Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Consciência negra, mas sem o PT

ZERO HORA

Agnaldo Charoy Dias (*)

O jornal Zero Hora teve a capacidade de publicar ampla matéria sobre a Semana da Consciência Negra (20/11) sem citar o deputado estadual Edson Portilho (PT), negro e autor de diversos projetos que atingem positivamente a comunidade negra gaúcha.

Pior que isso, ZH começa a matéria (duas páginas) falando da regularização das terras remanescentes de quilombos como tendo sido o projeto mais importante do último período. Nem uma vírgula sobre o autor do projeto ou seus executores (Edson Portilho e o governo do Estado do Rio Grande do Sul, através da Secretaria do Trabalho e Assistência Social). Neste ponto, Zero Hora erra os valores destinados pelo governo do estado às comunidades quilombolas e também seu caráter. Diz que é "R$ 1,5 milhão" como indenização. Nada disso: é R$ 1,05 milhão, e os recursos vêm do RS Rural, programa voltado para a agricultura familiar. Antecipando a matéria, a assessoria do deputado entrou em contato com a redação de ZH para disponibilizar dados e ajudar na construção da pauta. Não houve retorno.

O senador eleito Paulo Paim, autor no Congresso Nacional do Estatuto do Negro, também não mereceu mísera linha. A Zero Hora preferiu entrevistar outros companheiros negros ? não menos valorosos que os dois citados, mas, como não são detentores de cargos, suas palavras não têm o mesmo alcance. Preferiu também jactar-se de suas próprias proezas (como sempre faz), citando como exemplo de sucesso dois jornalistas negros… da Globo! Aliás, reduz o problema racial a mera oportunidade no mercado de trabalho… sempre o mercado.

Um belo exercício de preconceito, na medida em que não coloca as conquistas das lutas do povo negro na sua devida altura, reduzindo a dignidade de um povo a um emprego bacana na televisão, casualmente a sua própria. As páginas foram editadas com um monte de fotos de pessoas negras, envaidecendo-as, mas sem revelar nenhum conteúdo concreto. Os entrevistados não ganharam fotos, e os que ganharam fotos não foram entrevistados.

Também nenhuma linha sobre o MNU (Movimento Negro Unificado), uma das mais importantes organizações negras no Brasil. Pergunto: a eleição e a reeleição de Edson Portilho para a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e do Paulo Renato Paim para o Senado não são conquistas importantes para o movimento negro? Até porque suas campanhas foram feitas com a intensa participação da comunidade negra gaúcha, isto é, são fruto da luta do povo negro.

Tortura ou jogo infantil?

Edson Portilho é autor do projeto de regularização das áreas remanescentes de quilombos, do projeto que exige que o Estado coloque atores negros nas propagandas oficiais, do projeto que dá atenção especial aos portadores de doenças específicas da raça negra (anemia falciforme) e do projeto que exige reserva de vagas na universidade estadual para as pessoas negras. Tudo isso é citado na matéria, mas nada é falado sobre aqueles que puxam esta discussão, que encaminham estes projetos.

Mas Zero Hora não perde oportunidade de citar políticos tradicionais e o próprio governo federal como os grandes benfeitores da raça negra. Segundo a Zero Hora, José Sarney é o cara que luta contra o racismo…

Infelizmente não poderei suspender minha assinatura de Zero Hora, porque nunca a tive. Contudo, tenho recomendado que isto seja feito por todos aqueles que prezam a verdade. Se não temos uma mídia séria pelo menos lutamos; se não temos o fim da propriedade privada sobre um bem público, a informação, pelo menos exercemos nosso direitus esperneandis. Não se conformar com a realidade dada foi a minha primeira lição de jornalismo.

A propósito de "RBS na berlinda": Berlinda era um instrumento de tortura muito utilizado na Idade Média, durante a Inquisição. Tratava-se de uma chave de madeira que prendia o condenado pelo pescoço e punhos, ficando ele imobilizado e exposto na praça para ser execrado publicamente.

(*) Jornalista

Nota do OI: Segundo o Aurélio (e o senso comum), berlinda é um jogo infantil, no qual uma criança, no centro da roda, é alvo de atenção e comentários.