Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cicero Araujo

ASPAS

MÍDIA NA LITERATURA

"Imprensa e negócio", copyright Folha de S. Paulo, 14/07/01

"Sobre Ética e Imprensa, Eugênio Bucci, Cia. das Letras, (Tel.0/xx/11/3846-0801), 248 págs., R$ 23

Como fica a ética no jornalismo se tomarmos as empresas jornalísticas como elas são -um grande negócio- e os jornalistas como deveriam ser -profissionais a serviço do direito do público à informação? Trata-se, como analisa o autor, de um ?conflito de interesses?, que as melhores empresas no setor tradicionalmente resolveram mediante a separação entre igreja e Estado, segundo a fórmula do fundador da ?Time?, Henry Luce: o modo mais eficaz para a empresa promover seus negócios, aumentando anunciantes, é garantir a independência da redação. É assim que os bons veículos conseguiram obter um público crescente e fiel, e os bons jornalistas, zelar pela paz de suas consciências. Mas a fórmula, pensa Eugênio Bucci, esbarra hoje nas megafusões no campo das comunicações, entre outros acontecimentos, que tendem a fazer do jornalismo uma função subordinada ao negócio do entretenimento. Daí a questão mais angustiante do livro: como preservar, nestes novos tempos, a independência das redações, essencial para que a profissão cumpra seu dever moral e social?

A Saga dos Cães Perdidos, Ciro Marcondes Filho, Hacker, (Tel. 0/xx/11/3735-7028), 176 págs., R$ 17

Os cães são os jornalistas, apud Mitterrand, após o suicídio de um ministro dele, em meio a um suposto escândalo. O autor faz uma história sintética do jornalismo, na qual distingue quatro momentos: o do jornalismo político-literário, o do comercial, o dos monopólios e o da era tecnológica. Esta última etapa corresponderia à ?era da pós-história?: ?A técnica moderna põe abaixo todas as aspirações da modernidade, incorporadas pelo projeto iluminista, assim como as ilusões do humanismo, de privilégio do homem, de evolução e progresso da espécie…?. É o que mostram o fim das ideologias, o teorema de Gödel, a teoria do caos etc. etc. Coerentemente, o autor trata de denunciar o ?mito da transparência?, sobre o qual jornalistas e empresas se apóiam para vender sua mercadoria. Do desvendamento das práticas e crenças do jornalismo contemporâneo, o livro parte para uma crítica simultânea ao ?neoliberalismo, às novas tecnologias e à globalização?. O que só tem sentido se pensarmos que ?todos compõem o mesmo quadro?.

Ética e Poder na Sociedade da Informação, Gilberto Dupas, Unesp (Tel. 0/xx/11/232-7171), 135 págs., R$ 17

Centrado nas possibilidades de uma ética na era do capitalismo global e do predomínio quase absoluto da técnica, o livro abunda em remissões a filósofos, de Platão a Foucault, frequentemente entremeadas por sentenças retumbantes que lembram esses libelos de fim de milênio. Para o autor, a pós-modernidade não é apenas uma invenção dos pós-modernos, mas um estado de espírito real, fruto de transformações muito objetivas. Daí que constate um ?vazio ético no qual as referências tradicionais desaparecem e os fundamentos ontológicos, metafísicos e religiosos da ética se perderam?. Contudo, e talvez por isso mesmo, é imperioso gestar ?os novos valores da pós-modernidade?. Eis que o autor se propõe a enunciar seus ?primeiros princípios?. Mas como, se ?Deus está morto?? ?Primeiros princípios?, claro, é força de expressão: Gilberto Dupas quer apenas oferecer regras gerais de prudência para uma época em que a criatura se tornou também o criador e, portanto, a ética só pode ser uma autolimitação ?razoável?, não uma força com autoridade transcendente.

Indústria Cultural – Informação e Capitalismo, César Bolaño, Hucitec (Tel. 0/xx/11/240-9318), 282 págs., R$ 32

O autor se propõe a abordar os meios de comunicação de massa ?em termos rigorosamente marxianos?. Mas, em vez de tratá-los apenas como aparelhos ideológicos, como é costumeiro nessa tradição, procura situá-los na base do ?sistema?, isto é, como parte crucial da economia capitalista contemporânea. Sem deixar de prestar contas à ortodoxia, Bolaño incorpora à análise contribuições tão díspares como a da economia neoclássica e a da sociologia de Bordieu e então articula um robusto esquema conceitual para dar conta da indústria midiática. Para explicar como a mídia desempenha um papel específico na acumulação do capital, o livro combina a análise da concorrência entre as empresas em geral para consolidar e ampliar um público consumidor, com a análise da ?cozinha? da indústria (a produção de bens culturais), a qual é ligada à concorrência entre as empresas do próprio setor para abocanhar o mercado de anunciantes. A construção teórica é um tanto eclética para quem pretendia algo ?rigorosamente marxiano? e, contudo, original e bem-costurada."

