Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Correio

ELEIÇÕES NO RS

Rogério Camboim S. Almeida (*)

Já fui, por muito tempo, assinante diário de Zero Hora (ZH), mas há meses optei pela assinatura de fim de semana. As poucas coisas que ainda me interessam na ZH, especialmente a coluna diária do Luis Fernando Verissimo, podem ser encontradas na internet.

No lugar de ZH passei a assinar o Correio do Povo (CP). Esta mudança ocorreu por acreditar que o grupo RBS, do qual ZH faz parte, tem sido um tanto parcial em relação aos governos petistas de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Ainda tenho sobre minha mesa os exemplares de ZH e CP do sábado dia 26/10/2002. Enquanto ZH publicou duas pesquisas eleitorais, o CP publicou apenas uma. Além destas, houve a pesquisa do Ibope de boca-de-urna, divulgada às 17h do dia 27, após o fechamento das urnas.

Considerados apenas os votos válidos, eis um resumo destas pesquisas, em grau crescente de acerto:


Pesquisa Ibope (ZH, 26/10)

Germano Rigotto (PMDB) ? 58%

Tarso Genro (PT) ? 42%

Diferença: 16%

Margem de erro: 2,2%

Nível de confiança: 95%

Entrevistados: 2.000, em 99 municípios

Período das entrevistas: 24/10 e 25/10

Pesquisa Cepa/UFRGS (ZH, 26/10)

Germano Rigotto (PMDB) ? 54,5%

Tarso Genro (PT) ? 45,5%

Diferença: 9%

Margem de erro: 2,4%

Nível de confiança: 95,5%

Entrevistados: 1.750, em 49 municípios

Período das entrevistas: 25/10

Pesquisa Ibope boca-de-urna (27/10)

Germano Rigotto (PMDB) ? 56%

Tarso Genro (PT) ? 42%

Diferença: 12%

Pesquisa Correio do Povo (26/10)

Germano Rigotto (PMDB) ? 52,6%

Tarso Genro (PT) ? 47,4%

Diferença: 5,2%

Margem de erro: 2,2%

Nível de confiança: 95%

Entrevistados: 2.013, em 81 municípios

Período das entrevistas: 23/10 e 24/10

Resultado da eleição (27/10)

Germano Rigotto (PMDB) ? 52,67%

Tarso Genro (PT) ? 47,33%

Diferença: 5,34%


A diferença de informações publicadas nos dois jornais provavelmente deixou tenso o jornalista Lasier Martins e demais colegas da RBS. Quando a pesquisa de boca-de-urna foi divulgada, às 17h de domingo, na TV COM, emissora em UHF da RBS, Lasier Martins não conseguiu esconder sua euforia pela diferença de 12 % que o Ibope indicava a favor de Germano Rigotto. Não se sabe se ele estava eufórico pela derrota do PT ou pelo "erro" do jornal concorrente (provavelmente por ambos). Ele declarou que a diferença deveria chegar a mais de 700 mil votos. Na verdade, foram 320 mil.

Ele começou então um blábláblá sobre a "seriedade" dos institutos de pesquisa. A seu lado, a comentarista Rosane de Oliveira, editora de Política da Zero Hora, pareceu um tanto encabulada com aquela explosão de júbilo.

No início da apuração, a diferença oscilava, próximo aos números da pesquisa de boca-de-urna, e os comentaristas e apresentadores da TV COM mencionavam periodicamente o fato. Ao longo da noite, a diferença foi diminuindo, e cessaram como que por encanto as referências às pesquisas do Ibope. No fim, deu no que deu: o Correio do Povo errou por 14 centésimos percentuais, enquanto as pesquisas encomendadas pela ZH

A entrevista em que Tarso Genro admitiu a derrota foi transmitida ao vivo pela TV COM. Após os agradecimentos de praxe, Tarso foi duro em suas críticas às pesquisas, mencionando explicitamente a credibilidade que o Correio do Povo tinha demonstrado. Ao seu redor, os militantes gritavam "Correio!Correio!". Isso tudo sendo mostrado ao vivo pela TV COM. O embaraço dos profissionais da RBS era visível.

O episódio foi tão constrangedor que a TV COM entrevistou por telefone, na mesma noite de domingo, o presidente do Ibope. Este foi elegante ao pedir desculpas ao povo do RS e assumir por inteiro o erro. Apresentadores e jornalistas da TV COM e da ZH estavam tão nervosos que, não satisfeitos com o mea-culpa, perguntaram explicitamente qual era a responsabilidade da RBS pelos erros nas pesquisas, ao que o presidente do Ibope respondeu, já um pouco impaciente: "Nenhuma." Alívio, estava reiterada a credibilidade da RBS.

Na segunda-feira, assisti rapidamente à TV COM, e o mesmo Lasier Martins argumentava que pesquisa não influencia eleição. Não tive paciência para ouvir aquilo, e logo troquei de canal.

Pesquisa influencia eleição, sim, senhor. Pelo menos uma parcela de eleitores é influenciada pelas pesquisas. Pesquisa é assunto sério, tanto que têm de ser registradas na Justiça Eleitoral. E, se não influenciam eleição, afetam muitos setores. Alguém já esqueceu dos terremotos periódicos nas bolsas e no dólar a cada divulgação de pesquisa apontando que Ciro ou Lula tinham subido?

É evidente que previsões probabilísticas não são exatas. No curso de Ciências de Computação tive uma disciplina de Probabilidade e Estatística, na qual aprendi noções sobre desvio-padrão, amostragem, média harmônica etc. Sei que é um negócio para lá de complicado, mas que pegou mal, pegou.

Disso tudo, resta o seguinte:

1) Se a RBS não é parcial em relação aos governos petistas (municipal e estadual até este ano, e federal a partir do próximo ano), este episódio certamente dificultará que seja provado o contrário.

2) O Ibope perdeu muita credibilidade. A expressão "fazer algo para dar Ibope" perdeu um pouco do significado.

3) O Correio do Povo, jornal do grupo Caldas Júnior, empresa muito mais modesta em relação ao poderio econômico da RBS, criou um centro de pesquisas próprio que, espero, continue demonstrando eficiência.

4) Deveria haver multas pesadíssimas aos institutos de pesquisa que cometessem erros crassos como os que aconteceram no RS. Estas pesquisas são caras, portanto multas milionárias são justificadas em caso de erro. Só assim os profissionais incompetentes seriam punidos, e a metodologia de amostragem seria aperfeiçoada.

5) Nas próximas eleições, Zero Hora deveria contratar o Correio do Povo para fazer suas pesquisas.

(*) Servidor público federal