Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Clodovaldo Hernández

VENEZUELA

Chávez impõe lei que amordaça imprensa venezuelana”, copyright UOL Mídia Global (www.uol.com.br), 13/6/03

“O confronto entre o governo de Hugo Chávez e os meios de comunicação venezuelanos atingiu nos últimos dias uma intensidade máxima, ao chegar à fase final a discussão de uma lei que regulamentará os meios audiovisuais. A disputa é inclusive semântica: o governo fala em Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão, enquanto a oposição começou a chamá-la de Lei de Conteúdos e depois passou a denominá-la Lei da Mordaça.

O projeto aguarda uma segunda e definitiva discussão na Assembléia Nacional (unicameral), mas o debate não pôde se realizar devido às intensas disputas que paralisaram a atividade parlamentar nos últimos dias. O diretor da Comissão Nacional de Telecomunicações, Jesse Chacón, o órgão promotor do projeto, afirma que é exatamente essa lei que causou o bloqueio. ?Existem cerca de 40 leis à espera, mas os únicos que têm poder suficiente para paralisar o Parlamento com o fim de evitar que se aprove uma lei são os meios de comunicação?, diz ele.

A lei estabelece diversas faixas de horário (público geral, supervisionado e adulto), permitindo a difusão de qualquer tipo de programa e publicidade na última e restringindo alguns conteúdos nas outras. As limitações se referem a violência, sexo e linguagem, um coquetel polêmico desde que o mundo é mundo.

Os apresentadores mais populares de programas de opinião estão liderando uma campanha contra a lei, alegando que seus espaços serão censurados ou fechados. Chacón responde: ?Nos programas de opinião não há restrições, pois quase todos se referem ao debate político. Se alguma opinião emitida for considerada lesiva por alguém, este poderá reclamar seu direito a réplica ou processar nos tribunais, e isso nada tem a ver com essa lei?, argumentou.

Outro aspecto que escandalizou os jornalistas e proprietários de canais de televisão é que a lei supostamente impediria mostrar no horário diurno imagens ao vivo de distúrbios e outros fatos violentos, o ?pão de cada dia? nos últimos anos em um país conturbado pela agitação política e o crime comum. ?Não se trata de cercear a liberdade de informação, mas de evitar danos psicológicos, especialmente às crianças. Quando houver uma cena de violência durante uma transmissão ao vivo e a emissora tomar as medidas oportunas, não será sancionada?, afirma.

O funcionário salienta que na legislação da Colômbia, um país com violência secular, são proibidos, por exemplo, as imagens em primeiro plano e as repetições em câmera lenta de certas cenas em horário infantil. ?Deve haver um limite, não podem passar, como ocorreu, a imagem de uma pessoa tendo convulsões antes de morrer. Isso é revoltante.?

Outro ponto questionado pelos proprietários é a ampla proteção e o estímulo que a lei confere aos chamados produtores independentes, cidadãos e empresas não vinculados aos proprietários, que terão acesso a 36% do tempo de transmissão. Os proprietários consideram que essa norma atenta contra seu direito à propriedade privada. Chacón se defende dizendo que a estrutura fechada das rádios e televisões impediu o desenvolvimento na Venezuela da indústria do entretenimento como ocorreu em outros países de nível semelhante.

Os proprietários também vêem com horror a criação de um fundo, para o qual irão 2% de seus lucros, destinado a propiciar a educação crítica dos ouvintes e telespectadores. ?Um rapaz venezuelano, ao terminar o colégio, teve 17 mil horas de aula, mas assistiu a 29 mil horas de televisão. Se não conseguirmos que a TV coopere com a educação, nunca será viável um modelo de desenvolvimento de cidadania.?”

 

PORTUGAL

?Correio do Ribatejo? Uma Viagem no Tempo”, copyright Público (www.publico.pt), 15/6/03

“Numa esquina da Rua Serpa Pinto, em Santarém, há uma casa totalmente insuspeita que é uma máquina de viajar no tempo. Transpondo a entrada, fica-se com a impressão de se ter recuado uns bons anos e invadido um escritório ao género do de ?Alves & Cia?, de Eça de Queirós.

Cheira a papéis antigos, que se acumulam, amarelecidos, nas prateleiras de madeira grossa. E também a tinta e produtos de impressão, exalados por máquinas pesadas que já mais ninguém tem. E até os três ou quatro computadores a uso são modelos que muitos jovens não sabem que existiram. Espalhada pelo espaço – uma sala ampla e um pequeno escritório para o qual se passa por uma porta envidraçada – uma dúzia de homens de dedos completamente negros dobra folhas de jornais. Esta é a sede do jornal regional mais antigo do continente português, o ?Correio do Ribatejo? que, em Abril, comemorou 112 anos.