 

FAMA & DESTRUIÇÃO

"Educação e fascínio da fama", copyright O Estado de S. Paulo, 11/07/01

"Revestir uma pessoa de fama precoce é correr o risco de destruí-la.

Nem para os adultos é fácil lidar com perdas. Todos nós construímos uma auto-imagem, adornada por funções, posses, talentos e relações familiares e sociais. Basta um desses aspectos ficar arranhado para irromper a insegurança.

Por isso o desemprego, que aumenta com as políticas neoliberais, é tão humilhante. Perdem-se a identidade social, a segurança quanto à sobrevivência da família e a qualidade de vida. Já reparou quando lhe apresentam uma pessoa? Não é suficiente saber-lhe o nome. Há curiosidade em conhecer o que ela faz, em que trabalha. A falta de emprego é como o chão que se abre sob os pés. Cai-se no vazio. Entra-se em depressão. Porque emprego significa salário, que, por sua vez, representa a possibilidade de aluguel, alimentação, saúde, educação, etc.

Há pais que nutrem nos filhos falsos ideais: destacar-se como modelo numa passarela, tornar-se desportista de projeção, alcançar a fama como atriz ou ator. O sonho congela-se em ambição e a criança passa a dar-se uma importância ilusória. Ainda que alcance dois minutos de fama, como dizia Andy Warhol, os tempos de vazio na platéia são infinitamente maiores que os momentos de aplausos.

O adolescente mergulha no estresse de corresponder à expectativa. Tem de provar a si e aos outros que é capaz, o melhor ou a mais charmosa e inteligente. Passa, então, a viver não em função dos valores que possui, mas do olhar do outro. Convencido de que é o supremo – e incapaz de enfrentar o desmoronamento de seu castelo de areia -, ele recorre ao sonho químico, à viagem onírica, ao embalo das drogas.

A família, perplexa, se pergunta: ?Como foi possível? Logo ele, tão inteligente!? Foi possível porque a família confundiu brilhantismo com segurança. Considerou-o um adulto precoce. Exigiu vôo de quem ainda não tinha asas crescidas. Deixou de dar-lhe atenção, colo, carinho. Os diálogos em casa passaram à instância da mera funcionalidade: mesada, compras, viagens, problemas escolares, pequenas exigências da administração do cotidiano.

A culpa é de quem? Da sociedade que cultua certos detalhes, criando uma estética de consumo: moça loura e magra, executivo de carro importado, locutor com sotaque carioca, atriz em sua mansão com piscina, férias em Nova York, etc.

A construção da personalidade é um jogo de relações e comparações, arte mimética de abraçar como modelo aquele que merece a nossa admiração. Hoje, as figuras paradigmáticas não se destacam pelo altruísmo dos ícones religiosos (Jesus, Maria, José, Francisco de Assis, etc.) nem de personalidades como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Teresa de Calcutá. A estética do consumo rejeita a ética dos valores. O sucesso tudo justifica: o adultério virtual, a filha gerada pelo pai de aluguel, o cantor negro que se metamorfoseia de branco, os negócios escusos do empresário notoriamente corrupto.

Famílias e escolas deveriam educar seus alunos para lidar com perdas.

Afinal, morrem não só pessoas, mas também sonhos, projetos, possibilidades.

A mídia deveria dar destaque a pessoas altruístas. Contudo, como esperar que se enfatize a solidariedade num mundo regido pela competitividade? Como falar de modéstia em tempos de exibicionismo? Como valorizar a partilha, se tudo gira em torno da lógica da acumulação?

Cada povo tem o desgoverno que merece. As drogas não se transformaram na peste do século só por culpa do narcotráfico. Elas são uma quimérica tábua de salvação nessa sociedade que relativiza todos os valores e carnavaliza até a tragédia humana. Não se culpe, indagando onde você errou, como professor ou pai. Pergunte-se pelos valores da sociedade em que vive. Em que medida tais valores, invertidos e pervertidos, não se entranharam também em nossa cabeça, envenenando-nos a alma?

Inútil fechar-se no pequeno mundo doméstico e julgar-se tão protegido quanto Robinson Crusoé em sua ilha. Somos uma teia de relações. O fluxo mundial invade o lar, a mente, o espírito, por meio da TV e do computador, da publicidade e da mídia. Quanto mais considero que a política é o reino privado dos políticos, no qual não pretendo entrar nem influir, tanto mais eles, acólitos do dinheiro, configuram este modelo de sociedade em que o sucesso predomina sobre o trabalho, a riqueza sobre a honestidade, a estética sobre a ética.

Uma sociedade doente produz, inevitavelmente, seu clone no interior de cada família. Ali está ele, concentrando esforços para que se recupere, demandando sofrimentos, consumindo recursos. Querem curá-lo, como se o fruto não tivesse sua raiz na árvore. Quanto mais sadia uma sociedade, mais sadias as pessoas. Mas para isso são precisos valores e o fim da exclusão social."

    
    
              

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