Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Como uma boa história pode ser contada?

SANTA CATARINA

Monitor de Mídia (*)

Um naufrágio sempre é notícia. O drama dos embarcados, das famílias que esperam o salvamento, a rotina das buscas, os prejuízos financeiros, os heróis do resgate e o mar em fúria. Elementos mais do que suficientes para uma boa história. Os jornais catarinenses tiveram tudo isso nas mãos na primeira semana de setembro. Entretanto, além do afundamento de um pesqueiro, o que se viu foi um chacoalhar de versões e tons nos relatos…

 

Emoção, frieza ou superficialidade?

Um barco pesqueiro sai de Santa Catarina no dia 1o de setembro rumo ao litoral gaúcho com dez tripulantes. "Saímos do porto de Itajaí com a mesma esperança de sempre: trazer o barco apinhado de peixe. (…) No domingo, dia 7, exatamente uma semana após a partida, o Chile Dos adernou e depois virou, indo parar no fundo do mar" (Diário Catarinense, 14/09, p.4).

A partir deste fato, os jornais catarinenses iniciaram uma busca para obter mais informações sobre o caso. Quem estava no barco, as razões do naufrágio, como a Marinha procedeu as buscas e se havia sobreviventes. Estas perguntas essenciais foram respondidas de maneiras distintas.

O DC e o Santa iniciaram a cobertura no dia 10/09, destacando o assunto com chamadas de capa. As matérias foram muito semelhantes, já que os textos tinham a mesma origem: agência RBS e sucursal de Itajaí. A lista dos tripulantes é a mesma e os fatos noticiados não apresentaram muitas diferenças. Já o AN começou no dia 11, distinguindo-se dos demais pela superficialidade com que tratou o fato.

O Jornal de Santa Catarina trocou o lead pela emoção, priorizando aspectos sentimentais. "O ensolarado 12 de setembro de 2003 ficará na história como o dia em que Itajaí parou. Ao cruzar o canal do porto sob uma sinfonia de foguetes, o navio-patrulha Benevente encontrou uma multidão às margens do Itajaí-Açu. Parecia uma final de Copa do Mundo". (edição conjunta de 13 e 14, p. 1B). O periódico procurou traduzir o que foi e como foi o naufrágio, além do momento do resgate e do retorno à terra firme. Além de divulgar trechos dos diálogos entre os mestres de dois barcos que auxiliavam as buscas e detalhes de outros dois naufrágios ocorridos no litoral gaúcho

O Diário Catarinense optou por detalhar os fatos através de informações técnicas, mapas e infográficos, semelhante às coberturas de guerras. Como os próprios jornais afirmaram, "Uma operação de guerra foi montada para tentar encontrar o barco e os pescadores. Dois aviões da Força Aérea Brasileira, um navio da Marinha e outros pesqueiros trabalham nas buscas". (10/09, p.32). Além das notícias comuns aos outros veículos, os desdobramentos das buscas e a esperança dos familiares, o DC deu destaque para os métodos/instrumentos utilizados no resgate. Trouxe, inclusive, um infográfico explicando como o desaparecimento aconteceu.

O jornal A Notícia tratou o assunto como mais um dentre vários, pois em diversos momentos utilizou notas de uma coluna para dimensionar o naufrágio. Além disso, permaneceu preso ao relato jornalístico, procurando a imparcialidade.

"A cidade parou, ontem, para receber os oito tripulantes do barco pesqueiro Chile II, que foram resgatados na noite de quinta-feira, depois de quatro dias à deriva no mar" (13/09, p.A7).

De uma maneira geral, o assunto foi contextualizado principalmente pelo DC e o Santa, através de linguagens diferentes. Já o AN destinou pouco espaço e apresentou detalhes do naufrágio, mas apenas os mais relevantes.

 

Exatidão naufraga na cobertura

Coberturas de fatos que envolvem acidentes, vítimas e resgate necessitam de grande esforço da redação para que os dados sejam publicados com exatidão. Um nome errado numa lista de sobreviventes ou de desaparecidos pode dar ou retirar esperança antecipadamente.

Logo no primeiro dia de cobertura, 10/09, um dado essencial ficou confuso. De onde saiu o barco desaparecido no Rio Grande do Sul? A linha de apoio do DC: "Três catarinenses, seis paulistas e um chileno estavam na embarcação, que saiu de Itajaí" é contrariada pelo texto da matéria, que traz a seguinte declaração: "Tudo indica que este barco não saiu de Itajaí, porque não há documentação na delegacia", do capitão dos Portos de Santa Catarina.

No dia 10/09, os jornais se referem ao barco naufragado como Chile II. O nome é mencionado oito vezes na matéria do DC e sete no Santa. Já no dia 11, a embarcação passa a ser chamada de Pesca Chile Dos, aparecendo sete vezes na mesma página do DC. A diferença é que o Santa explica aos leitores a razão da mudança: "na proa, a grafia é Pesca Chile Dos, dada a propriedade espanhola" (p.3B) e o DC, não.

A confusão continua nos dias seguintes com destaque às capas. No DC do dia 12, o nome é Chile Dos, no Santa dos dias 13 e 14/09, o nome é Pescachile II e no AN do dia 13, é Chile II. Confusões como essa são comuns, mas deveriam ser evitadas. No entanto, o Santa extrapolou os limites da confusão no dia 15. Na matéria "Domingo de fartura", a linha de apoio trata dos sobreviventes do Pescachille I (ao invés de II e com dois "eles") mas logo no primeiro parágrafo do texto ele volta como Pescachile II.

O DC também se confundiu quanto ao tamanho do pesqueiro. No dia 10, diz que o barco tem 18 metros de comprimento e no dia 11, diminui para 17 metros.

O nome e o cargo de uma fonte são informações importantes numa notícia e devem ser exatos, mas não foi isso que aconteceu. No dia 11, o representante da empresa Kowalski, que beneficiaria o resultado da pesca, aparece de três formas diferentes: no Diário Catarinense, ele é Manolo Gonzáles, supervisor de Controle de Qualidade e Relações Públicas; no Jornal de Santa Catarina, ele aparece como supervisor de Relações Públicas; mas em A Notícia, ele é Manuel Gonzáles, gerente de Relações Públicas. Num caso como este, as vítimas não foram os náufragos, mas os leitores que ficaram "boiando"…

(*) Projeto de acompanhamento e crítica da imprensa catarinense, produzido por alunos e professores do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Coordenação do professor Rogério Christofoletti. <http://www.cehcom.univali.br/monitordemidia>