Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Coisas do passado

Os leitores da Folha de S. Paulo que procuraram o artigo de Alberto Dines no caderno Ilustrada de 24 de outubro de 1998 não encontraram coisa nenhuma, nem desculpa esfarrapada. A Agência Folha não distribuiu o artigo para jornais que o recebem regularmente, entre eles o Jornal do Brasil e O Povo, de Fortaleza.

O artigo é publicado, pela primeira vez, nesta edição do OBSERVATÓRIO. Ei-lo.

 

(Artigo que a Folha de S. Paulo não publicou.)

Alberto Dines

 

N

esta temporada de definições todos se “posicionam”. Verbo novo, incomoda os ouvidos dos puristas mas já está no Aurélio. Contra a vontade do Moraes, que o desprezou nas primeiras edições. Posicionar-se faz parte do vocabulário da esquerda, onde se inclui também a estranhíssima utilização de um velho verbo “tirar” uma resolução. O significado não está listado (outro neologismo, que o Aurélio só dá como sinônimo de “listrado”) entre os 48 sentidos do vulgar tirare. Tirar aprovar uma resolução dá uma idéia falsa, parece algo obtido na marra, às pressas. Coisas da clandestinidade.

A esta altura, 24 horas antes do segundo turno, todos já se posicionaram em relação aos postulantes. Tudo discutido “a nível de” (argh!) presente e futuro. Impõe-se o passado. Indispensável olhar para trás e avaliar trajetórias. Percurso, travessia, mais do que currículo, é biografia. O ser humano é falível mas tem o dom de corrigir-se. O livre-arbítrio, um dos pilares da condição humana, permite correções, retornos, reparações. E expiação.

Quando apareceram as revelações sobre o seus namoros juvenis com os colaboracionistas, o socialista François Mitterrand disse apenas: “um homem faz-se”. E todos se calaram. Admitiu o engano. A vida é uma construção onde cabem até erros desde que resgatados pelo indispensável ressarcimento. Figuras magníficas do nosso establishment intelectual e progressista dos anos 60 jamais esconderam a adesão, nos anos 30, ao integralismo. Foram fascistas, por devoção ao nacionalismo, ao catolicismo ou ao próprio fascismo. E deixaram de ser.

O caso de Augusto Pinochet é diferente: não se lhe imputam doutrinas conservadoras e autoritárias. Ele não tem a desculpa das “ordens superiores”. As brutais decisões que, a partir de setembro de 1973, resultaram na eliminação de pelo menos duas mil pessoas emanaram dele. Neste caso há sangue derramado. Antigo, mas quente porque os culpados estão impunes. A questão não &eacueacute; moral, é penal. Se no Chile não há condições políticas e militares para julgá-lo, a esplêndida humilhação a que está sendo submetido, graças à solidariedade européia, é um começo de castigo.

Quando o Wall Street Journal pede que Fidel Castro também seja preso e punido está apenas revelando a natureza violenta do novo macarthismo americano do qual é porta-voz. Os leitores brasileiros conhecem do jornal apenas sua cobertura de negócios, ignoram que foi, desde o início, um dos mais histéricos defensores de Kenneth Starr. É adversário de Allan Greenspan, de Robert Rubin e de toda a elite liberal americana que não deseja ver os EUA de costas para o mundo.

Fidel Castro é caso raro na história: seus erros estão sendo reparados enquanto ainda está no poder. Assumiu a tarefa inglória e gloriosa de completar a missão de 1958: derrubar Fulgêncio Batista e restabelecer a democracia em toda a plenitude. Aceitou uma via-crúcis que já poderia estar mais adiantada, não fosse a Ku-Klux-Kan da Flórida da qual o mesmo Wall Street Journal é bíblia. Se Lula agora se posiciona de forma tão exasperada contra Fidel pelo apoio irrestrito a FHC é porque seus anteriores posicionamentos – como todas as resoluções “tiradas” em assembléia foram de circunstância, oportunistas.

Fidel Castro merece nossa admiração, é uma das grandes figuras do século XX. Pelo percurso, trajetória, biografia. Pelo que fez e se propõe fazer. Não é coisa do passado, é compromisso com o futuro.

