Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Como ser explorado desde criancinha

Antonio Alberto Trindade (*)

 

A utilização do jornal na escola não é algo novo. Com os programas “Jornal na Educação”, porém, esta prática tem se transformado de informal e eventual em permanente e sistemática. Empresas jornalísticas distribuem jornais nas escolas (assinatura ou encalhe) e orientam os professores sobre como utilizar o material em sala de aula. No Brasil, há 28 jornais desenvolvendo programas desse tipo em 13 estados e no Distrito Federal. Anualmente são atingidos 2,2 milhões de alunos, em 6.500 escolas do ensino fundamental e ensino médio das redes pública (municipal e estadual) e privada.

Esta realidade motivou nossa pesquisa sobre o tema e neste artigo pretendo expor de forma sintética algumas das reflexões que apresentei como dissertação de mestrado no programa de Ciências Sociais da PUC-SP. O trabalho foi desenvolvido a partir da análise do programa “Folha Educação”, do jornal Folha de S.Paulo, mas traz reflexões que nos possibilitam pensar e analisar qualquer programa do gênero.

A finalidade da educação escolar tem sido, cada vez mais, pensada para além dos parâmetros representados pelo conjunto dos conhecimentos sistematizados que, na escola, são apresentados aos educandos a partir de livros didáticos e paradidáticos. As rápidas evoluções no campo da ciência e a intenção de “formar” cidadãos têm introduzido no espaço escolar o debate sobre a necessidade de encontrar e (ou) desenvolver novos materiais pedagógicos e metodologias que ofereçam possibilidades mais amplas de colocar o educando em contato com a realidade de seu tempo; neste sentido, o jornal impresso começa a ganhar peso.

Como meio de informação, o jornal pode proporcionar ao leitor a cobertura de assuntos dos campos mais variados do conhecimento, e isto ocorre sem que o veículo busque corresponder a qualquer intenção educativa ou pedagógica. O fato é que sua forma mesma propicia àquele que o utiliza uma gama de assuntos abordados a partir de diversos recursos de comunicação, o que favorece o desenvolvimento de trabalho educativo numa perspectiva interdisciplinar – algo que, cada dia mais, é entendido como necessidade. A linguagem jornalística pode garantir lances de inovação na forma como o conhecimento sistematizado é abordado na escola, e o jornal, utilizado de maneira adequada, traz para o universo do aluno a informação organizada, algo fundamental para o uso significativo desta. O jornal também contribui para introduzir conteúdos novos na escola, com matérias que possibilitam exercitar com informação atual – algo que tem se revelado estimulante – muito daquilo que é trabalhado como conteúdo do currículo escolar. Trabalhar com o jornal pode favorecer a que o leitor/estudante entenda as vantagens de fazer uso permanente desse material, que lhe possibilita informar-se, conhecer o percurso e o desdobramento dos fatos e acompanhar as diversas leituras, intenções e ações que se desenvolvem sobre determinada questão. Essas são algumas das conclusões a que chegamos e que nos dão a segurança de afirmar que o jornal é válido como material pedagógico.

Exigência social

Certamente o leitor deve estar se perguntando: não estaria a questão da validade ou não do jornal como material educativo vinculada à qualidade e característica editorial do produto jornalístico? E a questão ideológica? Como pode o jornal ser um material pedagógico se, entre suas intenções, está a de formar opinião? Os programas “Jornal na Educação” desenvolvem um trabalho de qualidade? O jornal deve modificar-se em algum sentido para servir como material pedagógico?

Utilizando o jornal de maneira crítica, professores e alunos podem encontrar maneiras bastante fecundas de desenvolver processos educativos amplos, que tragam para a reflexão cotidiana da sala de aula, dos corredores e das ruas os elementos da realidade que encontram pouco espaço na escola. O que é oferecido pelas diversas empresas editoriais pode ser conhecido, consumido e criticado, positiva ou negativamente, sendo que, para tanto, o consumidor deve dispor – e aqui entra a escola – de seu método de análise para que possa submeter a ele os diversos materiais. É este método, que carrega sua visão de mundo e sua capacidade de compreensão e reflexão, o que lhe dá base para fazer sua crítica. O exercício de apropriar-se dos diversos conteúdos expressos nos jornais, fazendo a leitura crítica do material, é perfeitamente desejável do ponto de vista educativo. Dessa forma, podemos afirmar que todos os jornais servem como material educativo, independentemente do que publicam.

