Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Ciberespaço e mutações comunicacionais

 

JORNALISMO & INTERNET

Dênis de Moraes (*)


Versão atualizada do ensaio editado no livro Explorando el ciberperiodismo iberoamericano, organizado por Octavio Islas, Fernando Gutiérrez, Gerardo Albarrán de Alba, Salvador Camarena e Rossa Fuentes Berain e recém-publicado no México pela Editorial Pátria. Grifos em vermelho da redação do OI.


1. O furacão multimídia

Vivemos na era dos fluxos infoeletrônicos. A força invisível dos sistemas tecnológicos encurta a imensidão da Terra e subverte toda e qualquer barreira. Os modos de comunicação alteram-se bruscamente, propagando um volume incalculável de conteúdos. A própria vida social se encontra imersa numa rotação incessante. O que me faz lembrar do que Marshall McLuhan escreveu no estranhamente próximo ano de 1964: "O mundo todo, passado e presente, agora se desvenda aos nossos olhos como uma planta a crescer num filme extraordinariamente acelerado" [Marshall McLuhan. Os meios de comunicação como extensões do homem. 4? ed. São Paulo: Cultrix, 1974, p. 395].

A busca voraz por fluidez baseia-se na evolução galopante das redes digitais, que a todo instante disponibilizam informações de acesso imediato, em uma ambiência de usos partilhados e interatividades [ver Milton Santos. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2? ed. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 218-219]. A revolução multimídia chegou mais cedo do que imaginávamos, deixou de ser uma imagem futurista. Ela se concretiza a partir de uma linguagem digital única, habilitada a integrar processos, redes, plataformas e sistemas, multiplicando a geração de produtos e serviços. A digitalização forja a base material para a hibridação das infra-estruturas indispensáveis à transmissão de dados, sons e imagens.

O cerne das mutações desloca-se cada vez mais para a convergência entre tecnologias digitais, multimídia e realidade virtual. Os sinais de áudio, vídeo e dados, antigamente processados de forma independente, passaram a ser tratados do mesmo modo, depois de digitalizados, compondo um imensurável conjunto de bits, com amplo espectro de difusão. Segundo pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley, divulgada em maio de 2001, se o volume de materiais informativos digitais produzidos a cada ano no mundo fosse armazenado em disquetes, seriam necessários 3,2 milhões de quilômetros de comprimento para colocá-los lado a lado [Mirella Domenich, "A era da obesidade da informação", Valor Econômico, Rio de Janeiro, 7 de maio de 2001, p. 8].

Com mais de 550 bilhões de documentos disponíveis, a internet está no olho do furacão multimídia e precipita mudanças de paradigmas. A veiculação imediata e abundante não somente delineia modos singulares de produção e consumo de dados, imagens e sons, como propicia um realinhamento nas relações dos indivíduos com os canais de enunciação. A imagem clássica dos aparelhos de divulgação no topo da pirâmide e dos receptores confinados na base está se rompendo na arquitetura dos espaços descentralizados da web. Em suas artérias labirínticas, os usuários têm a chance de se assumirem como atores comunicantes, ou, se preferirmos a bela metáfora de Joël de Rosnay, como "neurônios de um cérebro planetário", que nunca pára de produzir, de pensar, de analisar e de combinar [Jöel de Rosnay. L?homme symbiotique. Paris: Seuil, 1995, p. 79].

O ciberespaço funda uma ecologia comunicacional: todos dividem um colossal hipertexto, formado por interconexões generalizadas, que se auto-organiza e se retroalimenta continuamente. Trata-se de um conjunto vivo de significações, no qual tudo está em contato com tudo: os hiperdocumentos entre si, as pessoas entre si e os hiperdocumentos com as pessoas. A partir da hipertextualidade, a web põe a memória de tudo dentro da memória de todos.

Nos encadeamentos do hipertexto, cada ator inscreve sua identidade na rede à medida que elabora sua presença no trabalho de seleção e de articulação com as áreas de sentidos. O princípio subjacente é o de que qualquer parte de um texto armazenado no formato digital (caracteres por softwares específicos) pode ser associada automaticamente a unidades textuais armazenadas do mesmo modo. O clique sobre as palavras sublinhadas instrui o computador a ativar o acesso oculto por trás do link, projetando na tela o assunto requerido, quer ele esteja no mesmo documento ou em outras bases de dados. O usuário tem a alternativa de saltar de uma fonte a outra, em um itinerário sem começo nem fim. Os textos deslizam pelo monitor, em ritmo seqüencial, numa colagem de interferências individuais e coletivas.

