Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Chicana da direita ou escândalo tucano? (A falta que faz um sinete ) E outras oito questões sobre a “ótica da sarjeta”, cobertura das chantagens, grampos e falsificações

Alberto Dines

 

D

ias depois da entrevista-bomba de Pedro Collor na Veja denunciando as falcatruas do irmão-presidente, a Folha criou nome, logotipo e enquadramento para a cobertura do escândalo: “Collorgate”.

Passadas duas semanas da divulgação pela imprensa dos documentos aparentemente falsos e gravações clandestinas de conversas que tentam comprometer o Presidente da República, o ministro da Saúde, o governador de S. Paulo, o falecido e o atual ministro das Comunicações como também o presidente do BNDES, ainda não apareceu o gênio com um sinete para designar o duplo caso.

Não é falta de criatividade, é perturbação mesmo: a mídia está desnorteada, apalermada. Não sabe se deve investigar uma eventual chicana fascistóide armada por Fernando Collor, Paulo Maluf, Lafayette Coutinho, Gilberto Miranda com a decidida intermediação do “pastor progressista” Caio Fábio para envolver a oposição de esquerda, ou se vai atrás das acusações contidas nos papeis e fitas contra os citados homens públicos, até agora ilibados cidadãos acima de qualquer suspeita.

Em outras palavras: a mídia deixou de mediar, envolveu-se. Atacada por um novo surto de onipotência e perversidade, quer sangue. Não se importa em nivelar por baixo, juntando na mesma sarjeta homens de bem e facínoras.

A ótica da sarjeta é própria de quem está na sarjeta. Eis as questões em que a mídia (ou parte dela, ver abaixo) se atolou de forma tão canhestra e diabólica:

I ) O que se deve fazer com documentos e informações de origem suspeita?

Investigar origem, autenticidade e veracidade das informações neles contidas.

II ) O que fez a mídia ou parte dela?

Considerou tudo legítimo antes de investigar.

Deu o maior destaque enquanto investigava.

E deixou a ressalva de que se tratava de informações questionáveis, entre vírgulas, induzindo o leitor atônito a acreditar que se tratava de matéria consistente e comprovada (Folha, 11/11/98).

III ) A quem cabe o ônus da prova?

Ao acusador. O acusado é inocente até prova em contrário. Este é um princípio pétreo do Estado de Direito. No vale-tudo mediático brasileiro as coisas dão-se de maneira inversa: o caluniador goza de todos os privilégios e imunidades. Quanto mais malandro e nefasto, mais protegido: afinal ele é fonte de mais calúnias, o acusado, não.

IV ) Uma investigação envolvendo a honorabilidade de qualquer cidadão pode ser publicada antes de ser, pelo menos parcialmente, concluída?

Jornal sai todos os dias, semanários todas as semanas, isso não os obriga a publicar qualquer informação que chega à redação, por mais fortes que sejam as fofocas e intrigas nos ambientes especializados. A moderna técnica de plantar notícias para serem colhidas por colunistas e articulistas sem talento e/ou escrúpulos vale-se justamente do artifício de criar a falsa impressão de que todos sabem, logo é verdade. Então, vale tudo.

V) Pode-se generalizar o comportamento da mídia neste duplo episódio?

A revista Época, que lançou a primeira grande matéria sobre as chantagens (7/11/98), foi extremamente cautelosa. Ouviu as partes e publicou as graves acusações como todos os cuidados. A Folha, quatro dias depois (quarta, 11/11/98), com bases em seus inúmeros manuais, códigos e índices de audiência, sempre inclinada a “fazer barulho”, foi a que primeiro transgrediu as mais comezinhas regras de lisura jornalística acima expostas. Advertida diretamente por um artigo de O Globo (sábado, 14/11/98, pg. 7) saiu-se com uma matéria de primeira página na segunda-feira (16/11/98), Oscar de farisaísmo, afirmando em nome da imprensa que esta “sabia do dossiê, mas foi cautelosa”. A imprensa brasileira não é a Folha. Vale para as suas virtudes e vícios.

Os jornais foram cautelosos nos primeiro momentos, a Folha não foi. Prova: os papéis comprometedores ganharam na mencionada matéria a chancela consagradora de “dossiê”. (ver abaixo).

Outra que tropeçou nos procedimentos éticos foi Veja (última edição), o que, infelizmente, já não constitui novidade: o conteúdo das fitas gravadas clandestinamente e editadas pelos chantagistas foi novamente editado pela revista, sem que fossem ouvidos os interlocutores das conversas. O ministro Mendonça de Barros, um dos interlocutores, negou a veracidade da armação mas o que passou a valer para os repórteres políticos nos dias seguintes foi a versão montada pela revista. O que vale é a acusação.

Para se ter uma idéia do “efeito bola de neve” deste tipo de jornalismo de “qualidade” no chamado “baixo jornalismo” convém requisitar o programa do “comunicador” William Barbosa na Rádio Record (S. Paulo, sexta, 13/11, 14 horas). Com base em duas linhas corretas da primeira página do JB daquele dia, o “comunicador” montou um fato consumado e decretou sumariamente a culpa dos acusados “enquanto nós humildes cidadãos suamos a camisa para ganhar alguns tostões”. E concluiu com o bordão da Rede Record: ” É uma vergonha!”. Choveram telefonemas. A Rádio Record pertence à Igreja Universal do Reino de Deus, que está sendo investigada pela Receita Federal.

VI) É a primeira vez que Maluf tem o seu nome ligado a gravações clandestinas e chantagens políticas?

Convém verificar o que foi dito por este OBSERVATÓRIO na ocasião em que foi revelado o episódio da compra de votos na votação da reeleição (ver remissão abaixo).

VII) O que pensa Lula, ex-candidato a Presidência, desta maracutaia jornalística?

“Não quero fazer aos outros o que [jornais, jornalistas, mídia] fizeram comigo. Já sofri muito por causa de denúncias infundadas”. (Isto É, 18/11/98, pg. 28.)

VIII) Qual será o primeiro jornal a veicular uma sondagem de opinião pública sobre o caso?

Até as 22 horas do dia 16/11/98 (quando foi redigida esta coluna) nenhum veículo havia publicado o veredicto da “Vox Dei”. Aguardemos.

 

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