Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Cenas de machismo explícito

VOTO FEMINISTA

Rede Feminista de Saúde (*)

A imprensa monitorada cobriu intensamente a repercussão das declarações machistas dos candidatos a presidente e a vice pela Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB). No fim de agosto, o candidato Ciro Gomes (PPS) declarou que o principal papel de sua companheira, a atriz Patrícia Pillar, em sua campanha era o de dormir com ele. No início de setembro, seu candidato a vice, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, chamou de "mal- amada" a ministra-chefe da Corregedoria Geral da União, Anadyr de Mendonça Rodrigues, que rejeitara a prestação de contas da Força Sindical quando Paulinho era presidente da entidade.

Ciro constrange Patrícia, jornalistas e a si mesmo (FSP/GLO/JB/OESP-31)

Perguntado sobre a importância de Patrícia Pillar em sua campanha, Ciro respondeu: "Minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo. Dormir comigo é um papel fundamental."

Na avaliação dos repórteres da Folha e do Estadão, a declaração criou imediato constrangimento para Patrícia e para o próprio Ciro. Segundo o Estadão, após a afirmação do candidato "os jornalistas presentes olharam uns para os outros e em seguida para a atriz", que não falou nada, mas estava com expressão de constrangimento. Já a versão do repórter do Globo é de que Patrícia "riu quando ouviu a declaração do marido".

O jornalista da Folha escreveu que Ciro, "ao perceber a gafe, visivelmente envergonhado, reformulou a resposta", dizendo: "Evidentemente, eu estou brincando." Daí, o candidato passou a fazer elogios à companheira.

Diferentes manchetes sobre a frase machista (FSP/GLO/OESP/JB-31)

No dia seguinte à declaração de Ciro Gomes, os jornais trouxeram as seguintes manchetes:

Folha: "Ciro cria situação constrangedora ao falar de Patrícia"

Globo: "Ciro dá declaração de mau gosto sobre Patrícia e depois recua"

Estadão: "Mais uma ?brincadeira? pode complicar Ciro"

O JB não deu destaque ao fato, que foi apenas mencionado em algumas linhas, como uma "brincadeira".

Feministas reagem indignadas (OESP-31)

A reportagem do Estadão procurou algumas feministas de São Paulo para colher reações à declaração de Ciro Gomes.


"Isso não é brincadeira que se faça, (…) é lamentável, é colocar a mulher como um corpo a serviço de um homem que está buscando o posto mais alto do país", criticou a socióloga Heleieth Saffioti, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

"Espero que todas as pessoas conscientes juntem estas pérolas e vejam quem é o Ciro", declarou Sílvia Pimentel, professora de Filosofia do Direito da PUC de São Paulo.

"É lamentável que a visão que ele tem sobre o papel dela na campanha seja essa, e ele não ressalte a função dela como cidadã. Foi uma colocação infeliz e imprópria", criticou Dulce Xavier, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir.


Patrícia defende Ciro e ofende feministas (FSP-1)

No dia seguinte à declaração de Ciro, Patrícia Pillar afirmou à imprensa não ter se sentido ofendida com a frase do candidato. "Meu marido é maravilhoso", disse Patrícia, que rebateu as críticas das feministas: "Se tivessem o marido que tenho não saíam falando isso."

Na ocasião, Ciro Gomes aproveitou para dizer que pedira desculpas à mulher, não pela "brincadeira", mas pelo fato de Patrícia estar vendo de perto o que é a imundice da política brasileira. Para o candidato, a reação à "brincadeira" não passava de intriga dos adversários.

O senhor e a senhora de engenho (O Tempo-4)

Em seu espaço semanal no jornal O Tempo (BH), a médica Fátima Oliveira, futura secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, também condenou as declarações de Ciro Gomes e de Patrícia Pillar. Sobre a crítica que a atriz fez às feministas, usando argumentos preconceituosos (feministas = mal-amadas), Fátima escreve: "Putz! Que falta faz um roteiro! Uma assessoria de gênero, mediana, não permitiria tanta imundície patriarcal e de Senhora de Engenho! Quem deu a ela o direito de fazer de conta que conhece a vida privada das feministas, de mulheres do quilate de Heleieth Saffioti, Sílvia Pimentel e Dulce Xavier, a quem a luta democrática deve tanto, e fazer comentários estereotipados sobre elas?"

Fátima Oliveira termina seu artigo lembrando o alerta da socióloga Heleieth Saffioti, de que os oligarcas têm desprezo pelas mulheres: "Se ele trata a própria mulher assim, imagine as outras."

