizia ao ?24 Horas?, no cenário do bar, estar satisfeito com o programa que tinha escolhido."

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"Rangel quer pacto televisivo para evitar ?reality shows? em Portugal", copyright Público (www.publico.pt), 20/05/01

"Uma semana de críticas contra o programa O Bar da TV e sobre uma alegada violação do direito à privacidade de uma concorrente e respectiva família, seguida de um episódio semelhante transmitido ontem à noite, termina com Emídio Rangel, director da SIC, a admitir que não gosta ?desse tipo de programas? e que está disposto a assinar um ?compromisso formal entre todas as estações para a não transmissão de qualquer ?reality show? em Portugal?, disse em entrevista ao semanário ?Expresso?.

A SIC, uma vez chegado esse pacto, ?dará o seu acordo?, disse Rangel ao ?Expresso?, na sequência da polémica em torno da produção de O Bar da TV, o mais recente ?reality-show? da SIC em que doze concorrentes são vigiados 24 horas por dia através de câmaras, tendo como tarefa a gestão de um bar nas Docas de Lisboa.

Antes, o presidente da TVI, Miguel Paes do Amaral, já tinha admitido a possibilidade de tal acordo, e estar disposto a definir com a SIC regras para as duas estações, justificando que a polémica desta semana, semelhante ao que aconteceu com o similar Big Brother 1, em que um concorrente abandonou o concurso por ter pontapeado uma outra participante, ?acaba por ter reflexos em todo o sector?."

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