O jornal, além de opiniões próprias (da equipe editorial), veicula matérias de investigação e grande quantidade de informação que lhe chega, dado seu status de instituição cujo papel na sociedade é o de levar os fatos ao conhecimento do público. Divulgar o que quer que seja em jornal é uma atitude cultural e este produto é reconhecido culturalmente como veículo de informação. O fato de os diferentes jornais defenderem posições e interesses na sociedade nos mostra que o produto jornal representa, ele próprio, um instrumento no campo das disputas pela hegemonia. No entanto, os mais diversos grupos sociais entendem a importância de tornar públicas idéias, defesas, críticas e denúncias e, desta forma, todos buscam espaço nos jornais, mesmo tendo clareza de que isso não se dá em condições de igualdade.

Cabe dizer que o debate sobre a credibilidade dos meios de comunicação assume dimensões cada vez mais amplas e profundas. A exigência social por imparcialidade no tratamento dos fatos tem um peso político e cultural que se expressa no esforço da imprensa em ser reconhecida em sua função de informar, de gerar o debate, de esclarecer. Ainda que se possa fazer uso ideológico do jornal – algo que também pode ser feito com os conteúdos dos livros didáticos –, não se pode dizer que esse produto cultural é instrumento ideológico.

Ampliar o público

Se, por um lado, podemos afirmar que o jornal serve como material educativo, não havendo nada que possa desqualificá-lo em comparação a outros materiais conhecidos e utilizados na escola, por outro devemos dizer que ainda é bastante incipiente o acúmulo das empresas jornalísticas no que se refere aos resultados pedagógicos dos programas “Jornal na Educação”. A estrutura dos programas – ao menos os brasileiros – pode ser considerada relativamente simples, sem grandes custos para o jornal, sem muito investimento na formação dos professores que deverão trabalhar com o jornal em sala de aula, e sem um acompanhamento mais rigoroso dos resultados gerais das iniciativas.

Assim como todos os materiais e práticas pedagógicas da escola são alvo de permanente avaliação, também deve ser o trabalho com jornal. É fundamental o acompanhamento dos efeitos e resultados do uso desse material na escola; e, se a empresa jornalística ainda não tem acúmulos nesta área, pode contar com as experiências dos profissionais das escolas que, certamente, muito têm a dizer sobre o uso de recursos pedagógicos de diferentes tipos. Dessa forma, o jornal, antes de ser proposto como válido, importante e adequado, como ocorre hoje, deve ser proposto como objeto a ser usado e avaliado. Não será possível às empresas jornalísticas, contudo, sensibilizar professores e alunos para o uso significativo do jornal na sala de aula se a proposta não lhes puder ser apresentada – principalmente aos professores – pela via da reflexão pedagógica e filosófica, o campo das concepções de educação. Não basta apresentar aos professores cadernos com sugestões de atividades, pois estes pouco oferecem além de modelos.

Se há interesse das empresas jornalísticas em colocar o jornal na escola, devem estar sensíveis à dinâmica do mundo da educação e abertas a mudanças e reformulações em seus produtos e propostas, em benefício da estruturação desse tipo de interferência. O jornal pode dedicar-se a elevar o nível cultural do público; sua união com o leitor pode ser pensada a partir de uma relação que traga benefícios mútuos. Os leitores, que são para o jornal “elementos econômicos, capazes de adquirir as publicações e de fazê-las adquirir por outros”, devem receber em troca algo de que têm necessidade. O trabalho do jornal, neste sentido, está em identificar tais necessidades e corresponder a elas. O retorno deverá ser o desenvolvimento do leitor e a conquista e a ampliação do público do jornal.

Os programas “Jornal na Educação” devem ser elaborados mediante profunda reflexão, por parte dos organizadores/coordenadores do jornal, sobre educação – algo que parece não ocorrer satisfatoriamente. Além disso, é fundamental que os programas sejam assistidos por profissionais dos vários setores do jornal, e não apenas por aqueles ligados ao setor de marketing, como ocorre na maioria dos programas. É imprescindível, também, criar espaço para que professores reflitam com as empresas jornalísticas as melhores maneiras de utilizar o produto em sala de aula.

(*) Mestre em Ciências Sociais e integrante do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP