Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cidade Biz / Reuters

ASPAS

STARMEDIA EM CRISE

"Loureiro acusa Espuelas de não saber gerir a Starmedia", copyright Cidade Biz / Reuters, 2/05/01

"O vice-presidente de Operações da StarMedia, Francisco Loureiro, acionou a metralhadora giratória no momento em que está deixando a companhia, depois de ter sido alijado das negociações que levaram ao acordo com a operadora de telefonia americana BellSouth, anunciado na semana passada. ?O grande conflito é que (o CEO Fernando) Espuelas e (o vice-presidente do Conselho Jack) Chen são pessoas sem experiência em gerir uma companhia?, declarou Loureiro, que afirma ainda não ter se desligado formalmente da Starmedia. ?Eles têm o vício de novos e novos capitais?, disse em Nova York à agência Reuters.

?Nunca acreditei que uma companhia possa se sustentar baseada em financiamento externo, mas com base em geração de resultado interno?, afirmou Loureiro. ?Isso cria uma cultura negativa, passa a imagem errada?, disse.

O executivo acha que o aporte de 36 milhões de dólares recebido na última rodada de investimentos é pouco superior ao prejuízo de 31,2 milhões de dólares que a StarMedia registrou no primeiro trimestre do ano. ?Esse valor de negócio vai embora muito rápido?, afirmou. Para ele, o negócio é ?interessante e apropriado? apenas do ponto de vista da BellSouth. A telefônica investiu 25 milhões de dólares e passou a ter 11% da StarMedia. O restante do aporte veio da Primedia (5 milhões de dólares) e do JP Morgan Partners (6 milhões de dólares).

?O que fiz foi criar um plano de rentabilidade, em setembro de 2000, que foi torpedeado?, declarou Loureiro. O plano previa que a StarMedia se tornaria rentável no final deste ano, consolidando e integrando as companhias adquiridas, segundo o executivo. ?O plano nunca foi implementado?, afirmou Loureiro. Ele citou como exemplo três operações de guias locais que a StarMedia mantém na Colômbia. ?Nenhuma rentável?, disse ele.

Além disso, mencionou desperdício de recursos com a manutenção da sede em uma área nobre em Nova York. ?Dois andares do espaço imobiliário mais caro do mundo?, disse. ?A companhia toda funciona como uma questão de imagem?, afirmou. ?Criar a imagem de resultados, sem ter resultados?, disparou o executivo."

NOTÍCIA AO AVESSO

"E a Internet ganhou o mundo", copyright no. (www.no.com.br), 31/05/01

"Era só uma história de nada, uma anedota quase fábula com direito a lição de moral no fim. Envolvidas na coisa, não mais que trinta pessoas espalhadas pelo mundo e conectadas umas às outras pela Internet. Aliás, nada aconteceu de fato – uma quarentona carente de atenção fingiu ser uma menina de 19 anos com leucemia, fez amigos na rede enganando a todos, aí um dia matou a personagem e todo mundo descobriu que era enganação. Nada aconteceu? Não para a boa imprensa do mundo todo. Esta é a história de um meme.

Quase duas semanas passadas da descoberta da fraude, o engano de meia dúzia de pessoas foi se espalhando e tornando-se público. Na quinta-feira, dia 24, foi assunto de reportagem na TV local do Kansas e chamou a atenção dos editores da ?Inside?, uma revista especializada em mídia. Em mais um dia, chegou à TV a cabo norte-americana, cruzou um oceano e foi parar no principal jornal italiano, o ?Corriere della Sera?, ultrapassou continentes aterrisando no ?South China Morning Post? e alcançou a Austrália. Um fim de semana bastou para que a história tomasse a Grã Bretanha de assalto. No domingo, o ?Scotland on Sunday?; na segunda, o prestigioso ?Guardian?. Neste mesmo início de semana, cheia de moral, ganhou as redes de tevê abertas ianques. Na segunda, a peso-médio Fox; na quarta a toda poderosa ABC.

Na quinta, dia 31, faturou as páginas do maior entre os melhores: ?The New York Times?.

