Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Chega de vítimas!

Edson Vidigal, ministro do Superior Tribunal de Justiça (*)

 

“Laços de Sangue
Os ministros dos altos tribunais de Brasília empregam mais parentes do que se imagina .”

(Veja, Ano 31, nº 21./ 27 de maio de 1998, págs. 52/53.)

 

“(…) Os casos mais comuns são de ministros que empregam seus parentes nos gabinetes de colegas, o que não é permitido por lei, mas pode ter a utilidade de despistar os menos atentos. O ministro Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite, por exemplo, tem sua mulher Maria Mônica, no gabinete de outro ministro do Superior Tribunal de Justiça, Edson Carvalho Vidigal, onde ganha 5.600 reais por mês. O próprio ministro Edson Carvalho Vidigal tem seu filho, Edson, e sua nora, Nísia Pudwell Chaves Travassos Vidigal, trabalhando em gabinetes de ministros no Tribunal Superior Eleitoral, TSE. (….)

Ocorre que o STF, a mais alta corte do país, já analisou um caso semelhante e entendeu que a lei devia retroagir – ou seja, parente que já está empregado tem de sair do posto. (….)

O nepotismo não é crime nem pode ser comparado com seqüestro, estupro ou delito de colarinho branco. A única punição é o afastamento dos parentes em situação irregular. Mas é uma prática tão feia que os próprios ministros fogem do assunto e evitam dar detalhes. (….)”

Quanto a mim, nunca empreguei parente em meu gabinete, nem no gabinete de qualquer colega. Sempre fui contra isso.

A propósito, o discurso que fiz como presidente da seção criminal, no encerramento do ano judiciário, em 18.12.97, publicado no Diário da Justiça, Seção I, de 06.02.98, págs. 123/127. Ali defendo, mais uma vez, que devemos afundar “as ilhas de nepotismo”. (Doc. 01)

O ministro Costa Leite não tem e nunca teve a sua mulher Maria Mônica no meu gabinete. Nem ela, nem parente de qualquer outro ministro. (Doc. 02).

A Sra. Maria Mônica foi admitida no Tribunal em 26.03.87 sendo lotada em 27.12.94 no Gabinete do Diretor da Revista, como é chamada a editora de Jurisprudência do Tribunal. (Doc. 03).

Cheguei ao Tribunal em 09.12.87, data da minha posse. (Doc. 04).

Pelo critério de antigüidade, assumi a direção da Revista em 06.08.97. (Doc. 05).

Até agora só fiz duas indicações para funções estratégicas, de confiança, – uma jornalista profissional, recrutada no mercado; outra bacharel em Comunicação Social, recrutada fora do serviço público. (Docs. 06 e 07).

Meu filho, Edson, e sua mulher, Nisia, ingressaram no Tribunal Superior Eleitoral mediante concurso público, sendo nomeados, ele em 24.08.94 e ela em 14.03.96. (Docs. 08 e 09). Naquela época eu não integrava, como ainda não integro, o TSE.

Apesar de não haver vedação legal, nunca trabalharam em gabinetes de ministros oriundos do STJ. Nunca pedi a ninguém que os chamassem para seus gabinetes. São funcionários de carreira e nessa condição têm direito à lotação onde os superiores da administração entenderem melhor para o serviço.

Oportuno esclarecer que a minha ida para o TSE, representando o STJ, era uma possibilidade remota, no próximo milênio. Foi antecipada, em sucessão ao ministro Nilson Naves, para a próxima quinzena porque, na ordem de antigüidade, diminuiu-se a distância entre mim e alguns ministros à minha frente. Morreu um, dois foram para o Supremo, dois se aposentaram voluntariamente.

Diz a matéria que o Supremo já analisou “caso semelhante e entendeu que a lei devia retroagir – ou seja, parente que já está empregado tem de sair do posto.” O repórter passou à editoria em S. Paulo a idéia de que consultou juristas (que não têm nomes) e que esse caso é o do Rio Grande do Sul, embora silencie quanto a isso no texto publicado.

 

Aqui faz-se outra enorme confusão, enganando o patrão e o leitor.

O tal caso semelhante é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1521-4-Rio Grande do Sul, da qual é relator o min. Marco Aurélio, cujo nome não é citado na matéria. Essa ADIN ainda não foi julgada definitivamente, ou seja no seu mérito, tendo o pleno do STF apreciado apenas o pedido liminar.

Tratava-se de se saber ali se seriam inconstitucionais ou não dispositivos da Constituição estadual gaúcha vedando nomeações para cargos em comissão de cônjuges ou companheiros e parentes consangüíneos, afins ou por adoção, até o segundo grau, no âmbito de cada poder.

Perdeu-se o “gancho” para uma excelente matéria.

A decisão liminar manteve, em síntese, a decisão do constituinte estadual gaúcho, entendendo-se que ela em nada afronta a Constituição da República.

Querer-se, contudo, que uma disposição constitucional de um Estado federado tenha força para revogar leis infra-constitucionais da República é ignorância pura. Desacredita qualquer publicação de respeito. Ofende a inteligência dos lúcidos, sim, porque Veja não é uma publicação destinada ao mesmo público de Notícias Populares, por exemplo.

No Estado de Direito Democrático que nós queremos construir no Brasil existem, dentre outros, dois princípios sem os quais o exercício das liberdades públicas se torna inviável – o da igualdade de todos perante a lei e o da reserva legal (ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei).

