Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

CNPq de costas para o futuro

JORNALISMO E PESQUISA

Nilson Lage (*)

Em abril passado, no Fórum de Professores de Jornalismo, em Porto Alegre, encontramo-nos, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com o professor Wilson Gomes, representante da área de comunicação na Capes, e com alguns outros colegas ? poucos, na verdade, àquela hora ?, entre os quais lembro-me da professora Márcia Benetti Machado e dos professores Victor Gentilli, do Espírito Santo, J.S. Faro, de São Paulo, e Hélio Schuch, de Santa Catarina.

O professor Gomes nos expôs graves problemas da área e eu reclamei incisivamente da natureza autoritária como são tratados no país os estudos de Jornalismo, já que o domínio intransigente de uma santa aliança (ultimamente meio enferrujada), que vai da filosofia pessimista de Frankfurt à psicanálise complicada de Lacan, com traços de ciência política à maneira de Lukács, vem impedindo o surgimento de programas de pesquisa com outros feitios mais voltados para o exercício da profissão, como o que desenvolvemos em Florianópolis.

Espanto e paranóia

O impedimento se dá ora por exigências absurdas, ora por meros insultos proferidos no anonimato dos pareceres ad hoc, numa estrutura acadêmica em que a criação de programas de pós-graduação em sentido estrito e o desenvolvimento de projetos dependem ou do reconhecimento ou de dotações pelas entidades governamentais de fomento.

Mencionei, na oportunidade, o caso de um convênio que intentamos com a Universidade Nova de Lisboa, abortado porque o anônimo parecerista oficial resolveu depreciar o quadro de professores da UFSC, referindo-se a mim, particularmente, como "pesquisador mediano". Devem ser excelentes os não-medianos já que, só de livros especializados para graduação e pós-graduação, os seis que escrevi venderam até agora mais de 50 mil exemplares, em um segmento sabidamente restrito e onde impera a copiagem eletrostática.

Finalmente, citei um projeto meu, aprovado em fevereiro pelo Departamento de Jornalismo da UFSC, para o desenvolvimento, com alunos jornalistas de doutorado e mestrado em mídia e conhecimento do Programa de Pós-graduação em Engenharia, onde leciono, de sistemas de televisão de baixo e médio custo. O escopo do projeto vai desde o uso da tecnologia mais recente até a preparação de grades de programação (coberturas de eventos esportivos, científicos, culturais, educativos; programas de educação à distância; reportagens, documentários, debates, talk shows etc.) baseadas em técnicas do telejornalismo. A idéia era antecipar-se à proliferação de canais decorrente da difusão da TV por cabo e satélite, da projetada introdução da TV digital, da generalização dos cabeamentos ópticos (por exemplo, em e entre universidades) e da banda larga da internet, desde o ADSL até a internet 2.

Houve, então, na pequena platéia, reação de espanto. "Não", disse o professor Faro. "Um projeto desses certamente seria aprovado." Pelos rostos, percebi que todos ou quase todos concordavam com ele. Julgavam, certamente, que minha intervenção refletiria algum tipo de paranóia.

Como queríamos demonstrar…

Foi então que decidi submeter o projeto ao CNPq, pleiteando bolsa-auxílio de produtividade. Como esperava, o pedido foi negado; desta vez, aceitaram-me como interlocutor e consideraram o projeto relevante, mas o rejeitaram porque o consideraram "imaturo", "pragmático" e observaram que não prevê "reflexão sobre os pressupostos e resultados".

Imaturo é quem escreveu essa bobagem. Se eu fosse imaturo em meus projetos aos 65 anos, com 47 de profissão e 32 de magistério, Matusalém seria ponta-esquerda do Vasco, como diria o falecido companheiro João Saldanha. É obvio que não recheei o projeto com afirmações triviais sobre a concentração de renda no Brasil, a importância (no caso, "o perigo") dos meios de comunicação; não falei do quanto a televisão concorre para a difusão da obesidade nem considerei a medicina nuclear equivalente à pajelança; não condenei, em suma, o presente e exaltei o passado, como costumam fazer tantos teóricos de comunicação.

A comissão censora do poder comunicacional nem sequer incluiu o projeto entre aqueles recomendáveis, o que não oneraria os cofres públicos, tão esvaziados, mas seria algo justo e gentil ? coisas que essa gente não é. Apenas, meu projeto é sério, e essa gente não é.

Se quiserem verificar se tenho ou não razão, esperem alguns dias e consultem o sítio <www.universidadeja.ufsc.br>, que estamos instalando em servidor próprio. O projeto será colocado lá ? é o mesmo que apresentei no seminário de telejornalismo da Uerj, há algumas semanas. Tenho meios de levá-lo adiante, com a ajuda dos colegas e alunos e, eventualmente, a colaboração de outros setores da universidade. Pessoalmente, não preciso, no momento, dos recursos que solicitei; se os tivesse, aplicaria todos na pesquisa. Apenas quis comprovar empiricamente um teorema. E o fiz. Portanto, q. e. d. ? iniciais, em latim, da conclusão "como queríamos demonstrar".

(*) Jornalista, professor-titular da UFSC