O hipertexto afigura-se, pois, como um texto modular, lido de maneira não-seqüencial, composto por fragmentos de informação, que compreendem links vinculados a nós. O percurso não-linear faculta novos gabaritos de intervenção por parte dos leitores. Conforme seus interesses, a pessoa segue caminhos próprios e extrai sentidos dos dados localizados. Pierre Lévy observa que, na comunicação escrita tradicional, os recursos de montagem são utilizados no momento da redação. "Uma vez impresso, o texto material mantém uma certa estabilidade… à espera das desmontagens e remontagens de sentido a que o leitor se irá entregar." Já o hipertexto digital aumenta consideravelmente o alcance das operações de leitura: "Sempre num processo de reorganização, ele [o hipertexto] propõe uma reserva, uma matriz dinâmica a partir da qual um navegador-leitor-usuário pode criar um texto em função das necessidades do momento. As bases de dados, sistemas periciais, folhas de cálculo, hiperdocumentos, simulações interativas e outros mundos virtuais constituem potenciais de textos, de imagens, de sons, ou mesmo de qualidades tácteis que as situações particulares atualizam de mil maneiras. O digital recupera assim a sensibilidade no contexto das tecnologias somáticas [voz, gestos, dança…], mantendo o poder de registro e de difusão dos meios de comunicação" [Pierre Lévy. A inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 72; ver, do mesmo autor, As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 25-26]

A relação entre o discurso e outras expressões não-verbais flexibiliza e valoriza a estruturação dos textos. Philippe Quéau sublinha que essa relação de síntese entre o texto que provém do real e a sua reconfiguração hipertextual convalida "uma nova escrita que modificará profundamente nossos métodos de representação, nossos hábitos visuais, nossos modos de trabalhar e criar". E completa: "Não se trata de um gadget, nem de uma moda passageira, e sim de uma revolução escrita profunda. Com ela surge uma nova relação entre imagem e literatura. Agora, o legível pode engendrar o visível" [Philippe Quéau. "O tempo do virtual", em André Parente (org.). Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 91-92].

A articulação do discurso a imagens, mapas, diagramas e sons processa-se tão facilmente quanto sua ligação com outro fragmento verbal. George Landow entende que se devem abandonar os atuais sistemas apegados a noções como centro, margem, hierarquia e linearidade, substituindo-as pelas de multilinearidade, nós, nexos e redes. A leitura linear ? conquanto não tenha sido suprimida, nem possa vir a sê-lo por simples pretensão do emissor ? converte-se "em uma faceta da experiência do leitor individual", no curso de uma trama agora multidimensional e, em tese, infinita. Com a possibilidade de firmar nexos, sejam eles bem programados, fixos ou aleatórios, ou uma combinação de ambos. [Consultar George P. Landow. Hipertexto. La convergencia de la teoría crítica contemporánea y la tecnología. Barcelona: Paidós, 1995, p. 14, 15, 16 e 135; do mesmo autor, ler os capítulos 1 e 2 de Hypertext 2.0. The convergence of contemporary critical theory and technology. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1997]. Não existem mais percursos únicos e definitivos para a leitura.

2. Um ecossistema interativo

Na teia cibernética, os sites afiguram-se como infomídias interativas: estocam, processam e distribuem dados e imagens oriundos de diversos ramos do conhecimento. A pragmática da internet desfaz a polaridade entre um centro emissor ativo e receptores passivos. As interfaces tecnológicas instituem um espaço de transação, cujo suporte técnico, em processamento constante, proporciona comunicações intermitentes, precisas e ultra-rápidas, numa interação entre todos e todos, e não mais entre um e todos. No ciberespaço, cada um é potencialmente emissor e receptor num espaço qualitativamente distinto. Não é por seus nomes, posições geográficas ou sociais que as pessoas se agregam, mas de acordo com blocos de interesses e afinidades eletivas.

Por outro lado, o caráter descentralizado da internet generaliza a circulação de conteúdos, sem submissão a estruturas hierárquicas. Antigas intermediações, pretensamente válidas para todo o tecido sociocultural, não representam mais escalas inevitáveis. No ambiente virtual, com um mínimo de competência técnica, os usuários podem atuar, a um só tempo, como produtores, editores e distribuidores de informações.

Sob tal prisma, a internet seria um viveiro de infomídias, diferenciadas dos macro-sistemas midiáticos pelos seguintes quesitos:

1. Ao menos até o presente, não há centros diretivos nem comandos decisórios na web.

2. A comunicação na internet é fundada numa reciprocidade com dimensão comunitária (o telefone é recíproco, mas não fornece uma visão do que ocorre no conjunto da rede). As emissoras de televisão e de rádio são pólos de onde as informações partem e são distribuídas. Mesmo tomando-se em consideração o despontar de soluções interativas, existe uma separação nítida entre os núcleos emissores e os destinatários, isolados uns dos outros. Na internet, há a prerrogativa de participação dos receptores, inclusive, em coletividades desterritorializadas.

3. O caráter interativo e multipolar da comunicação virtual rompe com limites demarcados por instituições hegemônicas e pela mídia. Textos, sons e imagens trafegam em grande quantidade pela internet, sem a obrigação de serem submetidos a filtros de avaliação (conselhos consultivos, editores). Com a fragmentação dos pólos de enunciação, produz-se uma redistribuição de dados menos condicionados pelo peso histórico da imprensa e das indústrias culturais.

4. Na internet, entra em parafuso a concepção de reservar a exposição pública a nomes sacramentados pelo mercado, pela mídia ou pelas instâncias acadêmicas. O princípio motriz do ciberespaço ? a disponibilização em linha ? contraria a lógica da contração das matrizes enunciadoras. Os sites perfilam-se lado a lado, numa corrente horizontal e ilimitada de nós. Eles atravessam nossas retinas em pé de igualdade, do ponto de vista da logística dos acessos. De qualquer lugar, podem ser conectados, 24 horas por dia. O que se altera são a parcela individual de identificação com o índice temático, os enfoques adotados e a programação visual.

5. Inexistem, na web, grades de programação ou rotas preestabelecidas de leitura. O indivíduo escolhe e consome o que quiser nos horários, nas freqüências e nos ângulos de abordagem de sua preferência. Enquanto a televisão, o rádio e o jornal ordenam o noticiário em função de suas diretrizes editoriais e ideológicas, as redes computadorizadas impelem-nos a procurar os dados ambicionados.

6. A navegação geralmente norteia-se por motores de buscas que localizam, na incrível variedade da rede, sites afins com as palavras-chaves indicadas. Cabe aos internautas a postura ativa e crítica de peneirar os materiais brutos resultantes das pesquisas, atrás de seus focos de interesse;

7. As relações entre as fontes informativas e os usuários na internet são móveis, interrompidas, retomadas e atualizadas. A ação pode ser contínua, apesar da duração descontínua, como na comunicação por secretária eletrônica ou e-mail. A fruição depende do agenciamento de entradas e de saídas, embora os fluxos sejam ininterruptos e deslocalizados.

A cibercultura mundializa modos de organização social contrastantes, sem beneficiar pensamentos únicos. [Emprego os termos ciberespaço e cibercultura nas acepções propostas por Pierre Lévy. Ciberespaço é o novo meio de comunicação que emerge da interconexão mundial das redes de computadores. Engloba não somente a infra-estrutura material da comunicação digital, como também o oceano de informações que abriga ao mesmo tempo os seres humanos que por ele navegam e o alimentam". Cibercultura designa o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensar e de valores que se desenvolvem paralelamente ao crescimento do ciberespaço. Consultar Pierre Lévy. Cyberculture. Rapport au Conseil de l?Europe. Paris: Odile Jacob, 1997, p. 17.] Congrega forças, ímpetos e desejos contraditórios, com a peculiaridade fundamental ? apontada por Pierre Lévy ? de universalizar sem totalizar. Na direção aqui indicada, a totalidade tem a ver com a descontextualização dos discursos, que permite o domínio dos significados, o anseio pelo todo, a tentativa de instaurar em cada lugar unidades de sentido idênticas. A noção de totalidade busca bloquear a variedade de contextos e os múltiplos segmentos que neles deveriam intervir.

O ciberespaço configura-se como um universal indeterminado, sem controles aparentes, sem local nem tempo claramente assinaláveis. Lévy acentua que a cibercultura, ao preservar a universalidade dissolvendo a totalidade, corresponde à época em que nossa espécie se inclina a formar, pela globalização econômica e pelo adensamento das redes de comunicação e transporte, uma única comunidade mundial, ainda que desigual e conflituosa. Esta megacomunidade, conquanto tenha forte dose de globalismos, prospera por interação, e não por homogeneização e massificação [Pierre Lévy. Cyberculture, ob. cit. p. 129-149].

