Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Colunista apura melhor do que redações inteiras

Onde mora a qualidade de textos lúcidos como os que Elio Gaspari produziu (Folha de S. Paulo e O Globo) a respeito do espúrio contubérnio entre policiais em convulsão, sindicalistas do PT e dirigentes do MST?

Em 16/7:

“A polícia brasileira desandou porque foi usada para segregar os segregados, e a baderna que se vê nos quartéis é produto da insatisfação dos segregados desandados. Há 156 anos, diante de uma situação parecida, o padre Feijó teve duas valentias. Acabou com o que havia de errado e criou uma coisa nova, bem paga. Hoje não há coragem para se fazer nenhuma das duas, muito menos ambas.”

Em 23/7:

“A CUT e o movimento dos sem-terra, representados por Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, e José Rainha Junior, o Rainha, juntaram-se a uma passeata de policiais civis paulistas e estão namorando a idéia de agregar PMs insubordinados à sua manifestação de sexta-feira.

É o casamento do oportunismo com a irresponsabilidade, no interesse da demagogia. É oportunismo porque Vicentinho e Rainha nunca disseram uma palavra em favor dos soldados PMs que trabalham por salários miseráveis. Ademais, ambos sabem muito bem que a mazorca produzida em Maceió foi urdida por oficiais (com salários escandalosamente maiores que os dos soldados).

(….) A liderança petista de São Paulo sabe muito bem que, em maio passado, brincou de acumular forças com os invasores de apartamentos de Sapopemba, manipulados por um vigarista. A brincadeira custou três vidas e, quando a PM acabou com a invasão, as chamadas lideranças organizadas saíram de fininho. Ademais, os mesmos costumes de desordem funcional que levam uma PM a se insubordinar e a Polícia Civil a ocupar dependências do palácio do governo de São Paulo permitem que alguns de seus quadros matem trabalhadores, protegendo-se debaixo de investigações fraudulentas.

Há menos de uma semana foi assassinada em São Gonçalo, na Baixada Fluminense, uma viúva que denunciara soldados da PM que extorquiam dinheiro de drogados. Quem foi? Até agora identificaram-se um cabo e dois soldados. (….)

Rainha é um fenômeno. Chamam-no ‘líder’ dos sem-terra, mas terra Rainha tem. São quase cinco hectares no município de Sandovalina. Apóia os sem-teto, mas teto também tem. É uma casa na cidade de Teodoro Sampaio, conseguida na lábia, com a ajuda do prefeito, estimulado por uma cartinha de um deputado tucano. Depois de morar nela por um bom tempo, comprou-a por R$ 4.000. Considerando-se que não lavra seu lote, é o sem-terra de maior produtividade da história da agricultura.”

Elio Gaspari tem pelo menos duas qualidades que andam fazendo falta por aí: 1) raciocina, consegue estabelecer articulações entre os fatos; 2) lê, estuda, consegue enxergar o país em perspectiva histórica.

Mas a leitura do segundo texto revela outra qualidade que é uma marca diferencial: o jornalista informa-se acuradamente. Toda a sua argumentação contra a estapafúrdia aliança que se ia desenhando – argumentação que contribuiu para tirar as redações da hesitação inicial diante da alucinada “aliança” – sustenta-se em fatos que, embora contundentes, não apareceram organizadamente no noticiário: quem começou o movimento em Alagoas foram os oficiais; o artífice da invasão de Sapopemba, que terminou com três mortes, foi um vigarista, não um militante; José Rainha não é exatamente um herói romântico.

Leia também

Íntegra dos artigos de Elio Gaspari
16/7

23/7

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