Valia tudo isso? Quantas pessoas, afinal, não são enganadas todos os dias na Internet por histórias bem parecidas? Nos primeiros anos do século 20, John Bogart, editor de Cidade do ?New York Sun?, deu a definição de notícia que está nas cartilhas de tudo quanto é redação do mundo: se um cachorro morde o homem, não serve às páginas; se o homem morde o cachorro, vale manchete. No mundo real, pessoas assim enganadas por alguém que bate de porta em porta alegando doença de morte não são notícia. Acontece toda hora.

A pergunta então desloca de eixo: por que se acontece na Internet é, quando o que mais ouvimos são histórias de fraudes diversas no mundo virtual? Carece uma análise mais profunda. Os vilões de sempre, sejam hackers cheios de espinha atrás de cartões de crédito ou espiões chineses atrás de segredos nucleares, não têm parte aqui. Debbie Swenson, a mulher que fez o papel da menina Kaycee, não recebeu dinheiro de ninguém. É apenas alguém do Kansas que poderia ser personagem de Mark Twain ou do ?Mágico de Oz?. É como se falássemos do interior do estado.

O fato de que enganou tanta gente por dois anos ajuda, mas não basta. Por trás disso tudo, nas entrelinhas de cada reportagem, está uma pessoa de meia idade profundamente carente que sem ter com quem falar em Peabody, Kansas, ganha este novo mundo se reinventando. Se ela não era interessante, uma menina loura, ás do basquete no colégio vivendo uma luta intensa contra a leucemia era. E foi. Se a sinopse é de filme B, lá por entre os circuitos, onde se pressupõe alguém de verdade, fica comovente. (Não à toa, a primeira pessoa a desconfiar de tudo foi uma repórter policial, Saundra Mitchell, cujo marido escreve roteiros.)

Nenhuma das reportagens, no entanto, traçou um perfil melhor desta senhora do Kansas, mãe viúva de dois adolescentes. Mesmo o ?Times?, que foi mais a fundo e conseguiu entrevistá-la, limitou-se a perguntar o porquê contentando-se com a primeira resposta: ?A idéia de um diário online é escrever o que você quer escrever. Eu queria levar algo de positivo às pessoas.? A traição, parece dizer, foi sem querer.

É aí que tudo toma forma de fábula. Não se trata de uma mulher fingindo-se de menina moribunda e um bando enganado. A fábula é a imprensa do mundo correndo atrás. O que impressionou os jornais não foi o extraordinário, mas o ordinário. Um drama humano comum que se repete a cada dia em cada cidade do interior. A diferença, desta vez, é que a cidade do interior chamava-se Internet. Como num passe de mágica, tinham na mão uma história que não se encaixava bem na seção Tecnologia ou Informática. Não falava de softwares, protocolos ou chips. Ignorava a existência da Nasdaq.

Na definição do biólogo Richard Dawkins, meme está para a informação como os genes para a vida. É a unidade menor de uma idéia. Encapsulada numa membrana viral que chamamos de fábula, lenda ou história, é lançada à sociedade que reage qual cultura de microorganismos. Quanto mais poderosa a idéia, mais se espalha o vírus. Ele vai ganhando variantes, mutações, mas ali naquela sua moral, na sua conclusão básica, fica intocável.

Qual vírus violento que não encontra resistências no sistema imune, o meme de Kaycee Nicole seduziu as páginas impressas (e não impressas, como o caso desta e de outras colunas) e ocupou-as sem cerimônia. No grupo de discussão online criado para cicatrizar as mágoas de quem acreditou em Debbie, o projeto inicial foi posto de lado para outro bem mais deslumbrante: acompanhar a cobertura da imprensa em quatro continentes. Sem querer, transformaram-se todos a seu modo em personagens.

E a história deu uma volta pelo mundo. A culpa é de uma futrica, apenas uma malícia de comadres sem maiores conseqüências, que serviu de aula para todos. A Internet, afinal, cumpre sua vocação de cidade pequena."

    
    
                     

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