Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Comunicação, política e sociedade

CONGRESSO DE EXTENSÃO I

Jane Voisin (*)

[Texto da conferência pronunciada na Sessão do Grupo Temático Comunicação do VI Congresso Ibero-americano de Extensão]

Sabe-se que comunicação está, hoje, no centro de toda reflexão e discussão sobre a vida contemporânea, em suas dimensões políticas, sociais, econômicas, culturais. Isso se justifica na medida em que o poder da comunicação de massa, evidente desde suas primeiras formas ? a imprensa, o cinema, a rádio, a TV ?, tornou-se implacável com as novas tecnologias que geraram suportes multimídias associando o texto, o som, a imagem e os dados. A aliança entre o audiovisual, a informática e as telecomunicações levou à Web, a rede mundial que disponibiliza a qualquer usuário, em qualquer parte do mundo, conteúdos que corresponderiam ao maior jornal, à maior biblioteca, à maior discoteca, ao maior museu da terra, provocando profundas transformações nas sociedades quanto a seus modos de funcionar e se relacionar, seus valores e percepções (Balle, 2000, p. 44-47).

Com a mundialização da cultura, forjada por essa inesgotável oferta de produtos e informação, reconfigura-se o sentido de cidadania, surgindo novos modos de acesso e participação social e política de indivíduos e grupos (Martín-Barbero in Dawbor, 2001, p. 35). Diante da possibilidade de democratização da informação que a Web poderia proporcionar, apresenta-se o problema da exclusão digital, reflexo direto das disfunções sociais que mantêm a fome e a pobreza em grande parte do mundo. Afinal, as inovações tecnológicas em comunicação vêm para contribuir com a consolidação dos direitos e das liberdades e a elevação da qualidade de vida da população mundial ou, ao contrário, para assegurar mais poder às vozes hegemônicas e aprofundar o abismo entre países, grupos e indivíduos ricos e pobres?

Esta preocupação, que mobiliza diversas correntes teóricas, está afixada na pauta da UNESCO, em seu dossiê "Comunicação, Informação e Informática", no qual o organismo afirma suas missões nessa área, sendo a primeira "fomentar a livre circulação de idéias através da palavra e da imagem e promover uma difusão mais ampla e equilibrada de todas as formas de informação que contribuam para o progresso das sociedades, sem entraves para a liberdade de expressão, utilizando os meios tradicionais e os novos meios eletrônicos" (cf. site UNESCO). Dentre seus programas recentes citam-se ações para facilitar o acesso à informação de domínio público por via digital, para garantir a liberdade de informação, para promover o pluralismo dos meios de comunicação e fazer cumprir o compromisso educativo dos meios de comunicação do setor público.

No contexto da América Latina, a comunicação tem tido uma influência particular nas questões ligadas à democracia, à cidadania e às identidades culturais (Martín-Barbero in Dawbor, op. cit. p. 42-45). Se, por um lado, há de se reconhecer que os meios de comunicação e informação vêm tendo papel relevante na divulgação e crítica dos totalitarimos, injustiças e corrupção, e no resgate de marcas identitárias, por outro, as grandes mídias ? as que atingem audiências de massa ? mantêm-se em mãos de grupos econômicos e políticos que operam a favor de seus interesses. Em contraposição a esse estado de coisas, surgem formas alternativas de comunicação, envolvendo atores sociais de grupos minoritários ? a chamada comunicação popular, "processo ligado à ?cultura popular?, refletindo em sua prática uma cultura de resistência aos modelos que impõem a exclusão social" (Fernández, in Dawbor, op. cit. p. 300).