A publicação conserva mais do que memórias: mantém vivas as metodologias e hábitos herdados do tempo do antigo proprietário, desaparecido há cerca de três décadas. Como o facto, raríssimo na actualidade, de todo o processo de feitura do jornal, incluíndo a sua impressão, estarem concentrados na sede. Ou o caso, hoje muito pouco visto, de serem os trabalhadores do jornal a dobrá-lo manualmente, folha a folha.

Os actuais donos não se distinguem dos empregados: nem na sua apresentação, simples e acessível, nem nas suas tarefas – é que ambos estão ali, integrados na ?linha de montagem?, dobrando folhas impressas lado a lado com qualquer funcionário, sem distinções hierárquicas ou sequer de aparência.

Mário Lopes e Manuel Oliveira Canelas são os sobreviventes do trio de empregados que, há 30 anos, recebeu a missão de prosseguir a publicação do ?Correio do Ribatejo?. O jornal foi fundado em 1891 por João Arruda, que, dois anos antes, lançara já ?O Santareno?. O primeiro título do semanário foi ?Correio da Estremadura? tendo-se transformado em ?Correio do Ribatejo? em 1945, seguindo a reforma administrativa que em 1937 ?colocou? Santarém na província com aquele nome.

Seguindo uma tradição que hoje não se pratica já, João Arruda foi proprietário e director do ?Correio?, onde publicou, entre muitos textos, relatos apaixonantes das exóticas viagens que empreendia. Em 1934, a sua morte abriu caminho ao filho, o dinâmico Virgílio Arruda, correspondente da Academia Portuguesa de História e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, também ele muito interessado pelas viagens e pela escrita.

Nas paredes do ?Correio? conservam-se as fotografias de ambos, ladeando a medalha de comendador da Ordem de Mérito, atribuída a João Arruda. De um lado, a imagem do pai, sério, de bigodes retorcidos. Do outro, a foto do filho, tal e qual o Vasco Santana, de gordas bochechas e cabelo ondulado, penteado para trás, com uns óculos redondinhos e ar cómico.

Virgílio Arruda, que morreu sem herdeiros, resolveu perpetuar a obra deixando-a entregue aos três mais antigos trabalhadores da casa – um dos quais também já falecido, entretanto. Os actuais donos, Mário e Manuel, mantiveram quase tudo como estava e se fazia naqueles tempos. Sabem que a sua maneira de fazer as coisas é por muitos considerada ultrapassada e ineficaz. Mas com mais de 50 anos de casa e saudosos do ?bom patrão? que tiveram, seria quase uma heresia transformar o ?Correio do Ribatejo? noutra coisa qualquer.

E a verdade é que há algo de mais humano e enriquecedor nessa escolha. ?É melhor não mexer muito?, sentencia Mário Lopes, que se iniciou no jornal como aprendiz de tipografia aos 12 anos e não lembra uma única história de invejas ou falta de camaradagem.

No primeiro de Maio, ?o único dia que era nosso?, faziam pescarias e jantavam juntos. O facto de serem homens ajudava ao tipo de convívio. Na história do semanário só uma vez, e por pouco tempo, lá trabalhou uma mulher. Uma experiência que, não tendo deixado memórias negativas, também não chegou a marcar positivamente o ambiente.

A par deste hábito, outro uso conservado pelos herdeiros do título foi o de honestidade para com os trabalhadores. ?Não há empregados a recibos verdes nem estágios não remunerados. Quem aqui trabalha está no quadro?, diz o actual director, João Paulo Narciso.

Coisas que ficaram dos tempos antigos, como as máquinas tipográficas, os arquivos, as fotos antigas e os tipos em metal e madeira que vão acumulando pó ao lado de máquinas mais recentes.

Um património que Narciso – director desde 2001 mas ligado ao jornal há nove anos – gostava de ver valorizado. Até porque foram já muitas as vezes que estudantes, investigadores e simples curiosos desfolharam edições antigas à cata de árvores genealógicas, relatos de acontecimentos perdidos no tempo e referências à herança histórica da região e até do país.

João Paulo Narciso, que foi também colaborador de uma rádio local e do PÚBLICO, equaciona a criação de um museu nas instalações do ?Correio do Ribatejo?, transferindo-se a área de trabalho para o primeiro andar, hoje desocupado. A ideia do director, no qual os proprietários vêem ?um puto de 37 anos?, é renovar a publicação, ?para a qual ainda há público?, e ?respeitar a memória dos fundadores, expondo o acervo fotográfico, os números do jornal e os equipamentos antigos?.”

