Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cobertura extensa e sem profundidade

CELSO DANIEL
(*)

Bernardo Kucinski

PT, governo, políticos e também a mídia estão em estado de choque. Grande número de políticos, de todos os matizes, considera que o crime foi político e se assusta com a própria análise. Na opinião pública, o assassínio de Celso Daniel precipitou e cristalizou um sentimento nacional de basta, e com isso ganhou a dimensão de marco histórico, capaz de mexer com o imaginário popular, modificando as perspectivas políticas.

Fernando Rodrigues, na Folha de S.Paulo de segunda-feira (21/1), chegou a comparar o potencial do episódio com a chacina dos operários de Volta Redonda em 1988, que precipitou a vitória de Luiza Erundina na campanha pela Prefeitura de São Paulo. Mas em que direção vai se encaminhar o imaginário popular? Essa é a grande incógnita.

Em princípio, deve-se esperar a generalização de sentimentos de simpatia pelo PT e revolta contra o governo. Mas a história não se repete, e a forma como os sentimentos evoluem é mais complexa. O PT tem sido associado à violência, mesmo como vítima. Esse pode ter sido, inclusive, um dos objetivos dos crimes.

Jornais poupam os tucanos

Programada para continuar dando força total ao lançamento da candidatura Serra, a mídia foi pega de surpresa num fim de semana, e não soube como se posicionar. O desnorteamento se reflete nos jornais de hoje [21/1]. O Estado de S.Paulo, que sempre pontifica sobre os principais temas do momento e fez a melhor reportagem de cobertura, não traz um único editorial sobre o crime. Não sabe o que dizer. E jogou toda a cobertura para o caderno Cidades. O sentimento popular é de revolta contra os governos federal e estadual. Mas os jornais hesitam. Alimentar a idéia do PT como vítima é bom ou ruim para a candidatura Serra? Endossar a tese inicial do governo de que a questão está "acima dos partidos e ideologias"? Culpar a omissão dos governos federal e estadual, nem falar.

Narcotráfico e crime organizado

Faltaram nos jornais comentários em profundidade de articulistas e de especialistas, entrevistas e matérias de pesquisa sobre o crime organizado, sobre o narcotráfico e, principalmente, sobre o programa de segurança nacional que FHC prometeu e não realizou. Na Folha, a palavra narcotráfico mal aparece. No Estadão, um artigo grande de Roberto Godoy na página C8 compara a ação das autodenominadas Farb, que enviou cartas de ameaça aos prefeitos do PT, ao surgimento dos paramilitares na Colômbia. Uma boa e rara análise, do cientista Fernando Abrúcio, saiu na página A4 do Diário de S.Paulo, jornal importante em São Paulo, mas que não é de referência nacional. Abrúcio diz que "quando as balas se tornam mais importantes do que os votos, o que está em risco no país é a democracia". E diz que "a vida dos principais líderes políticos do país está nas mãos do presidente Fernando Henrique".

PT assume as hipóteses mais duras

A direção do PT, reunida emergencialmente na Prefeitura de Santo André na tarde de sábado, ainda relutava em trabalhar publicamente a tese de que o partido está sendo objeto de uma campanha específica de terror e intimidação. Em parte devido à avaliação de que o objetivo do terror poderia ser justamente o de inculcar na opinião pública a idéia de que o PT atrai violência. Roseana Sarney já explorou essa linha em uma de suas últimas gravações.

Descobertos o cadáver de Celso Daniel e a forma brutal como foi assassinado, a hipótese de estar em curso uma campanha de intimidação do crime organizado contra o PT é a menos grave. A mais grave é a de que o terror não se origina apenas ou principalmente do crime organizado, e sim de uma articulação de direita já com vistas à sucessão presidencial. A Folha dá destaque á decisão de cúpula petista, no domingo à noite, de adotar medias especiais de autoproteção. Lula, profundamente abalado pelo crime, chegou a dizer em entrevista á CBN, durante o velório de Celso Daniel, que não acredita "em coincidências".

A Colômbia é aqui

Os fatos são profundamente constrangedores para o governo FHC, que queria entrar na história como administração que mudou o Brasil. Vai entrar como o presidente que deixou o narcotráfico e outras modalidades de crime organizado tomarem conta do Brasil. No dia 6 de dezembro a direção do PT entregou a FHC a relação dos 94 atentados sofridos por membros do partido nos últimos três anos. Há mais de um ano o governo prometeu um plano nacional de combate à violência que até hoje não saiu do papel.

FHC é o principal responsável pela nova situação. Tanto pelo desmonte do Estado como pela criação das condições sociais de que se alimentam o tráfico e o crime organizado, especialmente os altos índices de desemprego. E pelo mau exemplo dado pela corrupção e a impunidade em seu governo.

FHC parte para o marketing

FHC percebeu o drama e o perigo que a nova situação criam para os tucanos. Com a ajuda da mídia, montou uma operação para determinar o rumo do noticiário. Ainda no sábado avisou às emissoras de rádio e TV que estava entrando em contato com Lula e com a direção do PT para prestar solidariedade. Levou horas para conseguir o contato, mas nesse intervalo já era o personagem principal do noticiário. No domingo à noite, ocupou a TV para enganar mais uma vez a opinião pública com o discurso de que a violência tinha passado dos limites, como se ele não tivesse nada com isso.

(*) Carta Ácida de segunda-feira, 21 de janeiro de 2002; texto originalmente produzido para a Agência Carta Maior <www.agenciacartamaior.com.br>