Descobrimos um estiramento na noção de totalidade: no ciberespaço, as partes são fragmentos não-totalizáveis, isto é, não-sujeitas a um todo uniformizador de linguagens e concentrador de poderes, que anula inevitáveis disparidades de interpretação. As relações entre as partes reinventam-se, em densidade e em extensão, sem que umas se sobreponham ou subjuguem as demais. Diante dessa dinâmica de micrototalidades emergentes, a imanência mítica e autoritária do todo conhece a variável da tensão. Cabe à capacidade cognitiva dos indivíduos determinar como se vão rearticular as conexões nos acervos digitais. A web inverte a lei das mídias convencionais: o valor de uso é obtido na relevância de cada ligação, e não pelo consumo de denominadores comuns, indispensáveis à coesão da audiência de massa [ver Pierre Lévy, O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996, capítulo 1; ler também Derrick de Kerckhove. Connected intelligence: the arrival of the Web society. Toronto: Somerville House Publishing, 1997, parte I].

3. Por uma dialética entre real e virtual

Importante ressaltar que não concebemos o ciberespaço como uma esfera autônoma, divorciada das realidades socioculturais. Embora a práxis virtual seja pautada por especificidades, há uma relação de complementaridade com o real, viabilizada pela progressiva convergência digital e, sobretudo, pelos usos criativos das tecnologias do virtual, que tendem a renovar-se continuamente. Marc Guillaume salienta as confluências possíveis entre os padrões clássicos de interação social e as redes eletrônicas: "A rede social preexistente pode melhorar seu desempenho através da rede técnica, mas esta última não pode por si mesma criar uma rede social. Está claro também que o bom uso das mídias comutativas passa pelas complementaridades e hibridações, permitindo combinar automatismos e inteligência humana, rapidez de informação e vagar na assimilação e na formação" [Marc Guillaume. L?empire des réseaux. Paris: Descartes & Cie, 1999, p. 72].

Os processos de significação não se anulam, eles se acrescentam e muitas vezes se mesclam. O jornalismo impresso coexiste com a televisão, a multimídia e a realidade virtual. Assim como a imprensa não suprimiu os manuscritos. O livro foi combatido pelos epígonos da cultura elitista da Idade Média. Os benefícios da impressão mecânica não se impuseram de imediato. Durante muito tempo ela dividiu a cena com os pergaminhos, até se consolidar como meio que possibilita uma circulação social rápida, barata e abrangente. As sociedades valem-se de distintas tecnologias, a um só tempo. Uma forma de comunicação existente ou emergente não subsiste sem a outra; a tendência é a convergência de processos e práticas, a partir de inovações que desencadeiam um realinhamento do sistema, a fim de garantir a sobrevivência em ambientes de constantes modificaç&otiotilde;es e reciclagens [ver Roger Fidler. Mediamorphosis: understanding new media. Califórnia: Pine Forge Press, 1997].

Os suportes são empregados em função de seu uso social. A escrita manual relaciona-se à comunicação pessoal, enquanto o computador é utilizado com freqüência para a informação, o entretenimento e o trabalho, através das redes informáticas, do CD-ROM, do DVD, da webcam e de jogos eletrônicos. Para o contato instantâneo à distância, o telefone continua insuperável. Outras circunstâncias pedem o fax, o correio eletrônico, o pager ou a carta registrada.

Não será outra a lógica tecnocultural que, mais cedo do que se espera, presidirá a coexistência entre as mídias impressa e digital. Em plena ascensão do ciberjornalismo, com notícias por segundo e recursos audiovisuais para atrair usuários aos noticiários em tempo real, o jornalismo impresso continua competitivo no mercado da informação. É bem verdade que as empresas jornalísticas precisam ajustar-se às transformações em curso no setor de comunicação, reestruturando-se cada vez mais como organizações multimídias.

Entram em declínio as empresas com especializações únicas e circunscritas a bases regionais. Elas correspondiam a um outro espaço-tempo, em que as tecnologias não se sobrepunham a mapas, calendários e fusos horários; os fluxos de informações eram infinitamente menos convulsivos; os mercados não se interconectavam em tempo real; os estilos de vida não esgarçavam identidades socioculturais; a competição não se reduzia a corporações globais; e não vigorava o imperativo radical de gerar, a qualquer preço, demandas de consumo pelo planeta afora.