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Um Jornal Sereno”, copyright Público (www.publico.pt), 15/6/03

“No ?Correio do Ribatejo?, os blocos de apontamentos são feitos à medida do bolso da camisa do director. Não é uma mordomia excessiva: é que os blocos são feitos na própria redacção, reutilizando papel que sobra da impressora dos computadores.

E, a bem dizer, Narciso é praticamente o único redactor, dado que o jornal tem apenas uma mão cheia de colaboradores que não fazem actualidade. ?Acho que posso ter um bloco adaptado às minhas necessidades?, brinca.

O ambiente é pacato. ?Trabalha-se das 9h às 12h30 e das 14h às 18h?, explica. Folga-se religiosamente aos fins-de-semana e feriados. A edição nunca se atrasa e se, nos tempos do antigo dono, era difícil sair do jornal antes das quatro da manhã, quando era necessário compor as páginas com os tipos, hoje as tarefas estão facilitadas e não se fazem horas extra.

E o certo é que o jornal ?saiu sempre ao sábado, nem que fosse com páginas em branco?, afirma convicto Mário Lopes, um dos proprietários, já com uns anos sobre a casa dos setenta (?Não vale a pena dizer quantos?). Diz isto assim lembrando uma edição que sofreu um incidente, na época da tipografia manual. A composição de duas páginas não ficou bem ?trancada? e assim que se pôs na impressora foi uma sopa de letras na máquina. ?Só desmontando o equipamento se conseguiu recuperar os tipos e salvar a edição?, que, ainda assim, teve de ser encurtada. ?Dessa vez, não tivemos desporto?, recorda o sócio, Manuel Canelas.

Este tipo de problemas – Canelas conta de uma noite em que ele e o patrão foram de madrugada pedir ao padeiro que lhes emprestasse uma peça fundamental – causou mais percalços à publicação do que a censura, por exemplo.

Mário tinha, entre outras incumbências, a tarefa de levar o ?Correio? aos senhores do lápis azul. Mas ?censuravam pouco?. ?O doutor sabia o que fazia?, explica, com um sorriso maroto.

E no entanto, o jornal sempre se inclinou um bocadinho para a crítica, mas subtil. ?Ainda hoje?, reforça Mário Lopes.

João Paulo Narciso explica que o ?Correio? é uma publicação serena, privilegiando ?a opinião, a política, e os valores tradicionais do Ribatejo?.

O jornal ?respeita as instituições e não se preocupa tanto com a ?cacha?. ?Não fazemos polémica só para vender jornais?, assegura. A tiragem é de oito mil exemplares, dos quais perto de seis mil são para assinantes, e quase não tem sobras. Parte da sua procura deve-se aos classificados, que atraem os cerca de cinco mil estudantes que procuram casa e serviços nas redondezas. O último número conta 26 páginas.

O título sofre um pouco com a ?concorrência desleal? que Manuel Canelas identifica noutras publicações da região. ?Se houvesse entendimento entre as partes seria muito melhor e dava para todos?, comenta, entristecido. Além disso, ?estamos esquecidos dos subsídios. Dão dinheiro para tudo, mas ao ?Correio do Ribatejo? nunca calhou nada?, lamenta.

Recentemente, o semanário concorreu ao porte pago, a que nunca tinha tido direito pelo facto de ter mais publicidade do que notícias. Hoje a proporção foi corrigida e a Alta Autoridade para a Comunicação Social deu parecer positivo. ?E candidatámo-nos a um apoio para renovação tecnológica?, informa o director, que projecta renovar a linguagem do jornal, quer nos conteúdos quer no grafismo.”

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As Breves de Antigamente”, copyright Público (www.publico.pt), 14/6/03

“?Retirou para Thomar, a exma senhora D. Virginia d?Araujo, que esteve de visita nesta cidade em casa do Senhor António Maria de Sousa?

?Santareno? (1889)

?Esteve bastante incomodado, em virtude d?uma queda que soffreu, o nosso bom amigo sr. conselheiro José Maria de Mello. Actualmente acha-se muito melhor?

?Tem sido concorridíssima a novena da piedade. A capella acha-se ricamente adornada. Da música diremos apenas: um primor?

?Correio da Estremadura? (1891)

?Esses árabes, ao fazerem a viagem em caminho-de-ferro de Cadiz até Madrid, fizeram um farnel com o seguinte: 2 carneiros assados, 60 borrachos, 200 ovos cozidos e duas arrobas de fruta (pêcegos, maçãs e peras). Os pêcegos!… Fruta tão divinal que até a moirama lhe ferra o dente!?

