Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Clóvis Rossi

“Programas como Linha Direta, da Globo, seduzem no que têm de perverso. Jogam baixo com o medo da violência que consome o brasileiro médio, deliciam a audiência jazadji e mexem com a curiosidade rabo de olho dos humanistas.

A maior perversidade de programas assim é que eles reforçam um diálogo de surdos, o empate técnico, em terra arrasada, entre preconceituosos e humanistas. Deve-se ser pacífico, prenuncia Linha Direta, um programa cujo efeito é conduzir ao ódio, sem trabalhar com a lucidez. Para o ideário jazadji, só se consegue a paz impondo o terror. Para evitar que o homem siga sua natureza má, é preciso fulminar os frutos ruins. E os frutos têm endereço. A monstruosidade não está no ato em si, mas na pessoa que o comete (o policial não é um monstro quando mata menores e fecham-se olhos diante de seus desvios). Se estivesse no ato em si, leis não seriam desrespeitadas por quem as criam, escândalos não virariam pizza.

O certo e o errado é ditado pela circunstância. Desconfia-se que a violência dos assaltos, dos linchamentos, das torcidas, do trânsito sejam sintomas de uma agressividade latente. Ela teria causas mais amplas, talvez nos 20,3% da população economicamente ativa da Grande São Paulo que estão desempregados.

Nada disso vale, no entanto, para Linha Direta. O programa é uma usina de ódio. Como um Gil Gomes com ar respeitável, Marcelo Rezende reconstitui melodramaticamente casos policiais bizarros ou inconclusos. A emocionalização crescente dos fatos é reforçada pelos recursos técnicos (como o fundo musical de thrillers), usados para construção artificial de momentos tensos.

Para provar que bandido bom é bandido morto, bagateliza-se a morte de pessoas como Ana Carolina Costa Lina. Faz dramatizações, diz que a família não está segura enquanto os assassinos estiverem à solta. Então, um delegado depõe. Diz, sem mais, que um dos acusados fugiu da cadeia porque trocou de lugar com outro preso, que tinha habeas corpus. Nem o advogado teria notado a troca. As ligações perigosas do episódio, que poderiam comprometer a polícia, não são pistas para o programa, que se propõe investigativo. O foco é outro. A ordem não pode ser caos. Não para Linha Direta.

Por isso, o programa é oportunismo que finge ser jornalismo. Teve 29 pontos na estréia, há duas semanas. Que perca público.”

“Linha Direta é usina de ódio”, copyright O Estado de S.Paulo, 6/6/99