Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Celso Fonseca

REALITY SHOWS

"Lixo importado", copyright Folha de S. Paulo, 25/03/02

"O País descobriu o voyeurismo latente dos chamados reality shows e, de acordo com os altos índices do Ibope, parece não querer mais abandonar o buraco da fechadura. Mesmo que

o assistido seja de um vazio constrangedor, quando não um festival dos mais baixos instintos. Não bastasse estar no ar os insuportáveis Big Brother Brasil e Casa dos artistas, a Rede Globo e o SBT preparam um lote sem igual de filhotes do gênero, com formatos importados. Até a caçula Rede TV! quer aventurar-se no mesmo terreno, que vem se anunciando como a nova pedra filosofal da televisão. A faca é de dois gumes. De tão iguais, é bem provável que muito em breve o espectador não saiba mais em qual canal está sintonizado. Produções idênticas em emissoras diferentes vêm sendo produzidas, fazendo com que o lixo televisivo permeie em vários horários. Eugênio Bucci, colunista de televisão do Jornal do Brasil e da Folha de S. Paulo, atesta. ?Daqui a pouco vamos ter mais personagens de reality show que nomes na lista telefônica. É a banalização da banalidade.? Marcos Amazonas, presidente da Connect, empresa prestadora de consultoria para várias redes, também é enfático. ?As emissoras não buscam uma identidade. Então, cada uma copia a outra, deixando tudo pasteurizado.? Segundo Amazonas, quanto mais a Globo abandona seu decantado e hoje questionado padrão de qualidade, mais fácil fica para as outras copiá-la.

Não por acaso, adquiriu os direitos para 400 formatos de programas da holandesa Endemol, entre games e reality shows. Além do barulhento Big Brother, logo pretende colocar no ar outros produtos. O próximo ainda navega em águas turvas, enfrentando problemas técnicos e as dificuldades de se adequar ao horário vespertino dos sábados. Amor a bordo, quadro que até maio deve estrear no Caldeirão do Huck, está em produção há um mês. Trata-se de uma réplica do Love boat, uma das tantas fórmulas de reality show criadas pela Endemol. Se conseguir singrar pelos mares, o iate Casa Blanca de 140 pés, antigo caça-minas usado na Segunda Guerra, vai rebocar 14 solteiros – sete homens e sete mulheres – por praias paradisíacas. Para escolhê-los, a produção do quadro frequentou lugares badalados em várias capitais brasileiras. O objetivo será estimular enlaces amorosos, apenas com o cuidado para que ninguém avance o sinal.

A Globo já divulgou a lista de participantes só com seus primeiros nomes e o perfil deles, indicando suas preferências em relação ao sexo oposto. Há mulheres que gostam de homens ?altos e fortinhos?. Outras preferem os ?bons de papo?, ingrediente difícil nestes programas cujos participantes costumam divagar sobre o nada e atropelar o vernáculo. O SBT corre na disputa para lançar seus novos reality shows como o Coiote persegue o Papaléguas. Depois que sua Casa dos artistas se transformou numa confusão, com mudanças de regras e baixarias, Silvio Santos embarca em outros navios. Engatou uma parceria com a Fox Film, numa operação que transita pelos US$ 4 milhões, para juntas produzirem um arremedo da Temptation island, um dos hits do canal americano, que já rendeu bons frutos nos Estados Unidos – onde está na sua segunda versão -, na Inglaterra, em Portugal e na Argentina. O Primeiro Mundo também adora um lixo televisivo. Para colocar a missão nos trilhos, SS contratou duas produtoras tupiniquins, a Total Filmes e a Promo Filmes, e chamou Babi, no momento ociosa no SBT, para apresentar a atração.

Tentação – Quem tem tevê por assinatura deve conhecer o esquema da Temptation island, na qual quatro casais

– com pelo menos 18 meses de vida em comum, e sem filhos – ficam durante 15 dias separados numa ilha, sujeitos às tais tentações, personificadas, é claro, por gente bonita e com lábia suficiente para desviá-los da fidelidade. Jogos aquáticos

e jantares à luz de velas ajudam na empreitada, que às vezes resulta num lancinante roçar de corpos. Vencem os resistentes, mas não levam nada. Só o prazer da exibição. Helius Alvarez Filho, diretor da Fox latina, diz que o prêmio é a vitória individual?. Tá bom.

Incentivo às diversões extraconjugais não faltam. A Rede TV! anuncia para maio ?um programa diferente de tudo que já se viu na televisão?. É muita cara-de-pau. A atração foi previamente batizada de A ilha dos famosos. Imagine os famosos! Mas nada mais é do do que uma versão da Temptation island misturada ao famigerado Teste de fidelidade, quadro do inacreditável Você na TV, apresentado por João Kleber. Com intenções mais suaves, o SBT prepara outro reality show bem manjado. Chama-se Popstars e pretende acompanhar passo a passo a formação de bandas adolescentes, como se as existentes não fossem suficientes. Na Inglaterra, o projeto fez nascer a banda Hearsay, cujo disco de estréia vendeu 600 mil cópias. O exemplo mais recente, porém, vem da Argentina, onde o grupo Bandana alcançou as 200 mil cópias. Disposto a seguir o êxito mundial, Silvio Santos irá reunir no sábado 30, no Sambódromo paulistano, cerca de dez mil garotas – no Brasil as bandas serão apenas femininas – para a escolha das cantoras-dançarinas. Como numa espécie de noite dos desesperados, elas terão de recorrer aos seus melhores dotes para chamar a atenção de três jurados.

