Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Choque e pavor de parte da platéia

CARANDIRU

Henri Figueiredo (*)

O filme estava em torno das duas horas de exibição quando iniciaram-se as cenas do massacre de 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru. O Teatro do Sesi, em Porto Alegre, estava quase lotado para a avant-première, com a presença do diretor Hector Babenco. Baseado no livro do médico Drauzio Varella, também presente à sessão, Babenco mostrou a disposição dos presos rebelados em acabar o conflito depois da interferência do diretor do Carandiru, que tentava evitar a invasão do Batalhão de Choque. Na seqüência, centenas de policiais militares entrando no Pavilhão 9 e dando início à carnificina. Atiram antes de perguntar e o fogo come de cela em cela. Quando tomam o pavilhão, colocam os sobreviventes num corredor polonês e, debaixo de cacetadas, obrigam-nos a gritar "Viva o Choque!".

Nesse momento, um coro cresce nas últimas fileiras do teatro. Até aquele momento o público reagira somente com risos furtivos diante das situações cômicas do filme. Uma dúzia de vozes masculinas, porém, passa a repetir a ordem dos PMs na película: "Viva o Choque! Viva o Choque! Viva o Choque!". Difícil de acreditar que, depois de dezenas de cenas brutais, sangue escorrendo na tela, reconstituição do sadismo da tropa contra presos desarmados, uns poucos jovens "liberais" dessem vivas ao "Choque". Pavor na platéia. Reações indignadas de espectadoras mais sensíveis pipocam aqui e acolá, mas, no geral, o que se ouve é um silêncio vergonhoso. Daquele tipo que denota mais conivência do que reprovação. E, afinal, não eram poucos os oficiais da Brigada Militar gaúcha presentes à sessão.

Certa vez, num espetáculo que teve a energia cortada por sabotagem, Mercedes Sosa disse: "Os lobos atacam no escuro". Durante o filme de Babenco, foi possível perceber que os lobos "pró-massacre" eram todos jovens. Depois de alguns segundos de admoestações dos que estavam a sua volta, alguns da alcatéia deixaram a sala. Todos homens, terno e gravata, cabelo e barba bem feitos, sapatos brilhantes. O protótipo do empresário bem-sucedido. Não por acaso, a entidade promotora do evento era o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), que reúne parte da nova geração da direita no Rio Grande do Sul.

Minutos depois, ainda permanecia o desconforto. Com as cenas na tela, com a cena nas poltronas. Choque com a atitude neofascista dos meninos engravatados, repetindo vivas à aniquilação militar de quem não tinha como se defender. Pavor em imaginar aqueles garotos, projetos de executivos, dentro em breve no comando de instituições públicas. A noite foi salva, literalmente, pelas poucas vozes corajosas que reprimiram a manifestação com o adjetivo "fascistas". Houve, portanto, quem na noite de 8 de abril, na capital gaúcha, fizesse jus ao nome do evento: Fórum da Liberdade.

(*) Estudante de Jornalismo da Unisinos