Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Circo dos Horrores

Vera Silva (*)

 

U

ltimamente, na imprensa, vemos desfilar coisas como denúncias de prevaricação contra dirigentes e políticos, invasões de terras, crimes contra a vida e o patrimônio, exposição da sexualidade, exposição de doenças estranhas, exposição da miséria. Digo desfilar porque tal é a proporção deste tipo de notícia, em relação ao noticiário geral, que nos dá a impressão de um desfile, como aqueles que fazem os circos nas pequenas cidades, para avisar à população que o espetáculo vai começar.

Este constante e intenso desfilar de “horrores” faz-me pensar no direito à liberdade. Vejo o desfile dividido em três tipos: (1) os “horrores” da elite – são as chamadas prevaricações dos dirigentes e políticos; (2) os “horrores” do povo – são as invasões de terras, os crimes contra a vida e o patrimônio, a exposição de doenças estranhas e a exposição da miséria; e (3) os “horrores” da classe média – exposição da sexualidade.

Ora, um quadro que assim se divide mostra, no meu entender, três preconceitos que avançam contra a liberdade de ser único, enquanto parte do coletivo. Estes preconceitos são: (a) somente a elite pode dirigir o povo, então, somente ela pode prevaricar; (b) como o povo é uma massa infantil, então, somente ele pode desrespeitar as leis coletivas e sofrer de problemas tão estranhos, sem saber como resolvê-los; ( c) como a classe média (incluamos neste grupo os artistas) sabe de tudo, já que é intelectual, somente ela poderia ser sexualmente tão pública, a ponto de nos contar como ser feliz fazendo sexo.

Por que afirmamos que estes preconceitos avançam contra a liberdade? Tenha um pouco mais de paciência para me acompanhar nesta incursão sobre nossa realidade social. Os “horrores” e os preconceitos vêm da forma como estruturamos nossa sociedade. Os princípios são 1º) Convencionamos que os dirigentes nacionais – presidentes, ministros e senadores – devem ser homens públicos de elite, pois são de famílias tradicionais, ricos, bem educados (isto é, ocupantes das colunas sociais ou das páginas políticas), têm controle sobre suas famílias e seguidores, e que, sobretudo, têm uma imagem e uma linguagem de gente bem-nascida. Estas imagens nos levam ao pai que representa aquele que é o nosso pai social; que diz o que é certo, que provê nossa sobrevivência; que nos pune, quando erramos; e que, acima de tudo, nos dirige aqui na Terra e nos impede que, por inocência, cortemos nosso caminho rumo à salvação. Alguém parecido com o ex- presidente Collor ou com ACM. Estes homens merecem a nossa confiança e o nosso voto incondicional. Por isto, quando parecem prevaricar, nós nos indignamos, colocamos o fato nas manchetes dos jornais, esperando que o pai nos explique o que está acontecendo. Eles sempre o fazem, mostrando como somos apressados em julgar e como nada conhecemos; assim, entendemos nosso erro e tudo acaba em pizza.

2º) Decorrente do primeiro princípio, convencionamos que o povo, a grande maioria da nação, é uma criança: uma massa de modelar, feminina e dócil, que é moldada à imagem da elite, com ela se identifica e a ela segue. O povo não pode dirigir o país, porque não tem instrução; não sabe ganhar dinheiro; é preguiçoso, indolente; não conhece as leis; não sabe fazer acordos; não entende de contratos; tem uma moral duvidosa, não sabe dirigir nem a própria casa nem sua saúde; em resumo, é um seguidor por natureza e, para compensá-lo, dele será o reino dos céus. Um homem chamado Hitler convenceu meio mundo de que isto era verdade, e, apesar de uma grande guerra haver acontecido, continuamos a viver como se isto fosse verdade. É claro que, sendo assim, somente o povo pode cometer tantos crimes contra a vida e o patrimônio; viver sempre doente, entulhando os hospitais; multiplicar-se como coelho e viver invadindo terras, como uma horda de bárbaros, sem nenhum respeito à propriedade privada; e, barbaridade das barbaridades, nunca conseguindo viver com o salário que ganha; está sempre desempregado, porque não consegue acompanhar as flutuações do mercado; provoca terríveis déficits na previdência social, porque não entende que é preciso fazer poupança. Só mesmo Deus, em sua infinita bondade, pode amá-los e dar-lhes seu reino.

3º) Quem iria comandar para a elite estas crianças, que chamamos de povo? Somente a mãe poderia ensinar ao povo as regras do pai. Somente ela poderia ser a intermediária entre a elite e o povo. Assim surgiu a classe média: é estudiosa, disciplinada; sabe fazer poupança; conhece o sistema político; é trabalhadora, respeita a propriedade privada; controla sua reprodução; respeita as leis e ocupa os cargos dos escalões intermediários com eficiência. Mas qual seria a sua recompensa por tão espinhosa tarefa de tanger a massa? Ela não está apta a dirigir, não pode ficar rica, não é bem nascida, mas, tem vocação para liderar. Caso não seja vigiada, poderá querer tomar o poder, qual uma feminista desvairada. A solução é o prazer: dar-lhe o acesso ao prazer. Foi isto que fez a elite: deu-lhe a mídia para expor sua grande vantagem sobre o povo – é adulta. A classe média tem prazer com a lei do pai; ela goza, ensina como gozar e mostra seu gozo; expõe sua sexualidade como seu “locus” de poder.

Estamos começando a matar a charada de nossa realidade político-social: o circo dos horrores é montado como uma segunda versão, melhor dirigida e “marqueteada”, do velho pão-e-circo. De repente, foi descoberto que a TV estava sendo mal aproveitada: ela não pode ser desperdiçada como instrumento de cultura – para que o povo quer cultura? Ela é antes um grande instrumento de controle do circo da vida e auxiliar da classe média na sua tarefa de tanger o povo. Por certo, Hitler adoraria ter este instrumento nas mãos; com ele não teria havido guerra, ou, se houvesse ele não a teria perdido! Se o leitor pensar que estou dizendo que o circo dos horrores é uma forma nazista de controle, pensou corretamente. É o que se pode ver neste interminável desfile!

(*) Psicóloga

 

Victor Gentilli

 

Os movimentos do secretário de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, José Gregori, no sentido de estimular as emissoras de TV a estabelecerem padrões éticos e melhorarem sua programação são importantíssimos, e precisam contar com o apoio das forças vivas da sociedade brasileira. No entanto, não é sem motivos que alguns se preocupam com o fato de que, isolado, tais movimentos só fortaleçam a idéia de auto-regulamentação do setor.

Dez anos depois de promulgada a Constituição, as dúvidas certamente se dissiparão se o governo tomar a iniciativa de agir no sentido de finalmente dar corpo ao Conselho de Comunicação previsto na Constituição.

Poderíamos remeter o leitor a inúmeras matérias neste OBSERVATÓRIO mostrando a importância da instalação do Conselho e questionando as experiências de auto-regulamentação. A lista de links seria enorme. Melhor o próprio leitor usar o sistema de busca.