?Correio do Ribatejo? (1945)”

 

OLIGOPOLIZAÇÃO / EUA

“Lei da mídia, séria demais para poucos decidirem”, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 17/06/03“A Comissão Federal de Comunicações (CFC) abriu as comportas para uma onda de fusões na mídia que, mais adiante, vai esmagar a diversidade local e concentrar o poder de moldar a opinião pública nas mãos de um número cada vez menor de empresas gigantescas.

Isso incomoda muitos leitores, ouvintes e telespectadores, que não gostam que lhes enfiem goela abaixo notícias uniformizadas nem programas tipo modelo universal. Quando investi contra essa liquidação iminente, há duas semanas, recebi milhares de e-mails – não estou brincando, foi uma torrente sem precedentes – muitos começando assim: ?Embora eu o considere um direitista doente em muitas questões, estou 100% com você nessa tomada de poder pela grande mídia?.

John McCain, presidente do Conselho do Comitê de Comércio do Senado, também ficou surpreso com a reação ao Floodgate (o escândalo da abertura das comportas): ?750 mil pessoas enviaram mensagens ao CFC?, diz McCain. ?Isso despertou mais interesse do que qualquer outra questão não coordenada por um imenso lobby?.

O que acontece: um único gigante da mídia, que tinha permissão para possuir estações de TV que atingissem pouco mais de um terço do país, poderá – graças ao Floodgate – atingir quase a metade do público, um passo gigantesco de um gigante na direção dos 100%.

E quanto à propriedade cruzada – possibilidade de jornais comprarem estações de TV e rádio na mesma cidade e vice-versa – a CFC chegou ao ponto de dizer:

?Ora, o domínio local por uma potência da mídia é bom.?

Agora depende do Congresso reverter a resolução dessa CFC de segunda classe. Na quinta-feira, o comitê de Comércio do Senado vai inserir emendas em projeto de Ted Stevens, republicano do Alasca, para o limite de audiência voltar aos 35%. E de Byron Dorgan, democrata de Dakota do Norte, sobre propriedade cruzada.

Qual é a posição de McCain? Esse rebelde, cujo herói é o fomentador de trustes Teddy Roosevelt, está dividido. Ele é contra a regulamentação por princípio e admira o presidente da CFC, Michael Powell, portanto, não apoiará a volta proposta por Stevens (que McCain acha que será aprovada no comitê), nem apoiará a emenda de Dorgan sobre propriedade cruzada (que acha estar condenada ao fracasso – ?o ponto crítico está na propriedade cruzada?).

Mas posso perceber uma mudança de atitude do representante do Arizona. ?Já há concentração demais no rádio?, diz ele, pois só quatro empresas atingem quase todos os ouvintes dos Estados Unidos, num campo que alguns de nós se lembram como um meio de comunicação felizmente local.

?Isso poderá ser um alerta sobre a atual situação. Vamos promover audiências sobre isso.? (Ele devia convocar artistas para analisar como a junção de rádios ganhou posição de controle sobre a música popular.) A hesitação de McCain significa que a mão forte desta semana em favor da diversidade e da difusão de poder é Stevens. Com aliados conservadores como Trent Lott e Kay Bailey Hutchison se unindo aos democratas, Stevens tem votos para seu projeto de lei.

Dorgan me diz que, se não conseguir aprovar uma versão de sua emenda para reversão da propriedade cruzada, há outro caminho – por meio da Lei de Revisão – de levar a questão ao plenário do Congresso.

Opinião pública – Esqueça a luta interna. A complexidade do Legislativo mostra como o poder de um lobby, que parecia invencível, pode ser contido por um público alerta, ressentido com a manipulação da mídia.

A pressão dos magnatas da mídia em favor das fusões ignora as ações do Senado descritas acima. Eles têm certeza de ter no bolso Billy Tauzin, republicano da Louisiana, e presidente do Conselho de Comércio da Câmara. E acham que podem conter qualquer tentativa de reverter a medida na Câmara.

Nunca subestime a esperteza política de um velho estrategista do Senado como Stevens, que não aprova seus projetos apenas para aparecer. Talvez haja alguns aspectos sérios relativos à segurança nacional nessa lei sobre comunicações que serão de interesse dos conservadores da Câmara e poderão formar a base da cooperação entre o Senado e Câmara.

O efeito das fusões na mídia sobre a liberdade de expressão dos americanos é preocupante demais para ser deixado nas mãos de três pessoas que não foram eleitas.

Essa decisão política de grande alcance deve ser tomada pelo Congresso e pela Casa Branca, depois de extensas audiências e uma cobertura imparcial pelas emissoras tímidas demais, redes de televisão a cabo de noticiário não local e jornais em conflito.

Ouvintes, telespectadores e leitores estão interessados. Vocês deviam ter visto a pilha de correspondência.”