Já o presidente do Congresso, senador Antônio Carlos Magalhães, apesar da sua experiência como jornalista, mostra-se canhestro em matéria histórica. Ao minimizar o grande confronto ético-político de 1984-85, do qual foi um dos expoentes e que resultou no início da redemocratização graças ao esmagamento da candidatura de Maluf, alega ACM que “são coisas do passado”. Queria mostrar Paulo Maluf como regenerado e acabou revelando o longo caminho que ele próprio deve percorrer para regenerar sua memória.

Maluf é nefasto, encarnação do mal absoluto. Pinochet sem farda. Ao tentar proibir as prévias, agora desfavoráveis, mostra a sua natureza despótica. O PFL que malufou é liberal na frente e reacionário no coração, esquecido do histórico compromisso do liberalismo político com a sua inalienável carga de compromissos libertários, éticos, democráticos. Passado que se tenta esconder é indício de que não foi assimilado.

Grave. Tal como a situação do brizolismo que emerge destas eleições. Com todo respeito à pessoa de Leonel Brizola, o partido que o engenheiro construiu depois da sua volta do exílio é a prova definitiva da ruína do caudilhismo e do populismo. Seduzido pelo general Golbery a não entrar no MDB, ganhou a possibilidade de criar seu próprio partido.

Hoje, quase 20 anos depois, Anthony Garotinho, no Rio, um dos dois candidatos a governador pelo PDT, teme associar o seu nome ao do político gaúcho, tão funestas para o Rio de Janeiro foram suas atuações anteriores (o outro pedetista sobrevivente é Waldez Gois, no Amapá, que enfrenta o socialista verdadeiro, João Capiberibe).

Francisco Rossi, ex-pedetista, também proibiu que Brizola viesse a S. Paulo na disputa do primeiro turno. Rossi malufou muito antes de ser derrotado por Covas: era o Maluf de fala mansa, disfarçado, sem a arrogância, tão reacionário e pernicioso quando este.

Quem garante que o cândido Garotinho não é um Rossi rechonchudo? Nós o conhecemos efetivamente? Suas transações como “comunicador”, agora reveladas, fazem pensar. A aliança por debaixo do pano com o marcellismo (ex-Brizola), a banda suspeita do PSDB fluminense, causa apreensões.

Não são coisas do passado, é futuro possível, palpável, ameaçador. Convém que os progressistas fluminenses posicionem-se com seriedade, antes que seja preciso “tirar” uma apressada e inútil moção de repúdio ao governador que pensam eleger.

 


Mauro Malin

 

O

artigo de Alberto Dines chama-se “Coisas do passado”. Como se o autor tivesse adivinhado o repontar da censura. A supressão foi praticada em nome do “apartidarismo”, afirma nota sumária da coluna Painel, dois dias depois, única explicação dada publicamente até agora pelo jornal.

O Estado de S. Paulo também deixou de publicar (em 18 de outubro) artigo de João Ubaldo Ribeiro, que O Globo, devidamente, publicou. A explicação oficial do Estado é que uma parte do texto se perdeu na transmissão e não houve tempo para consertar a página. É difícil acreditar nessa versão oficial. Muita coisa anda sendo arrancada das páginas do Estadão, que em tempos idos era mais aberto. Mas o Estado, no caso, emendou-se: publicou o artigo no dia do segundo turno, 25 de outubro. (O texto de João Ubaldo Ribeiro está no Entre aspas.)

A Folha não se corrigiu. A explicação dada – em nome do “apartidarismo” – também é difícil de aceitar. Em 11 de outubro, no primeiro domingo após a votação do primeiro turno, a Folha publicou artigo do Sr. Roberto Campos que é pura manifestação de partidarismo. Vai aqui um excerto para que não se suponha que há exagero na avaliação:

Nada mais natural que no segundo turno das eleições para a governança do Rio se recomponha uma frente ampla de todos os que não querem nem o radicalismo petista nem o retrocesso brizolista. E que desejam que o Rio, através de estreita cooperação com o governo federal, logre corrigir seus atrasos de infra-estrutura e ponha em prática a ‘fórmula da opulência’ a que se referia Adam Smith, o fundador da economia moderna: governo moderno e honesto, impostos baixos, clima favorável aos negócios e respeito à propriedade. A única opção atual para liderar essa frente ampla no segundo turno de 25 de outubro é Cesar Maia.”