Beneficiados pelas desregulamentações neoliberais, os megagrupos seguem agora o figurino multissetorial da corporação-rede ? isto é, exploram, sozinhos ou em alianças estratégicas, ramos conexos de informação e entretenimento. Eles recorrem a sinergias capazes de assegurar diversidade produtiva, conjugar know how, renovar continuamente os parques tecnológicos e internacionalizar as bases consumidoras. Com economia de escala, racionalizam custos, reduzem riscos e perdas, aumentando suas margens de rentabilidade. Tudo isto praticamente sem prestar contas a ninguém, a não ser aos seus acionistas.

Do ponto de vista empresarial, a hora, portanto, é de hibridações tecnológicas, investimentos compartilhados, flexibilidade operacional, segmentação mercadológica e internacionalização de negócios. Ou seja: alavancar os lucros em todos os horizontes e situações, ao menor custo possível.

Não será por outra razão que o Fórum Mundial dos Editores, promovido pela Associação Mundial de Jornais em 2000, indicou, entre os pressupostos que devem nortear os planejamentos de mídia impressa neste começo de milênio, os seguintes itens: a) predominância da tecnologia digital em todo o processo de produção (captação, processamento, distribuição e armazenamento) de conteúdos; b) geração de novos conteúdos e serviços informativos digitais; c) parcerias e alianças em projetos que explorem comércio eletrônico a partir de ativos criados pela mídia (bases de dados de serviços comunitários e diretórios temáticos, para consultas pagas); d) utilização de novas ferramentas digitais que facilitem o fluxo de produção de conteúdos que combinem diferentes tecnologias (por exemplo, softwares de automação do processo editorial para as linguagens digitais) [consultar Elizabeth Saad Corrêa. "Arquitetura estratégica no horizonte da terra cognita da informação digital", em Revista USP, São Paulo, dezembro de 2000/fevereiro de 2001, p. 105-106].

Apesar desse realinhamento tecnológico, não precisamos abrir mão do agradável ritual da leitura de páginas impressas para navegar por homepages e publicações eletrônicas ? são viagens sensíveis distintas, cada qual com seus percursos e fruições, com a vantagem adicional de uma complementar a outra. Isto é, podemos desfrutar, simultaneamente, de experiências no real e no virtual ? experiências, vale insistir, que nenhuma das modalidades sozinha proporcionaria. Por exemplo, ler textos de Ernest Hemingway com janelas simultâneas para consultas a estudos críticos sobre seu legado ou para conhecer fotos de suas estadas em Paris e Havana.

A cibercultura não se superpõe às culturas preexistentes, nem as aniquila. A dialética ativa desdobramentos e remissões; no lugar de divisões e estacas demarcatórias, estabelecem-se os nexos, as bricolagens e as hibridações. É exatamente o que testemunhamos na internet. O seu ecossistema multimídia revela alto grau de adaptação a um tipo de comunicação que, combinando modelos da imprensa escrita (jornais, revistas) com a dinâmica audiovisual (sons, vinhetas, animação eletrônica), delineia configurações peculiares. Um portal pode somar e disponibilizar, ao mesmo tempo, televisão, rádio, vídeo, DVD, música, cinema, webcam, noticiário em tempo real, arquivos sonoros, jogos, livros, revistas, jornais, fotografias, arte interativa, museus, cartões em 3D, publicidade online e comércio eletrônico. Praticamente todas as mídias numa única plataforma digital.

Na vertigem dos nós, um número cada vez maior de informações será produzido, veiculado, lido e analisado, numa prova eloqüente das interseções possíveis entre real e virtual, dentro de um conjunto de ambientes integrados e auto-ajustáveis, sob a primazia da inteligência humana. Por que isolar as variáveis eletrônicas dos tesouros impressos? Esqueçamos as referências imutáveis, o apego a crenças enrijecidas que geralmente conduzem a dogmatismos. Optemos por uma dialética de fertilizações mútuas entre o real e o virtual.

Seria, afinal, um equívoco encarar a Internet como um mercado paralelo e estanque, dissociado das demais mídias e das conjunturas sociais. Não interligá-la àquelas instâncias equivaleria a entendê-la como fim e não como um meio para se atingir metas maiores. Haveria o risco de, paulatinamente, ela perder significado histórico e importância cultural. A sua pujança provém de cooperações de toda ordem.


Fim da primeira parte deste ensaio. Clique em PRÓXIMO TEXTOpara ler a segunda e última parte da matéria.


(*) Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense; autor, entre outros livros, de O concreto e o virtual: mídia, cultura e tecnologia (2001) e O Planeta Mídia: tendências da comunicação da era global (1998)