Mas o sacrifício não será em vão. Além de se tornarem prováveis popstars, as eleitas gravarão um CD pela multinacional Sony Music. Por seu lado, a Globo anuncia que produzirá Triunfo, baseado no programa espanhol Operación triunfo, que se encerrou há duas semanas e nada mais foi, adivinhe!, do que uma adaptação de Popstars sob o estalar de castanholas. Com a explícita intenção de criticar estas bobagens, recentemente o apresentador Marcelo Tas, em seu programa Vitrine, da TV Cultura, fez uma impagável paródia da Casa dos artistas. Vestido com aqueles adereços que caracterizam os legítimos bad boys de butique, o apresentador ergueu um abacaxi e, como Hamlet diante da caveira, questionou os absurdos da febre televisiva. ?Certamente estão investindo muito mais neste produto do que ele realmente interessa ao público?, diz Tas.

Na verdade, como a disputa pela audiência está cada vez mais acirrada, a desculpa é que não há tempo para inovações, restando as fórmulas consagradas e testadas. ?Competição feroz iguala, não diferencia. Ninguém vai inventar com o risco de perder?, determina o crítico Bucci. Há também razões financeiras. Ainda que tenha custos elevados de produção e pague cachês altos, nada se compara ao gasto de uma novela, cujo custo por capítulo ronda os US$ 100 mil. Por conta da enxurrada de atrações do gênero, pode ser que a Globo não realize mais nenhuma minissérie neste ano, pois são mais caras que a novela. Corre no mercado que a emissora esteja analisando um outro curioso formato de reality show no qual obesos em dieta são expostos a diversas guloseimas. Vence o que emagrecer mais. Isso é que é fome de audiência."

 

"Série transmite uma sensação de crueza brutal", copyright Folha de S. Paulo, 23/03/02

"A Segunda Guerra marca a ascensão dos EUA à posição de potência mundial. A entrada decisiva no conflito sinaliza o início de um período glorioso na história do país, um período de otimismo hoje distante. ?Band of Brothers?, a premiada superprodução de Steven Spielberg e Tom Hanks que a HBO coloca a partir de amanhã no ar, é sintomática da perda de legitimidade do heroísmo engajado de então.

O seriado, em dez capítulos de uma hora, conta a história de uma companhia de pára-quedistas treinada durante dois anos em solo americano para entrar na guerra em 1944. Acompanhamos as desventuras de um grupo de soldados e oficiais que fizeram história na Normandia, na Holanda e no ninho de Hitler, a Alemanha.

O tom é tristemente determinado. A cuidadosa reconstituição histórica de uniformes e cenários celebra a camaradagem de moços voluntários, escolhidos para ser soldados de elite. E ao longo da ação vemos a solidariedade que se constrói com base não na conversa, mas na convivência brutal.

Não há mulheres, pais ou filhos nessa campanha. Os soldados estão isolados do mundo civil, que irrompe em raros momentos na figura eventual de um velhinho ciclista inglês ou dos habitantes de uma cidade holandesa na zona ocupada pelos alemães.

Suas vidas se resumem ao exercício bélico, cujo êxito depende do desprendimento total, equivalente a se considerar morto -para citar a fala de um oficial a um soldado que vacila no campo de batalha. E ele completa: ?Sem condescendência, sem compaixão, sem remorso?. É dessa obsessão animal que depende a vitória.

Baseado no livro homônimo do historiador Stephen Ambrose, o seriado se legitima na alusão documental que inicia e conclui cada episódio. Depoimentos de ex-combatentes em primeiro plano contra um fundo negro introduzem cada um dos filmes. Ao final, texto sobre o mesmo fundo escuro informa sobre as consequências imediatas da ação focalizada.

Entre um documento e outro, o balé masculino violento das trincheiras, metralhadoras e baionetas. Os episódios obedecem à ordem cronológica dos combates. Para além dos fatos históricos, procura caracterizar as relações cotidianas de uma companhia. É a história de um grupo específico de indivíduos que têm nome.

As trajetórias gloriosas dos soldados americanos que ganharam a Segunda Guerra são comemoradas pelos sobreviventes, que mantêm a chama de seus pelotões acesa, décadas após o evento. O livro foi escrito do ponto de vista da admiração patriótica com aqueles que cumpriram sua missão.

Mas o contexto é outro. É significativo que a causa antinazista, a luta pela liberdade e pela democracia, pouco apareça. O inimigo raramente ganha representação corporal. O filme mostra o grupo americano (branco, já que o Exército da época era segregado) avançando em solo estrangeiro contra uma força armada que não tem cara, ironicamente, como na guerrilha contemporânea.

Tal como a produção sobre a chegada do homem à Lua, também de Tom Hanks para a HBO há alguns anos, ?Band of Brothers? exacerba uma aventura nacional. Mas, ao promover o orgulho ianque, o programa transmite uma sensação de crueza brutal."