Esse tipo emergente de comunicação, geralmente ligada a movimentos sociais, veio responder, nos anos 1990, no Brasil e América Latina, a um descrédito na política tradicional e nas ações do Estado em geral, provocado pelo desemprego e crescimento da violência nos espaços da vida social, afirmando-se como reflexo da crença de grupos de cidadãos em sua capacidade de atuação política independente, com mensagens de paz, a favor da ecologia, da qualidade de vida, contra a exclusão (ibidem, p. 301). Evidentemente, o poder desses grupos cresce na medida em que a difusão de suas mensagens alcança as redes massivas, encontrando eco nos meios eletrônicos de comunicação, como observa Canclini citado por Fernández (ibidem).

No Brasil, por exemplo, a multiplicação de rádios alternativas locais, como meio de protesto contra os monopólios de grupos de comunicação ligados ao poder econômico e político e como instrumento de defesa do exercício das liberdades e da cidadania, acabou criando uma mobilização em prol da regulamentação da radiodifusão comunitária, finalmente institucionalizada pela Lei n. 9.612, publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998. Mas a lei é considerada estreita na medida em que impõe, no caso da rádio, restrições técnicas de transmissão, proibição de transmissão em rede, confinamento em um único canal e ainda a possibilidade de ser fechada por estar interferindo em emissoras comerciais (Fernández, op. cit. p. 303).

De fato, após o período de concessão de emissoras de rádio e TV com critérios baseados em interesses políticos e econômicos, apadrinhamentos e troca de favores ? até o final do governo Sarney -, a legislação brasileira passou a adotar princípios mais democráticos, prevendo tipos de emissoras que servem de contraponto às comerciais: a) as comunitárias, comprometidas com os interesses locais de determinadas comunidades; b) as educativas, de caráter estatal e comprometidas expressamente com a educação e com a cultura (cf. site do Ministério das Comunicações). Nessa família de mídias sem fins lucrativos situam-se as rádios e TVs universitárias, constituídas pelas IES, em sistema de consórcio, com uma programação similar à das emissoras educativas.

Espaços potencialmente fundamentais para a produção e difusão cultural, artística e científica, para a livre expressão e criação, para a defesa dos direitos humanos e sociais, para o exercício do pluralismo, para o fortalecimento da democracia e da cidadania, tais meios audiovisuais alternativos ao circuito comercial ? cujo funcionamento se fundamenta nas duras leis do mercado ? atingem no entanto públicos reduzidos e têm graves dificuldades de sobrevivência, por falta de políticas e linhas de fomento que favoreçam sua vitalidade.

Segundo alguns estudiosos, com cinco anos de existência, as TVs universitárias, sofrendo a penúria das próprias IES, sofrem ainda um cerceamento da possibilidade de atuar como "TV de verdade", viva, mostrando e discutindo os fatos da atualidade "real", limitando-se à produção de uma programação considerada "inócua" e "bem comportada", além de repetitiva, sem espaço para as produções experimentais e conectadas com a vida contemporânea, representativas das inquietações políticas, estéticas, culturais e filosóficas dos professores e alunos dos cursos de Comunicação Social e das comunidades acadêmicas em geral. Essa produção raramente consegue ter eco nos canais e estações de grande público, restringindo-se ao consumo endógeno de grupos seletos de interessados (Brasil, 2001).

Além da rádio e TV ? meios de maior potencial em termos de impacto social e poder efetivo de contribuição cultural e educativa ?, a comunicação no contexto universitário dispõe ainda de jornais, revistas, livros, publicações educativas e sites, através dos quais as IES difundem suas informações institucionais gerais e científicas, buscando socializar os conhecimentos construídos nas atividades acadêmicas de seus docentes e discentes. Esse tipo de comunicação promove, portanto, a extensão da produção universitária à sociedade através das diversas mídias e suportes, favorecendo o intercâmbio entre atores acadêmicos e comunidade.