O Sr. Roberto Campos não é apenas colunista da Folha. Foi candidato ao Senado pelo Estado do Rio. Manifesta-se com tanta imparcialidade quanto, digamos, a torcida do Flamengo.

A retirada do artigo de Alberto Dines não mereceu outra explicação do jornal além da nota caradura. Mensagem enviada por correio eletrônico ao secretário de Redação, Josias de Souza, continuava sem resposta até o momento de se encerrar esta edição.

Mas há explicação.

Os jornais intervêm poderosamente no processo eleitoral. Usam principalmente duas armas: a fixação da agenda do debate na campanha eleitoral (agenda-setting) e a divulgação de pesquisas de opinião. Os quatro grandes jornais têm ligações com entidades que realizam pesquisas: O Globo (Ibope, que vende pesquisas ao grupo sistematicamente, há décadas), Folha (Datafolha), Estado (Informestado) e Jornal do Brasil (Universidade Federal Fluminense, em 1998).

Todos os grandes meios de comunicação ajudaram a reeleger o presidente Fernando Henrique. Todos. Pesquisas divulgadas pela Folha tiveram papel muito visível nos dois turnos. No segundo turno, o Datafolha obrigou o Ibope a refazer uma pesquisa que não captava deslocamento do eleitorado em favor de Covas. Essa pesquisa teria sido divulgada no Jornal Nacional caso a Folha não tivesse apontado a vantagem de Covas.

A reeleição de Covas muda o panorama político nacional dos próximos quatro anos e, presumivelmente, as condições em que se dará a sucessão de Fernando Henrique.

Ou seja, o jogo ficou muito pesado. O jornal ficou sob pressão e seu fair-play se evaporou. A corda, para variar, arrebentou do lado do mais fraco.

Como escreveu o presidente da Associação Brasileira de Ouvidores, Edson Vismona (abaixo), “esperamos que a Folha não utilize mais esse expediente”.

 


A.D.

 

O

meu artigo que deveria ser publicado na Ilustrada da Folha de S. Paulo, 24-10-98, véspera do segundo turno das eleições, continha 14 parágrafos. Destes, a metade era genérica, extra-conjuntura eleitoral. Da outra metade, dois referiam-se à história política brasileira e, os cinco restantes, claramente dirigidos contra candidatos e partidos em S. Paulo e Rio. Em nada diferentes do que tenho dito ultimamente sobre a questão.

* O artigo foi suprimido da edição. Suprimido ou censurado? Essa não é uma questão filológica, vale a pena discuti-la.

* O artigo também não foi distribuído aos sete jornais que têm contrato com a Agência Folha. A Folha tem o direito de decidir o que outros jornais devem ou não publicar? Neste caso configura-se claramente como censura (porque trata-se de impedir que leitores de outros jornais tenham acesso ao material a que têm direito).

* A questão está na extensão das opiniões manifestadas? Ou no princípio moral de que a opinião de um articulista deve ser acatada?

A Folha manifestou-se formalmente sobre o episódio de duas formas. Numa entrevista sobre o episódio a O Globo (3º clichê, domingo, 25/10) o secretário de Redação declarou: “A Folha considerou que o artigo feria a política de apartidarismo defendida pelo jornal às vésperas de eleição.”

Em sua edição de segunda-feira, 26/10/98, na coluna Painel (pg. 4), publicou nota sob o título “Apartidário”: “O artigo de Alberto Dines, que colabora aos sábados na Ilustrada, não foi publicado anteontem por contrariar os critérios básicos da filosofia editorial da Folha, o apartidarismo, pelo qual o jornal e seus colunistas se comprometem a não atrelar suas posições às de partidos ou candidatos.”

Além da leviandade de acusar um articulista (sem lhe dar a oportunidade de defesa) declarando que ele atrela suas posições a partidos ou candidatos – como se os demais colaboradores do jornal ou o próprio jornal jamais o tivesse feito – percebe-se significativa discrepância entre os dois textos. Enquanto a declaração do secretário de Redação fala expressamente numa circunstância temporal (véspera de eleição), a explicação publicada no dia seguinte não a menciona.

Pode ter sido um lapso mas pode ter sido estratégica: se valesse o princípio de “apartidarismo” apenas às vésperas de eleição teria que ser aplicado nos dias que precederam o primeiro turno a todos os articulistas. E não foi. Inclusive no meu caso (v. meu texto do dia 3/10 “Eleições, o lado humano – Maluf e Covas”, claramente anti-malufista).

