Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Criatividade em xeque

CASA DOS ARTISTAS

Fábio Sola Penna (*)

Apesar de muito criticada, Casa dos Artistas finalmente fez algo que deveria ter sido feito há bastante tempo: colocar em questão a criatividade de quem trabalha nas televisões. Depois de uma briga judicial, o SBT teve que pagar multas diárias para exibir o programa cujos direitos já haviam sido comprados pela Globo de uma emissora holandesa. Multa para Sílvio Santos, prejuízo global. A emissora teve seu recordista de audiência de anos no domingo (o Fantástico) massacrado por uma idéia roubada e barata. Agora a Globo vai produzir o Big Brother, sim, a versão legalizada e muito provavelmente chata de Casa dos Artistas.

Sinceramente, quem julgou mal o programa do SBT não gosta de se divertir ou quer passar uma imagem intelectual ultrapassada, típico de quem só gosta do tradicional e chato. E é exatamente isso que fez com que surgissem em nossa programação programas como esse, além de No limite (cópia barata de Survivor) e, quem diria, o Programa do Jô! Quem alguma vez teve a oportunidade de ver o que David Letterman faz no Late Show vai dizer: "Poxa, o Jô copiou!". De cenário a estilo, o Jô, com o maior respeito, admiração e saudosismo, só não imitou nas entrevistas que, apesar de malfeitas, são regadas com um estilo bem-humorado e de maior teor cultural que as americanas. Mesmo assim, as melhores entrevistas do Programa do Jô são feitas com brasileiros, que mostram sua criatividade sejam famosos ou não, enquanto Letterman só fala com os "hollywoodianos". Conclusão: roubamos as idéias dos americanos e europeus e fazemos com que elas fiquem melhores que a deles depois de um certo tempo.

A MTV é a prova concreta disso. Integrantes das filiais de outros países, inclusive a da matriz americana afirmam que acompanham a programação da MTV Brasil, que é considerada uma das melhores. Visto isso tudo, por que comprar idéias se podemos criar as melhores? Até quando vamos continuar gastando dinheiro e tempo com novelas e telejornais com robôs de terno e gravata nos poupando de evoluir e criar algo interessante?

Globo impede mudanças

Ninguém mais faz TV no Brasil, paramos no tempo e hoje o monopólio global é capaz de nos entreter com as mesmas chatices de 20 ou 30 anos atrás. Não existe opção. Estamos trancados a programas e pessoas que têm medo de mudar, criar e ousar. O ser humano busca o novo. Essa é uma tendência natural que leva a uma constante evolução. Foi isso que aconteceu quando explodiu No Limite, em 2000, e agora com a jogada esperta de Casa dos Artistas. O pior disso tudo foi ter que agüentar as mágoas do Bial em artigo se lamentando pela derrota no Ibope e porque ninguém viu sua série de reportagens sobre culturas alternativas da China.

De que espécie de jornalismo estamos falando? Que espécie de produtores estão surgindo? A que diretores de novela sem graça ou autores copiadores de Shakespeare estamos assistindo? As TVs importam criatividade e isso é o cúmulo para um país como o Brasil. É provável que se buscassem produtores alternativos com idéias inovadoras tudo isso seria passado. Das TVs Universitárias não se pode esperar muito, pois a programação já foi contaminada: é chata e não é totalmente produzida pelos alunos, pois existe sempre o dedo de um profissional ou um técnico padronizado.

A Rede Globo, depois de anos de liderança na audiência, só conseguiu colocar tampões nos olhos de gerações, impedindo quaisquer mudanças em seus padrões. A emissora, contudo, não deve ser mal julgada, afinal, trata-se de uma empresa que tem sua filosofia. O que deve mudar, ou ser criada, é a filosofia de outras emissoras, com programas interessantes e bem produzidos capazes de competir à altura. Isso não é impossível, está provado.

(*) Jornalista, músico e poeta