Universidade, extensão e comunicação

Tornada no fim do séc. 20 o "signo distintivo da sociedade moderna" (Balle, op. cit., p. 77), a comunicação assumiu um papel fundamental e estratégico no mundo contemporâneo, sendo decisiva na construção do imaginário e da identidade cultural e nos sistemas de organização e valores dos grupos sociais. Assim, não poderia deixar de ter um papel essencial também no ambiente universitário, vindo a constituir uma das oito áreas temáticas estabelecidas na sistematização da extensão das universidades públicas brasileiras: cultura, comunicação, direitos humanos, educação, meio ambiente, saúde, tecnologia, trabalho (Plano Nacional de Extensão Universitária, 2001, p. 51).

Com isso, a extensão brasileira lançou-se ao desafio de coletar dados e fazer um reconhecimento mais detalhado da natureza e efeitos das ações desenvolvidas nessa área, com o objetivo, num primeiro momento, de constatar como e até que ponto as universidades ? espaços naturais da vanguarda e do ímpeto criativo e revolucionário ? têm participado do avanço das tecnologias da comunicação e da informação e do debate ético e político em torno desses processos e seus produtos, e se têm utilizado sua competência instalada em prol do fortalecimento da cidadania e da democracia, enfim, do progresso humano, social, econômico, científico e cultural do país.

Essa tarefa foi deflagrada em 2000 através do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, ao propor que as Pró-Reitorias sistematizassem suas informações sobre a produção extensionista na área de comunicação a partir de um roteiro básico de dados qualitativos e quantitativos ? nos mesmos moldes das demais áreas. Segundo o texto de referência para o sistema de informações da extensão (SIEX), a comunicação deverá cobrir as seguintes ações, sob a forma de programa, projeto, curso, evento, prestação de serviço, produção e publicação (Sistema de Dados e Informações, p.51-55):

* comunicação social;

* mídia comunitária;

* comunicação escrita e eletrônica;

* produção e difusão de material educativo;

* televisão universitária;

* rádio universitária;

* capacitação e qualificação de recursos humanos e gestores de políticas públicas de comunicação social;

* cooperação interinstitucional e internacional na área (idem, p. 25).

Por outro lado, a comunicação ? no seu sentido lato ? está também presente nas ações extensionistas de todas as demais áreas temáticas, cujos dados devem indicar, ainda segundo o SIEX, "publicações e produtos", correspondentes a "produtos acadêmicos que instrumentalizam ou são resultantes das ações de ensino, pesquisa e extensão" (idem, p. 55), ou seja, livros, anais, cartilhas, manuais e fascículos, jornais, revistas, capítulos de livros, artigos, comunicações, relatórios, audiovisual ? filmes, vídeos, fitas cassete, discos, CDs, CD-Roms, etc.

A presença da comunicação no conjunto da vida das IES, conforme se tem observado na fase de implantação do SIEX em diversas universidades públicas (2000-2001), vem suscitando algumas dificuldades de classificação, no sentido de indicação de publicações e produtos de outras áreas temáticas na rubrica comunicação. Exemplo disso é que algumas IES têm computado, nesse ítem, toda a sua produção impressa ? livros e outras publicações científicas de suas editoras, bem como toda a produção de peças de divulgação (folders, cartazes) e material educativo -, independentemente da área temática em que se inserem. Nesse caso, a comunicação aparece como meio ? e aqui caberia uma discussão teórica sobre a natureza da comunicação e a possibilidade de se estabelecer um espaço "específico" para ela, considerando-se suas implicações multi e interdisciplinares e sua inerente função social.

Assim, embora o processo de coleta de dados nos moldes do SIEX esteja dando seus primeiros passos, pode-se constatar desde já que as ações extensionistas apontadas na área revelam que as universidades públicas brasileiras vêm investindo ainda muito timidamente na comunicação e suas potencialidades, sendo que um percentual significativo sequer indica, nos seus relatórios anuais, produção nesse setor. As indicações mais freqüentes recaem sobre ações mais diretas e inquestionáveis como TV e rádio universitários e publicações institucionais. Começam a surgir iniciativas de apoio à mídia comunitária (consultoria ou apoio na concepção e manutenção de meios de comunicação comunitários) e de alfabetização digital e visual.