Até agora ficamos nos aspectos formais. Vamos ao cerne da questão:

    • Um jornal tem o direito de vetar, suprimir ou censurar texto de um colaborador contratado expressamente para manifestar suas opiniões em qualquer momento ou circunstância?
    • E se o fez porque não assumiu todas as conseqüências da decisão na nota onde anunciou que “excepcionalmente” o artigo não seria publicado naquele dia ?
    • Se a justificativa foi o apartidarismo pode a Folha, em sã consciência, assumir-se como apartidária? Os seus colunistas políticos são apartidários? E se o princípio do apartidarismo vale apenas às vésperas de eleições não soa estranho no caso de um veículo que, nos intervalos, pratica ostensivamente o que chama de “jornalismo crítico”? (Ver comentário do leitor, adiante.)
    • O que significa exatamente ser “apartidário” – não defender partidos ou não tomar partido?
    • Como é que se consegue expressar uma opinião sem tomar partido?
    • Quando o jornalista escreve, edita, seleciona, titula e pagina uma matéria consegue ser apartidário?
    • O apartidarismo existe em si ou seria o resultado do pluripartidarismo resultante da soma de partidarismos expressos por diferentes colaboradores? Não foi essa a essência da grande virada da Folha em 1975, primeiro na Página Dois e, depois, na Página Três?
    • Pode-se falar em “filosofia editorial” para justificar um ato que confronta os princípios liminares da liberdade de expressão?

Dias depois do segundo turno, foi-me oferecida pela direção do jornal a oportunidade de publicar o texto que deveria ter sido publicado no sábado anterior. Declinei, porque o artigo estava ultrapassado, havia fatos novos para comentar. Mas o gentil oferecimento caracteriza que o texto em si nada tinha de impróprio. O problema era a ocasião. Estamos, pois, diante de um compromisso apartidário ou um ritual de apartidarismo

Além disso, considero este OBSERVATÓRIO como um espaço mais legítimo para exame do texto e discussão sobre o ocorrido. Aqui sinto-me mais protegido de eventuais constrangimentos já que, aparentemente, o que está em discussão é a obrigação dos jornalistas reconhecerem que são hóspedes de seus jornais. Portanto obrigados a acatar as regras e normas da Casa que os acolhe. E, não, aquelas que norteiam o exercício da profissão.

Confesso que este é um dado novo e profundamente perturbador.

Estamos metidos num gigantesco mal-entendido. Na verdade este é mais um capítulo – talvez essencial – do Truman Show, o Show da Vida.

 

Ouvidores repudiam censura

A Associação Brasileira de Ouvidores (ABO) repudia a censura sofrida pelo jornalista Alberto Dines, de parte do jornal Folha de S. Paulo. Consideramos que todo profissional com seriedade, ética e credibilidade não pode nem deve ser tratado com tal desrespeito, especialmente tratando-se de Alberto Dines.

Os argumentos de que Dines teria atacado um candidato ao governo do Estado de São Paulo, em detrimento de outro, não se sustentam, pois a Folha abre espaço para todo o tipo de artigo, sem censurar ou restringir, por exemplo, críticas diretas ao presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em função dos longos anos de arbítrio enfrentados pelo Brasil – e pela própria Folha –, lamentamos que o instrumento da censura tenha sido acionado.

Coerentes com nossa filosofia, de liberdade de expressão e de pensamento, apoiamos Alberto Dines e esperamos que a Folha, em respeito ao seu papel na Imprensa brasileira, não utilize mais esse expediente. É do confronto de idéias, críticas, sugestões e da polêmica que vem a luz. Vivemos tempo demais na escuridão para abrir mão da luz da liberdade de expressão e opinião.

Edson Vismona

Presidente da ABO

 

Lira Neto, ombudsman de O Povo

 

Além de impedir que os leitores paulistas tivessem acesso ao artigo de Alberto Dines, a Folha deixou de repassá-lo para os outros jornais brasileiros com que mantém contrato de reprodução. A Agência Folha, sem qualquer explicação, não enviou o artigo para nenhum outro jornal. Entre eles, O Povo. Ou seja: a Folha censurou também, por tabela, boa parte da imprensa brasileira.

