Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

"Conspiração" e críticas duvidosas

MÍDIA & ATEÍSMO

Vitor Abdala (*)

Na edição de 12/3 do Observatório da Imprensa, tive a oportunidade de ler um artigo do engenheiro e integrante da Sociedade da Terra Redonda Daniel Sottomaior, sobre a relação da mídia com o ateísmo. Segundo ele, os veículos de imprensa ignoram a existência dos ateus, dando apenas cobertura a religiões, como cristianismo e islamismo, entre outras.

O argumento, para Sottomaior, é que há uma "teoria da conspiração" entre os dirigentes dos meios de comunicação para excluir de suas pautas assuntos relacionados ao ateísmo.

Suas primeiras críticas são um tanto duvidosas. A "conspiração" começaria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seu Censo 2001, já que ignoraria a categoria ateu em seu questionário, incluindo-os apenas num grupo chamado "sem religião". Poderia, logo de início, fazer algumas indagações: o IBGE é um órgão de imprensa? Qual a relação disso com o tratamento que a mídia dispensa aos ateus? Por que o fato de os ateus serem incluídos na categoria dos "sem religião" teria qualquer relação com a mídia ignorá-los?

Sua brilhante argumentação segue com a enumeração de vícios que o ateísmo não possui, dizendo ser este o motivo pelo qual a imprensa ignora os ateus. Escreve ele, demonstrando uma inacreditável faceta preconceituosa:


"Muito do que faz a religião estar em evidência simplesmente não existe no ateísmo: os ateus não crêem que há uma divindade ditando normas de gastronomia e vestuário; não têm suas datas incorporadas oficialmente a calendários nacionais; não gozam de isenção fiscal determinada pela constituição para fazer o que bem quiserem, inclusive amealhar imóveis e concessões de rádio e tevê; não podem consumir drogas ritualmente sob as bênçãos do poder público; não se manifestam em bloco contra homossexualidade, avanços científicos, controle da natalidade ou camisinha; não fazem guerra ou terrorismo em nome de suas descrenças; não possuem bancadas no Legislativo; não têm organizações que determinam que políticas sociais e econômicas estão de acordo com a vontade divina, e assim por diante."


Como se a imprensa se resumisse a fait divers e a coberturas de passeatas e se todos os meios de comunicação estivessem nas mãos de grupos religiosos.

O engenheiro segue seu manifesto com a citação de um caso acontecido com ele. De acordo com seu texto, ele compareceu a um programa de uma rede de televisão evangélica, apresentado por um pastor (fatos conhecidos por ele, antes de aceitar o convite) e com um público-alvo formado por cristãos. Qualquer pessoa pode ver que o programa é evangélico, para evangélicos, ou seja, não tem qualquer proposta de ser imparcial, portanto, não pode ser usado como modelo de generalização para a mídia.

Não faz sentido criticar uma mídia que é, abertamente, parcial, por ela querer vender sua ideologia. O sítio da Sociedade da Terra Redonda <www.str.com.br>, por exemplo, não disponibiliza qualquer artigo que seja contraditório a suas ideologias. Por que querer que um programa evangélico divulgue o ateísmo?

Para ser notícia

No meio do texto, sua argumentação provoca confusão aos leitores. Sua proposta no texto, pelo menos ao que me parece, é reclamar espaço na mídia. No entanto, em determinado momento, ele reclama que uma reportagem do SBT, ao tratar do aumento dos "sem-religião" no Brasil, só citou os ateus. Se ele quer visibilidade para seu ateísmo, porque, então, reclama quando o SBT fala dos ateus? Veja a incoerência:

Parágrafo 13:


"No SBT, por exemplo, assim como em outros canais da TV aberta, sempre que se procurava esmiuçar o grupo dos sem-religião os únicos citados eram os ateus. É certo que o jornalismo televisivo tem limitações de espaço especialmente duras, mas chega um ponto em que a suposta concisão torna os dados irreconhecíveis."


Parágrafo penúltimo:


"É bastante razoável supor que essa brutal diferença de tratamento entre a religião e o secularismo também se reflita em diferenças artificiais de visibilidade. Isso explicaria por que é que mesmo os grupos religiosos têm muito mais espaço do que os ateus, na mídia e na sociedade, mesmo quando representam frações bem menores da população."


Não é preciso salientar que, em um texto sobre a relação da mídia com o ateísmo, Sottomaior usa 90% dele para recriminar religiões e vender ideologia ateísta. Qual seria a utilidade, para fins argumentativos, de, em um texto sobre mídia, começar com passagens bíblicas em que Deus incentiva a violência?


"?Quando teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo que te é como a tua alma, te incitar em segredo, dizendo: Vamos e sirvamos a outros deuses! ? deuses que nunca conheceste, nem tu nem teus pais, dentre os deuses dos povos que estão em redor de ti, perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até a outra ? não consentirás com ele, nem o ouvirás, nem o teu olho terá piedade dele, nem o pouparás, nem o esconderás, mas certamente o matarás; a tua mão será a primeira contra ele para o matar, e depois a mão de todo o povo; e o apedrejarás, até que morra, pois procurou apartar-te do Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão.? Deut 13:6ss."


Não satisfeito em confundir o leitor com uma citação bíblica, quase no fim do texto, quando já devia concluir sua tese, cita o Corão, dizendo que prega a violência. Qual a relação disso com a imprensa? Afinal, se o texto está sendo publicado no Observatório da Imprensa, tem que haver alguma relação com a mídia.

Gostaria de concluir essa crítica dizendo que o ateísmo é, sim, pauta para a imprensa e que as ocasiões em que foi tema de notícia não foram poucas (Sottomaior, inclusive, citou alguns exemplos em seu texto). E, se os ateus não aparecem mais é porque, provavelmente não fazem coisas interessantes para a imprensa.

Se os ateus não fazem cultos multicoloridos, passeatas barulhentas e nem ganham concessões de rádio e televisão, mas querem aparecer na mídia, podem começar a ser notícia fazendo algo frutificante para a sociedade, como campanhas para crianças carentes, financiamento de pesquisas científicas (que busquem a cura da Aids ou do câncer) ou até mesmo mutirões de limpeza.

(*) Repórter da Folha Dirigida

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