Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cinema e TV, inimigo$ cordiai$

INDÚSTRIA AUDIOVISUAL

Nelson Hoineff

Na semana de 26ago-1?set uma grande tensão dominou as relações entre as redes de televisão e os articuladores da política cinematográfica brasileira.

O presidente da República anunciou para 30 de setembro a edição de medida provisória criando novos mecanismos para essa política. De quebra, a MP iria impor novas restrições à circulação de filmes estrangeiros por meio de mudanças nas regras tributárias; e criar uma taxação de 4% sobre o faturamento das emissoras de TV para aplicação na indústria cinematográfica, além de determinar uma cota para exibição de filmes brasileiros na televisão.

Na quinta-feira [30/8], o ministro Pedro Parente chegou a convidar representantes das entidades que compõem o CBC (Congresso Brasileiro de Cinema) a participar de uma cerimônia de "congraçamento" com o presidente na terça-feira, 4 de setembro, no Palácio do Planalto, em torno da MP.

Mas já na sexta-feira [31/8] o ministro cancelava o encontro e o presidente suspendia a edição da medida provisória na forma em que estava. A MPA (associação das distribuidoras americanas), por um lado, e as emissoras de TV, por outro, conseguiram que, no último minuto, as taxações fossem repensadas.

A MPA, por exemplo, alegava que não estava sendo ouvida. Boris Casoy, na TV, deu-lhe razão. Já o produtor Luiz Carlos Barreto disse ao Estado de S.Paulo que nunca foi chamado para aprovar leis americanas.

Tudo isso provocou uma grande mobilização dos produtores de cinema, que passaram os dias seguintes denunciando lobbies das emissoras e ingerência dos distribuidores estrangeiros nas leis brasileiras de cinema. O imbróglio jogou água quente no chope com que o Planalto esperava fazer a festa da classe cinematográfica.

Discussão pública

Da tal MP a ser editada constarão a criação da Agência Nacional de Cinema e do Fundo Nacional de Cinema; a prorrogação até 2010 da lei do audiovisual (mecanismo de renúncia fiscal responsável pela maior parte da produção cinematográfica brasileira hoje); e a alteração da lei Rouanet (estendendo a 100% o abatimento para produção de curta e média metragens, além da preservação e difusão de filmes). São itens aos quais ninguém se opõe. As taxações sobre filmes estrangeiros e sobre o faturamento das emissoras de TV, porém, estarão num projeto de lei a ser enviado ao Congresso.

Toda essa legislação nasce dos trabalhos do Gedic, o grupo instalado há oito meses pelo ministro Pedro Parente para este fim. A comissão executiva do Gedic &eacuteacute; formada por seis membros ? que não representam necessariamente as entidades, mas foram convidados pelo governo. São cineastas, distribuidores e exibidores, além do vice-presidente da Abert.

De início, o Gedic não foi levado muito a sério pelas redes de televisão, mas conseguiu uma carta-branca do CBC, que reúne as 29 entidades de cinema. O CBC apóia no escuro as conclusões do grupo, dando suporte a um texto antes mesmo de conhecê-lo.

Há um certo desconforto entre muitos dos que, por lealdade e confiança, assinam este cheque em branco. Por isso, mesmo no calor dos debates detectou-se algum alívio ao se ver os itens menos consensuais do Gedic sendo enviados para uma discussão pública. Os produtores de cinema e televisão vão saber o que estão assinando. Já os distribuidores americanos e as emissoras de TV vão ganhar o tempo que queriam para se organizar. Os lobbies ficarão mais fortes, mas o novo projeto ganhará transparência ? e, conseqüentemente, legitimidade.

(*) Jornalista, diretor e produtor de televisão.

Roberto Cordeiro


"TVs pagas pedem debate sobre MP do cinema", copyright O Estado de S.Paulo, 29/08/01

"O setor de TV por assinatura está preocupado com a possibilidade de a medida provisória (MP) que define a Política Nacional do Cinema e do Audiovisual entrar em vigor sem ser debatida. Segundo a proposta, as emissoras de TVs abertas e operadoras por assinatura (cabos, microondas e satélites) terão de destinar 4% da receita bruta para o cinema nacional. Além disso, o texto prevê contribuições baseadas na quantidade de horas de conteúdo estrangeiro veiculado pelas operadoras.

?A proposta é muito nociva e ameaça o futuro da TV paga no Brasil?, afirma o diretor jurídico da Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura (ABTA), José Francisco de Araújo Lima. ?Queremos uma chance de conversar sobre o assunto antes de virar lei.? Lima defende a realização de uma consulta pública, como foi feito no caso do anteprojeto de Lei de Radiodifusão.

Segundo o executivo, o impacto econômico sobre o setor de TV paga, que enfrenta problemas, seria pesado demais. Ele argumenta que um canal estrangeiro recebido por todos os assinantes de TV a cabo teria de pagar cerca de R$ 5 milhões anuais em contribuições, de acordo com a MP.

Canais como o português RTP e o alemão Deutsche Welle, que têm seu sinal oferecido gratuitamente para as operadoras de TV por assinatura, teria de arcar com essa despesa, mesmo sem receber nada das operadoras. ?Com a medida, eles seriam muito atingidos?, explica o diretor da ABTA. ?As contribuições são pesadas mesmo para os canais pagos.?

Lima enfatiza que a Lei do Cabo já determina que as operadoras de TV a cabo dediquem um canal para produções nacionais. A regra não vale para as empresas de satélite ou microondas. O executivo alerta que até a produção audiovisual seria tributada. ?Isso pode afugentar investimentos.?

Empresas- Outro descontente com a medida provisória é o vice-presidente para a América Latina da Motion Pictures Association (MPA), Steve Slot. Ele disse ontem em Brasília que a medida pode levar os investidores americanos a reverem os planos de co-produções cinematográficas brasileiras. Ele reclamou que o governo federal não consultou os grandes distribuidores e produtores de filmes estrangeiros na elaboração das regras que tratam dos incentivos às produções nacionais e tributos às produções estrangeiras.

Solot afirmou que as empresas Columbia Pictures, Twenty Century Fox e Warner Bross devem reavaliar os seus projetos. Segundo ele, apenas a Columbia investiu no cinema nacional US$ 30,6 milhões entre 1995 e 2000. Ontem, o ministro chefe da Casa Civil, Pedro Parente, informou que a medida provisória deve ser publicada no Diário Oficial da União até a próxima sexta-feira."

    
                  

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