Candidato dá explicações e tenta consertar estrago (OESP-2)

Durante um compromisso em São Paulo, Ciro Gomes foi abordado pela ex-deputada Irma Passoni (PT), que perguntou ao candidato quantas vezes ele teria afirmado que Patrícia era importante porque dormia com ele. Ciro afirmou que dissera isso apenas uma vez. Irma Passoni declarou então que, se a TV mostrou Ciro repetindo a mesma declaração três vezes, pode ter havido manipulação.

Ciro deu à ex-deputada a seguinte explicação: "Usei a frase apenas uma vez, no contexto de que durmo com Patrícia, mas me referindo à figura da mulher importante para a família, que faz os filhos dormirem, que põe as crianças na cama, um contexto mais amplo, e não a figura da mulher como uso sexual." Segundo o Estadão, Irma Passoni recomendou ao candidato que desse maior precisão às palavras em suas declarações. "Não pode dar conotação de que a mulher é para uso de cama, mesa e banho", disse Irma.

Uma voz solitária em defesa de Ciro e Patrícia (EP-9)

Afirmando que "o feminismo brasileiro importou da vanguarda americana uma detestável parcela de puritanismo sexual" e que "dar prazer ao homem é fundamento da vida amorosa", a psicanalista Maria Rita Kehl criticou a indignação gerada pelo caso e elogiou a atitude de Patrícia Pillar, de sair em defesa do marido. "Em público, [Patrícia] foi disciplinada e levou no bom humor. Soube, como poucas mulheres, colocar o interesse público (supondo que a candidatura Ciro represente interesses públicos) à frente de suas reivindicações privadas."

A psicanalista escreveu também que não sabe se Patrícia teria razões para se sentir ofendida, pois "o preconceito só atinge quem se identifica com ele". Na opinião de Maria Rita, "não se trata, como pensam algumas feministas, de evitar a todo custo o papel de objeto sexual, e sim de não se confundir com ele".

Pesquisa aponta queda de Ciro entre eleitoras (VJ-11)

Em reportagem de três páginas sobre o que pensam e como votam as mulheres, a revista Veja informou que uma pesquisa do Ibope, realizada nos três dias seguintes à declaração de Ciro Gomes, mostrava que o candidato havia caído de 21% para 16% na preferência das eleitoras.

Além das afirmações de Ciro e Patrícia, a Veja destacou alguns comentários sobre a declaração do candidato:




"Ela reduz a mulher à condição sexual", Luiza Eluf, procuradora do Ministério Público de São Paulo

"Credo! A frase é tão ruim que nem precisa de comentários", Marta Suplicy, prefeita de São Paulo

"É uma ofensa a todas as mulheres" – Luiza Erundina, deputada federal (PSB-SP)

"Não espanta, porque vivemos esse regime há 5 mil anos", Regina Lins, psicanalista e sexóloga.




Vice de Ciro chama ministra de "mal-amada" (todos os jornais-7)

Uma semana depois da declaração do candidato Ciro Gomes, foi a vez de seu vice, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, dar uma demonstração de machismo explícito.

Após prestar depoimento no Ministério Público Federal sobre supostas irregularidades durante sua gestão na Força Sindical, Paulinho discursou para manifestantes que o aguardavam na saída do prédio. Segundo a imprensa, Paulinho estava "visivelmente nervoso" e atacou a ministra-chefe da Corregedoria Geral da União, Anadyr de Mendonça Rodrigues, que havia reprovado as contas da Força Sindical. Em seu discurso, o candidato a vice afirmou que "quando ela (Anadyr) fala todo mundo percebe que é mal- amada, é uma mulher amarga".

Procurada pela imprensa, a ministra recusou-se a comentar "insultos pessoais".

O homem caricato (JB/OESP-7)

A jornalista Dora Kramer dedicou a maior parte de sua coluna no JB e Estadão ao insulto dirigido por Paulinho à ministra Anadyr. "O homem caricato reage com grosseria quando é enfrentado por uma mulher", escreveu a colunista.

"Paulo Pereira da Silva resistiu o quanto pôde, mas ontem se revelou por inteiro integrante dessa espécie de subcategoria do sexo masculino", ao incorrer no "velho cacoete da cafajestada", critica Dora Kramer.

(*) Publicação eletrônica quinzenal da Rede Feminista de Saúde (Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos). Este Boletim contém notas sobre notícias e artigos publicados pela grande imprensa escrita brasileira sobre fatos e eventos relacionados à saúde da mulher, aos direitos reprodutivos e aos direitos sexuais. As opiniões aqui contidas não representam o posicionamento da Rede Feminista de Saúde sobre esses temas, mas apenas reproduzem a cobertura realizada pela imprensa acompanhada. Jornais: CB=Correio Braziliense; FSP=Folha de S.Paulo; GLO=O Globo; JB=Jornal do Brasil; OESP=O Estado de S.Paulo. Revistas: EP=Época; IE= IstoÉ; VJ=Veja. E-mail: <saudereprodutiva@uol.com.br>