Diante desse quadro, valeria alertar que, seguindo as diretrizes para a extensão nas IES públicas brasileiras, o trabalho extensionista em comunicação deveria estar priorizando a participação da universidade na definição, execução e avaliação de políticas públicas na área, como já se busca fazer na saúde, educação, meio ambiente e direitos humanos, por exemplo. Entretanto, até aqui não se tem notícia de programas conseqüentes de órgãos governamentais, com a presença das IES, voltados à democratização da produção e acesso à informação, à proteção do direito de informar e ser informado, à eqüidade no acesso às tecnologias da comunicação e aos acervos culturais existentes.

Se a proposta da extensão é "viabilizar a relação transformadora entre a universidade e a sociedade" (ibidem, p. 29), a imensa gama de meios, suportes e produtos de comunicação e o amplo leque de conhecimentos gerados ? através do ensino e da pesquisa ? sobre a comunicação e suas implicações no mundo atual, disponíveis na instituição universitária, deveriam servir efetivamente às comunidades interna e externa, aos seus interesses coletivos e duradouros. A comunicação transcenderia, nesse caso, a função imediata de divulgar as notícias gerais, difundir informações e trabalhos científicos, enfim, dar "publicidade" às realizações da universidade.

Seria esse, efetivamente, o papel da extensão em comunicação? E se for, estariam as universidades interagindo com a sociedade nesses termos? São questões a se debater, sem perder de vista que estamos em plena "era da informação e do conhecimento", cabendo à comunicação um lugar central nesse processo cuja complexidade começa na multiplicidade de sentidos que engendra o próprio termo comunicação (Sfez, 1994, p. 38).

De todo modo, o Fórum de Pró-Reitores, ao definir a comunicação como uma das áreas temáticas da extensão universitária, abriu o caminho para uma discussão crucial no contexto universitário. A atenção dada pela entidade à comunicação se estampa em sua própria iniciativa de implementação da Rede Nacional de Extensão ? RENEX, através da qual pretende registrar, de forma transparente e acessível ao público em geral, todo o processo de construção conceitual e operacional do espaço extensionista nas IES públicas do Brasil.

(*) Jornalista e Pró-Reitora de Extensão UESC/BA. Coordena a Área Temática Comunicação do Fórum Nacional de Pró-Reitores das Universidades Públicas Brasileiras

Referências

BALLE, Francis. Les médias. France: Flammarion, 2000. Coll. Dominos.

BRASIL, Antônio. TVs Universitárias. Sem atentados nos EUA, sem greves no Brasil. Disponível em <www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da260920011.htm>. Acesso em 27/09/01.

FERNÁNDEZ, Adrián José Padilla. Comunicação e cidadania na virada do século. Movimentos sociais e espaço público em freqüência modulada ? FM. In: DAWBOR, Ladislau et al. Desafios da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2000.

Fórum de Pró-Reitores das Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Extensão Universitária. Ilhéus: Editus, 2001. Col. Extensão Universitária, v. 1.

Fórum de Pró-Reitores das Universidades Públicas Brasileiras. Sistema de Dados e Informações. Rio de Janeiro: NAPPE/UERJ, 2001. Col. Extensão Universitária, v. 2.

MARTÍN-BARBERO, Jésus. O medo da mídia. Política, televisão e novos modos de representação. In: DAWBOR, Ladislau et al. Desafios da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2000.

Ministério das Comunicações. Disponível em <www.mc.gov.br>. Acesso em 06/08/01.

SFEZ, Lucien. Crítica da Comunicação. São Paulo: Loyola, 1994.

WARNIER, Jean-Pierre. La mondialisation de la culture. Paris: La Découverte, 1999. Coll. Repères.

UNESCO. Disponível em <www.unesco.org.br/programas/comunica/index.asp>. Acesso em 30/07/01.