Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Confusão na festa e nas páginas

PRECISÃO E FIDEDIGNIDADE

Monitor de Mídia (*)

Tiros, viol&ecircecirc;ncia e muita confusão reacendem a polêmica da proibição de festas raves em Florianópolis. Confusão que também continua nas páginas dos jornais catarinenses e acaba ferindo o direito do leitor de ser bem-informado.

O primeiro a dar espaço ao assunto foi o Diário Catarinense que, na segunda, 8 de setembro, trouxe a chamada de capa "Festa rave acaba em tiroteio e prisões na Ilha". Na página 17, a matéria intitulada "Madrugada de pânico em festa rave" aponta que participaram do evento cerca de 3 mil pessoas e sete acabaram detidas ? sendo duas delas menores ?, além de uma pessoa ferida. A empresa citada como responsável pela festa foi a Warungue Beach Club, e o advogado da empresa, Fabio Guerro, foi quem prestou declarações ao jornal.

O colunista Cacau Menezes, como não poderia deixar de ser, deu sua opinião. Na nota "Noite de cão", afirma que "os vagabundos roubaram a cena e melaram uma feliz idéia".

No dia seguinte, a polêmica ganha novamente chamada de capa: "Violência em festa rave assusta moradores da Ilha". Nesta edição do DC, os dados são bem diferentes. Sob o título "Tiros e agressão ao som do techno", lê-se que foram seis mil os participantes, três pessoas baleadas, 18 pessoas detidas, sendo sete menores. E não foram somente os dados da festa que mudaram. Nas páginas 4 e 5, pode-se encontrar a empresa responsável como "Warung Comércio de Bebidas" e seu advogado como Fábio Vinícius Guero. Há ainda uma nova informação: foram registrados 59 boletins de ocorrência pela polícia da Lagoa da Conceição. E uma explicação importante: como os organizadores conseguiram liberação para promover a festa.

O acontecimento suscitou opiniões controversas dentro do próprio jornal. Enquanto a seção "Opinião DC" traz que "as autoridades policiais fizeram com eficiência o que lhes competia", Cacau Menezes acredita que "a confusão começou pela própria polícia, que não permitiu a festa e foi fazer blitz de trânsito antes dela começar, como que querendo mandar algum recado". A linha polêmica continua na coluna mais adiante: "Centenas de jovens foram espancados e roubados por marginais em gangues e armados e nada da polícia para prendê-los". Na edição seguinte, Cacau publica duas declarações de leitores criticando a ação da polícia e uma recriminando a própria festa.

Mais confuso ficaria o leitor se resolvesse tirar as dúvidas sobre os dados apontados pelo DC no concorrente A Notícia ou no Jornal de Santa Catarina, do mesmo grupo RBS. A edição do dia 8 de A Notícia publicou que havia 6 mil pessoas presentes na festa ? o que confirma o número dado pelo DC no dia 9 ?, mas os detidos aqui são dez, sendo quatro deles menores. O diferencial neste caso foi a divulgação do nome e da idade dos detidos. No dia 9, o assunto rende box na página A9. E o tumulto de informações continua. Para o AN, foram 42 boletins de ocorrência ? enquanto no DC foram 59 ? e a empresa promotora da festa foi "Warung Beach Club" ? que não confere com nenhum dos dois nomes publicados pelo DC. O texto contém ainda a declaração da mãe de um dos adolescentes que estava na festa, afirmando que os seguranças agrediram seu filho.

Para o colunista Moacir Pereira, na página A3, a festa tinha "um belo nome a ludibriar adolescentes incautos com iniciativas que nada tem a ver com a recreação saudável, muito menos com qualquer conotação artístico-cultural". E "uma empresa do Paraná, sem qualquer vínculo com a nossa gente, assumiu o patrocínio (…)"; enquanto que o Diário Catarinense do dia 8 aponta que a empresa é de Itajaí e Curitiba.

No Jornal de Santa Catarina, o acontecimento teve menos espaço. A única matéria que trata da festa rave foi divulgada no dia 9. Os dados presentes em "Violência ao som eletrônico ameaça tradicional festa jovem" são iguais aos do texto publicado no seu parceiro de grupo RBS no mesmo dia: três pessoas baleadas, 59 boletins de ocorrência, 18 detidos, entre os quais 7 menores. O box também é o mesmo. Intitulado "O que é", tem o objetivo de explicar como surgiu e como funcionam as raves, mas pode disseminar preconceito quando se afirma que "é comum o uso de drogas como ecstasy", dado não haver um critério para tal afirmação. Afinal de contas, quais são os dados reais? Pelo que se vê, o leitor catarinense não pode apontar a resposta.

Violência assusta, mas dá pouca manchete

Embora, os números da violência venham crescendo nos últimos anos, o tema não tem conquistado tantas manchetes nos jornais catarinenses. Os casos são cotidianamente estampados nas capas dos diários, mas são raras as edições que alçam homicídios e outros crimes à condição de assunto principal do dia. Pelo menos é o que constatou este Monitor de Mídia ao longo de todo o mês de agosto passado. Analisadas 85 edições dos três principais jornais catarinenses ? A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina ?, o que se percebeu é que há procedimentos diferenciados dos jornais frente ao assunto. Nada mais natural, já que são equipes distintas que atendem a regiões de leitores igualmente distintas. No entanto, o que chama a atenção são as disparidades entre os veículos. Se o leitor se dispusesse a contar o número das vítimas por homicídio nos três jornais, ia ficar bem confuso…

No Diário Catarinense, por exemplo, seriam 35 homicídios, contra 30 em A Notícia e 13 (!) no Jornal de Santa Catarina. A distância estatística é grande, principalmente quando se alardeia ? como fez o DC em 30 de agosto ? que a Grande Florianópolis conta com 124 assassinatos nos primeiros oito meses do ano.

Na avaliação das primeiras páginas, o JSC trouxe oito manchetes e 16 chamadas de capa sobre o assunto nas 25 edições analisadas. Os crimes que ganham as páginas do jornal ocorrem principalmente na região do Vale do Itajaí e Litoral, áreas de sua maior vendagem. A Notícia não considerou a violência no Estado importante o suficiente para ganhar suas manchetes. Das 29 edições analisadas (3 a 31/08), nenhuma trouxe o assunto como manchete. Os crimes ocorridos foram destacados somente como chamadas de capa, 13 no período. O DC, com redação na capital, destacou somente três manchetes e 12 chamadas de capa sobre o assunto.

(*) Projeto de acompanhamento da imprensa catarinense desenvolvido por alunos da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), sob coordenação do professor Rogério Christofoletti

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