No caso, o autor do texto publicado em Veja se arrogou da condição de Juiz Supremo dos Juízes e da Ordem Jurídica induzindo os leitores a comprarem uma mentira.

Pelo menos quanto a mim, não sou essa pessoa retratada em Veja (págs. 52/53, nº 21, de 27 de maio último.) Nunca empreguei ninguém ilegalmente. O filho e a mulher do filho, funcionários de outro Tribunal, chegaram onde estão, no quadro efetivo, mediante concurso público e se prestam serviços em gabinetes é porque contam com o reconhecimento e a confiança dos seus chefes e total amparo da lei.

O que diz a lei?

 

Lei nº 9.421, de 24 de Dezembro de 1996.

 

Art. 10. No âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo é vedada a nomeação ou designação para os cargos em Comissão e para as Funções Comissionadas de que trata o Art. 9º, de cônjuge, companheiro ou parente até terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, salvo a de servidor ocupante de cargo de provimento efetivo das Carreiras Judiciárias, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir junto ao Magistrado determinante da incompatibilidade (grifei).

 

Antes, aliás, a lei passava distante das chamadas ilhas de nepotismo.

O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei nº 1.711, de 28.10.52), dizia em seu

 

Art. 245. É vedado ao funcionário servir sob a direção imediata de cônjuge ou parente até segundo grau, salvo em função de confiança ou livre escolha, não podendo exceder de dois seu número.

 

Em 11.12.90, surgiu o Regime Jurídico dos Servidores Civis (Lei nº 8.112/90), dizendo em seu

 

Art.117. Ao servidor público é proibido:

 

VIII – manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau.

 

Como se constata, não me situo em nenhuma destas hipóteses. Nem eu, nem o filho, nem a mulher do filho, aliás maiores de idade, no gozo de seus direitos civis e políticos, portanto capazes de responderem por seus atos em Juízo ou fora dele.

Por que me envolver diretamente numa situação com a qual, nem indiretamente, tenho a ver? Misturar na confusão desse texto falsamente moralista e pretensiosamente jurídico, estampado em Veja, um ministro que é trabalhador e conhecido por sua independência intelectual e moral que eu sou, sem falsa modéstia, dá mais credibilidade à montagem dessa farsa vendida como reportagem ?

O nepotismo, diz ainda o profissional contratado por Veja, “é uma prática tão feia que os próprios ministros fogem do assunto e evitam dar detalhes. (…)

Isso também, quanto a mim, não é verdadeiro.

O repórter não quis falar comigo, conforme demonstro.

Primeiro, a não ser por fato notório excepcional cuja veiculação não pode ser adiada sob pena de ser suplantado pela concorrência, não se pauta nada especial na quinta-feira para se “fechar” no mesmo dia.

 

Ou seja, essa pauta já estava há alguns dias com o repórter, tanto que ele teve tempo de ouvir os juristas sem nome que ele invoca para a redação mas não identifica na matéria; para ouvir ministros do Supremo inclusive pondo aberrações jurídicas entre aspas como se fossem de um deles mas sem dizer quem é; teve tempo até para saber sobre quem largou a mulher, etc.

Quanto a mim, telefonou para o meu gabinete no STJ no dia 21.05.98, quinta-feira, data de “fechamento” normal da revista, às 13:45 h, dizendo pretender falar comigo sobre funcionamento do tribunal. (Doc. 10).

Àquela hora eu estava a caminho da Clínica Sta. Lúcia, em jejum e repouso, para me submeter a uma cintilografia do miocárdio, a terceira determinada pelo cardiologista. Foram dois dias de exames, sempre no mesmo horário. (Doc. 11).

Chegando ao gabinete às 18h20 retornei a ligação do repórter mandando esclarecer que se fosse entrevista concede-la-ia mas só pessoalmente (olho no olho); que se acertasse hora. O repórter não atendeu ao telefone. Ficou recado na secretária eletrônica. Às 18h30 uma voz que se identificou como Vera falou, em nome do repórter, que não poderia marcar outro dia, pois a matéria tinha que ser “fechada”. (Doc. 12).

Se tivesse desejado falar comigo, o repórter contratado por Veja teria recebido de mim informações mais interessantes a meu respeito – o texto com a denúncia que fiz sobre nepotismo no Judiciário e criticando as relações desse Poder com a imprensa; o texto da reunião com os procuradores italianos da “operação mãos limpas” (Doc. 13) e até a cópia da entrevista que dei à TV Manchete, em Porto Alegre, em 13.03.97, exatamente quando a imprensa procurava repercutir naquele estado a decisão liminar sobre o nepotismo no judiciário estadual. (Doc. 14).

Não teria, com certeza, incorrido nos erros primários típicos de um foca de panfleto político de interior, o que só serviu para comprometer a boa imagem e a credibilidade da empresa que lhe paga o alto salário, comparando-se com os salários dos Juízes que estudaram e estudam, trabalham duro, enfrentando preconceitos e os poderosos de todos os plantões.

Finalmente, todo repórter tem a obrigação de saber que a verdade, quase sempre, desponta com múltiplas faces porque nem sempre uma só fonte a detém por inteiro. Daí ser preciso checar mais de duas vezes toda informação. Daí que para uma boa reportagem nunca esquecer o compromisso inarredável com três palavras-chave – exatidão, exatidão, exatidão.

Chega de vítimas!

 

(*) Edson Vidigal