Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Colírio cultural

TV CULTURA & ARTE

A TV Cultura & Arte, no ar desde 30 de abril, é mais um exemplo de que a duras penas ? e só a duras penas ? a TV pode, sim, dar certo. A qualidade da programação é de primeira, comparável a um Channel Four. Mas em sua curta vida ainda apresenta falhas impensáveis em tempos próximos à TV digital.

Em primeiro lugar, as gigantescas janelas entre os programas são incompreensíveis. Na sexta-feira, dia 13 de julho, a emissora "descansou" a tarde inteira, transmitindo a Rádio Cultura FM. O repertório de músicas clássicas é maravilhoso, mas estamos tratando de TV, não de rádio. O áudio é, sim, ferramenta importante, mas a TV não pode ignorar suas potencialidades imagéticas. O fascínio que a TV exerce sobre as pessoas se faz em maior peso por meio da imagem. E para esse aspecto a TV Cultura & Arte só se volta durante seis horas diárias (duas horas de programação reprisadas duas vezes ao dia) e nove horas aos fins de semana (três horas de programação reprisadas duas vezes ao dia).

Por que não são retransmitidos programas gravados da própria TV Cultura? A emissora conta com um leque de opções riquíssimo, como Roda Viva, Vitrine, Metrópolis, Zoom, Caminhos & Parcerias, Conexão Roberto D?Ávila e Observatório da Imprensa, entre outros programas e filmes. Por que engavetá-los?

Além disso, há sérios problemas de áudio na transmissão. Em 12 de julho, falhas que intermitentemente emudeciam o televisor por alguns segundos eram incômodas a ponto de desestimular um espectador do genial Diálogos Impertinentes.

De qualquer forma, o canal tem menos de três meses de vida. Falhas são comuns e até necessárias para uma evolução. É preciso dar chance aos bons canais do país, capazes de resgatar filmes nacionais, música popular, teatro, dança e outros temas na maioria ignorados pela TV comercial.

Esses problemas dizem respeito a questões técnicas e formais, não conteudísticas. Uma vez selecionadas, pode-se considerar a nova emissora uma das poucas boas novas do governo em 2001. Em sua coluna do Globo em 13 de maio, Arthur Xexéo reiterou sua dúvida sobre a utilidade de outro canal educativo [veja remissões abaixo]. "Já existe a TV Escola, do Ministério da Educação, que sai do ar às 21h. Por que o Ministério da Cultura não ocupa esse canal das nove em diante? Precisava criar mais um?"

É paradoxal que alguém que escreve sobre cultura em um dos maiores jornais do Brasil coloque-se contra o aumento no número de canais voltados a cultura e educação. Mas a própria matéria esclarece: a nova emissora só é transmitida pelas operadoras da TVA e da NEO-TV. A Net, parceira da Globo, ficou de fora da negociação ? e o motivo é ainda obscuro, nunca foi devidamente esclarecido na mídia. Ah, tá, agora sim… Faz todo o sentido Xexéo julgar o novo canal "muito mais clandestino do que a gente imaginava" e a TV pública brasileira em geral "uma chatice" que "nunca soube ter uma função" e "não sabe se deve educar ou se deve brigar por índices de audiência".

O título de seu artigo em 9 de maio, "Ministério da Cultura lança TV clandestina", é bem elucidativo de sua posição. Não se trata de uma TV clandestina, mas de um convênio entre a NBR e o novo canal. De qualquer forma, Xexéo pode dar a alcunha que lhe convier ? e como convém! Chame de clandestina se assim (indevidamente) preferir, mas a Cultura & Arte promete cultura, arte e educação. É tão ruim assim?

Afinal, José Álvaro Moisés, secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura, está certo. "A reação à criação de uma TV pública dedicada à difusão cultural reflete a sobrevivência de um corporativismo privatista", afirmou em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 4 de abril.

E Xéxeo range os dentes. Em 13 de junho, misturou joio e trigo. "Ah, a TV Cultura e Arte, a maneira mais fácil de o Ministério da Cultura gastar o dinheiro do contribuinte, vai de vento em popa. Desde sábado, ela passou a transmitir durante 48 horas semanais. Não é um espanto?" Não, não é. O aumento nas horas de transmissão em junho já estava previsto pelo canal antes do lançamento da emissora. "Ao mesmo tempo em que transmite cultura, o ministério colabora com o governo e economiza energia", diz. Misturou as bolas. Nada a ver. Não é a educação e a cultura que devem pagar pelos erros de outros setores do governo.

Xexéo tem de fazer mais força. Apreciar cultura, arte e educação de primeira qualidade não é tão complicado assim, ainda mais para um jornalista dito especialista em cultura. E para corporativistas de plantão, a TV Cultura & Arte não é uma ameaça à concorrência. Se as Organizações Globo confiarem no próprio taco, não cogitarão concorrência com o Canal Brasil ? que transmite programação 24h. E o rabo do colunista continuará confortavelmente preso.

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