O jornal paulista não se preocupou em saber se o artigo censurado de Dines agredia ou não a “linha editorial” dos outros veículos que foram impedidos de publicá-lo. A Folha decidiu, sozinha, por todos eles.
Aliás, é inconsistente a argumentação de que o artigo foi vetado porque feria a linha editorial da Folha. Ora, cabe ao jornal, em sua cobertura noticiosa, manter-se fiel ao apartidarismo, garantindo espaço às diversas correntes do espectro político. No entanto, é preciso não confundir texto noticioso com articulação de idéias. Desde quando é delito um articulista ter e expor idéias próprias?

 

A única manifestação na seção Painel do Leitor da Folha de S. Paulo foi publicada no dia 30/10/98 sob o título “Apartidarismo”:

Lamentei quando soube da censura feita ao artigo de Alberto Dines, sob a justificativa de que o jornal é apartidário. Depois da barrigada no caso do ministro das Comunicações, a censura ao jornalista Alberto Dines beirou atitudes stalinistas, lamentáveis sob todos os aspectos

Francisco Montezuma Sales (Fortaleza, CE).

 

(27-29/11):

“Os jornalistas devem submeter-se à linha política do seu jornal. Eles ganham para isso.”

 


Betch Cleinman

 

A

rtigos de colunistas famosos, pagos para expressar suas opiniões e visões de mundo, foram censurados recentemente em nosso país. Esses atos autoritários, travestidos de decisões oriundas de modernas técnicas de gerenciamento ou de jovens valores democráticos, remetem urgentemente à necessidade de obediência aos preceitos e princípios da nossa Constituição.

Quando se estuda Direito, aprende-se a existência de uma “pirâmide jurídica”, em cujo vértice encontra-se a Constituição. Essa hierarquia entre as normas legislativas implica a superioridade de umas fontes de direito e a subordinação de outras. Assim, a Constituição está acima das leis ordinárias, dos decretos, das portarias, dos avisos ministeriais, das ordens verbais.

Em nossa Carta Magna, que comemora dez anos de existência, encontra-se o seguinte princípio: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. É livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (artigo 5, incisos 4 e 9). Se a Constituição, explicitação do contrato social que rege a convivência entre Estado-sociedade, é a principal referência legal da nação, pode ficar em segundo plano em relação à “filosofia apartidária de um jornal”? Deve ela aceitar a subordinação às convicções políticas/comerciais dos donos de meios de comunicação?

Juristas e professores de Direito Constitucional não se cansam de demonstrar em aulas e simpósios como os meios de comunicação não divulgam a nossa Constituição: os valores , os direitos e garantias individuais ali inscritos, nem as conseqüências políticas e éticas de o Brasil ser definido como um Estado Democrático de Direito. Eles só nos martelam os ouvidos, as mentes, com a necessidade da sua reforma.

Sem ter a menor intenção de ser exaustiva, pegarei um exemplo à mão, que foi o especial da Folha de S. Paulo (3/10/98) sobre os dez anos da Constituição. O título salta aos olhos: “Nova ordem envelheceu a Carta”. A facilidade com que pode e deve ser remendada e não respeitada encontra-se nessa frase: “Bastaram cinco emendas constitucionais para pôr fim ao monopólio estatal nas telecomunicações e nos serviços de gás, forçar a Petrobrás a encarar a concorrência privada….” O advogado e articulista do jornal, Luís Francisco Carvalho Filho, refere-se com ironia ao princípio de um salário “capaz de atender às necessidades vitais básicas dos brasileiros e de suas famílias”, inscrito na Constituição, nos seguintes termos: “por que excluir um dispositivo constitucional tão ineficaz como esse? Pelo menos, é uma bela lembrança”. Sem contar com a opinião do especialista jurídico, Celso Bastos, “que considera a Constituição de 88 desastrosa”. Serão esses indícios de respeito à Carta Magna? Serão esses sinais de acatamento dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: “a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político”?

Norberto Bobbio há muito tempo vem nos advertindo de que o “mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexeqüibilidade. O problema em relação aos direitos do homem não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los.” Ou como bem diz a procuradora do estado de Minas Gerais Carmen Lúcia Antunes
Rocha, “fácil é a ditadura, o autoritarismo”.

LEIA TAMBEM

O Circo da Notícia

Caderno do Leitor