Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Censura em gotas disfarça e agrada

TEATRO DO ABSURDO

Alberto Dines

Ao determinar na última sexta-feira (25/10) o fim da censura prévia adotada pelo TRE contra o Correio Braziliense, o TSE acrescentou mais uma cena ao teatro de absurdos que há mais de um ano está convertendo em caricatura nosso direito de expressão.

A decisão dos meritíssimos liberou o mais importante jornal da Capital Federal para publicar o que considerar legítimo. Sobretudo as transcrições das fitas que comprometem o governador Joaquim Roriz, reeleito no domingo, 27.

** Absurdo 1 ? Dois dias antes, a segunda instância da mesma Justiça Eleitoral não apenas autorizou o embargo como também determinou que fosse implementado na redação pelo advogado do reclamante na presença de um oficial de justiça. Significa que numa questão sobre a qual não deveriam pairar dúvidas (porque envolve cláusula pétrea da Constituição) vemos o mesmo tribunal, com o intervalo de 48 horas, adotar duas posições diametralmente opostas.

** Absurdo 2 ? Ao reparar uma tremenda transgressão no sistema democrático, a sentença da suprema corte eleitoral manteve a mesma transgressão intacta no tocante aos meios eletrônicos considerando que são concessões públicas. Significa que: a) em determinadas circunstâncias, para determinados veículos e públicos, pode-se cercear o direito à informação; b) uma das cláusulas fundamentais da democracia pode ser atropelada quando se trata das camadas mais pobres da população, justamente aquelas que mais se servem da mídia eletrônica; c) o fato de ser concessão pública, ao invés de qualificar e legitimar um grupo de veículos, desclassifica-os e os apresenta como suspeitos.

** Absurdo 3 ? A decisão do TSE não foi extemporânea, dá seqüência ao Código Eleitoral oriundo do Congresso onde a mídia eletrônica foi drasticamente penalizada e impedida (durante a campanha eleitoral) de manifestar comentários ou opiniões a respeito de candidatos, programas, partidos ou coligações com a mesma justificativa de concessão pública [veja remissões abaixo].

** Absurdo 4 ? Com a vinculação das duas decisões, os magistrados que regulam o processo eleitoral ? e, portanto, o processo político ? consagram o princípio de que apenas os veículos que não dependem de concessão pública têm o direito de gozar a plena liberdade. O TSE manda dizer que o povão não tem direito à controvérsia ? só os letrados. O juízes do voto acabam de consagrar o voto qualitativo: só os cidadãos privilegiados pelo hábito de leitura e o poder aquisitivo para sustentá-lo poderão ter acesso a todas as informações. O regime de concessão pública no lugar de qualificar, desqualifica. O que seria vantajoso para a sociedade é convertido em ônus.

** Absurdo 5 ? O poder concedente (o Estado) admite então que não tem competência para acompanhar e fiscalizar o uso das concessões que oferece. Ao invés de punir infraç&ootilde;es e abusos a posteriori, prefere o controle a priori. Censura.

** Absurdo 6 ? A onda de protestos que se seguiu à instalação da censura prévia no Correio Braziliense não se repetiu, até o momento, no tocante à manutenção do controle noticioso na mídia eletrônica. Satisfeitas as formalidades e as aparências na Capital Federal, danem-se os grotões que só sabem das coisas pelo rádio e pela TV.

** Absurdo 7 ? Anthony Garotinho, que no ano passado obteve um embargo contra os veículos do grupo Globo, e Joaquim Roriz, que agora calou por dois dias o Correio Braziliense agiram na condição de governadores. O Judiciário curvou-se, assim, aos representantes do poder Executivo quando, pela lógica do sistema democrático, deveria funcionar como contrapoder. O mais grave: a censura obtida por Garotinho foi recentemente referendada pelo STF (veja abaixo).

** Absurdo 8 ? Tanto a censura à mídia eletrônica imposta pelo TSE através do Código Eleitoral como aquela arrancada por Anthony Garotinho na justiça civil foram defendidas por entidades jornalísticas (no primeiro caso) ou jornalistas na qualidade de simpatizantes do PSB (no segundo). Os fins justificam os meios? Às vezes. A censura que deveria ser liminarmente condenada pelos profissionais da informação foi admitida como válida em determinadas situações para o bem geral da nação.

** Absurdo 9 ? O “jornalismo fiteiro” foi o agente provocador do surto censório nos dois últimos anos. Baseado na mera transcrição de grampos legais ou ilegais, em vez de desenvolver a capacidade investigativa da imprensa estimulou o retrocesso. Consagrou o castigo da censura como o único recurso capaz de travar a irresponsabilidade denuncista.

** Absurdo 10 ? Duas décadas depois, retorna sutil e solerte a censura imposta pelo regime militar e referendada por seus aliados civis. Legalizada pela rabularia da república dos bacharéis. Em doses homeopáticas para que o organismo social possa acostumar-se ao veneno.

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