Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Coisas que você não sabe e a mídia não explica

Vera Silva (*)

 

A

leitura diária dos jornais e revistas e o assistir diariamente à TV nos trazem duas preocupações: a falta de contextualização dos fatos e a falta de continuidade das coberturas.

É comum que se noticiem fatos, pesquisas e estatísticas sem que o contexto em que os fatos se deram sejam explicados e o seu alcance estabelecido. Dias depois, qualquer assunto, por mais importante que pareça ser, desaparece do vídeo e das páginas e nunca mais se ouve falar dele. É como se deixasse de existir ou de nos preocupar.

Ora, considerando que a mídia deveria ser agente de prestação de serviço público, há uma aparente despreocupação com esta função. Contudo, quando conversamos com os profissionais de imprensa, é comum percebermos que a maioria deles tem consciência desta responsabilidade. Por que, então, a dificuldade para operacionalizar a ação?

É preciso encontrar explicações.

O cidadão comum não conhece a extensão dos seus direitos, o funcionamento do sistema bancário, o curso do desenvolvimento humano, as psicopatologias mais freqüentes, a operacionalização da política partidária e do exercício do poder, a política previdenciária etc. O cidadão comum tem apenas informações sobre alguns deste fatos, mas, a menos que tenha procurado informações complementares, não é capaz de perceber a extensão destes aspectos em na vida. Em outras palavras, ele não poderá agir preventiva ou corretivamente para manter o curso de sua vida na direção desejada.

Se os cursos de Comunicação não ensinarem a seus alunos como se faz esta ligação, eles terão que aprender, errando, durante o exercício da profissão, provocando seqüelas no cidadão comum que se informa através deles.

Alguns exemplos:

Sistema financeiro – Será que todas as pessoas que têm uma conta bancária sabem que, em caso de liquidação extrajudicial da instituição, elas serão tratadas como devedoras solidárias e que todos os valores excedentes a R$ 20.000, somadas todas as contas, inclusive a caderneta de poupança, estarão perdidos? Eu, por exemplo, não sabia, e perdi parte de minhas economias na falência do Banco BMD. Contudo, por ocasião da falência deste e de vários outros bancos, nenhuma das muitas notícias sobre o assunto continha informações para que os leitores e telespectadores se protegessem. Assim, como não há acompanhamento do fato, poucos até hoje sabem disto, e também poucos sabem que o problema não foi resolvido até hoje. Este é um exemplo na área, outro pode ser a análise econômica do plano real que nos deixou desprotegidos quanto aos dias negros que estamos vivendo. Etc. etc. …

Comportamentos-limite (são assim chamados os comportamentos patológicos como assassinatos em série, infanticídios, abandono de menores e de idosos, gravidez precoce, comportamento de risco etc.) – Estes comportamentos provocam comoções públicas, gestos de generosidade, pânico, mas é muito raro que provoquem esclarecimentos reais das suas causas. Os especialistas consultados e os populares entrevistados falam duas línguas diferentes e, em geral, a imprensa não considera que este é o momento para abrir uma coluna ou um pequeno quadro diário com discussões de como a sociedade poderia evitar e resolver estes problemas. Assim, o noticiário fixa na mente das pessoas a inevitabilidade do problema e a quase impossibilidade de resolvê-lo.

Prevaricação (são os assim chamados comportamentos de faltar ao dever no exercício de um cargo) – Atualmente, a prevaricação, ou a acusação de provável prevaricação, tem sido freqüentadora habitual das manchetes. Os mais variados crimes desfilam diante dos nossos olhos estarrecidos, sem que as saídas e os motivos sejam discutidos. Para nós, simples mortais, fica a sensação desconfortável de que o Brasil é o país da impunidade e que o exercício do poder é corruptor. Não se discute o comportamento corrupto, mas a corrupção em tese. Ora, fazendo isto, a sociedade não dispõe de elementos para corrigir o contexto que facilita a corrupção, perdendo a possibilidade de mudar o “status quo”.

Esperamos sinceramente poder abrir um debate que leve à mudança de comportamento da mídia. Não é possível que mantenhamos o hábito do denuncismo, da reclamação, da lamentação, do estupor. Estes não são comportamentos – de – cidadão(ã). São comportamentos de criança impotente. É hora de exercitar o comportamento adulto de sintetizar as análises que fazemos de forma a produzir mudanças no contexto e nas perspectiva de futuro.

(*) Psicóloga