Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crise na cobertura internacional

TELEJORNALISMO

Antônio Brasil (*)

A notícia é assustadora. Apesar dos atentados nos Estados Unidos e a guerra no Afeganistão os americanos continuam cada vez menos interessados no noticiário internacional. É o que revela uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center ? e divulgada no domingo (9/6) pelo The Washington Post [confira os links abaixo] ? que ouviu 3.082 adultos e chegou às seguintes conclusões:

  1. Somente 12% dos americanos entrevistados acompanham o noticiário internacional.
  2. Em comparação a 2000, a porcentagem dos que não se interessam pelo noticiário internacional passou de 45% para 44%.
  3. O segmento que mostrou mais interesse pelas informações internacionais inclui os profissionais de mais de 40 anos, mais especificamente as mulheres, e os maiores de 65 anos.
  4. Entre os entrevistados, 55% declararam ter acompanhado o noticíário da TV na véspera da pesquisa, contra 72% em 1994. Outros 41% disseram ter lido um jornal, contra 49% em 1994.

Esses dados são importante e comprovam uma tendência de muitos anos. Pelo jeito, o público americano insiste em ignorar o mundo. O país investe maciçamente na repressão ao terrorismo em lugares distantes e prefere menosprezar as lições do passado e do jornalismo internacional. O otimismo inicial de boa parte da crítica especializada em relação à possível reversão dessa tendência após os ataques suicidas em solo americano não parece ter se sustentado. Houve, sim, uma reação imediata do público. Os primeiros índices apontavam um novo cenário, mas, por vários motivos, não foi possível aproveitar a oportunidade e virar o jogo. Se os noticiários de TV estão em crise, o segmento internacional vive dias de desespero. Está numa verdadeira encruzilhada. Ao ser obrigada a reduzir custos para sobreviver, a cobertura internacional se torna imóvel e burocrática. A criatividade para buscar alternativas encontra enormes resistências de toda a ordem. O jornalismo internacional precisa ser sustentado por guerras ou desastres para sobreviver.

Reduzir custos não é necessariamente o fim do jornalismo. É claro que se torna difícil ou quase impossível para aqueles que convivem com salários e despesas de embaixadores. Buscar novas pautas e tecnologias dentro dos padrões estabelecidos da ética, ou investigar o inusitado, não parece fazer parte de um novo menu de opções para boa parte do segmento internacional.

Cova rasa

E no Brasil? Como esses dados afetam o futuro da nossa cobertura internacional? Se você acredita que, por uma questão de modelo adotado, quase tudo o que acontece na TV americana tende a se refletir de alguma forma em nosso país, então estamos realmente com problemas.

No momento que a nossa categoria ainda está enlutada e perplexa pela morte violenta de um colega em circunstâncias que demandam, por si só, o "melhor" do nosso jornalismo investigativo, talvez estejamos assistindo igualmente à morte da cobertura internacional. Se o jornalismo investigativo na TV com direito às técnicas ocultas vive hoje o seu apogeu, outros segmentos pagam a conta.

A cobertura internacional dos noticiários de TV brasileira é hoje mera caricatura de outras eras. Em se tratando de Copa do Mundo com direito à exclusividade, o massacre do jornalismo internacional no Brasil é ainda mais significativo. O jornalismo se confunde com o marketing da própria emissora e dá-lhe de autopromoção, com divulgação incessante de quebras de recordes nos índices de audiência durante todos os telejornais. Há muito tempo nos acostumamos com a violência das ruas e com a violência de um noticiário que se recusa a manter o distanciamento legítimo entre os seus próprios interesses econômicos e os interesses do público. Afinal, para que tanta notícia? Internacional então, nem se fala ? ou nem se cobre! A pátria de chuteiras, com o telejornalismo a reboque, esquece o resto do mundo e se torna apêndice do plantão das agências internacionais. Ou seja, quase nada.

Independente da Copa, os motivos por esse desinteresse do público está na falta de notícias, está no mundo e… no público. Não se fazem mais guerra fria e meaças de holocausto nuclear como antigamente. Os tempos mudaram e a TV decidiu que ninguém mais se interessa por nada que esteja ocorrendo além das próprias fronteiras. Os fatos recentes e a História comprovam que isso é muito perigoso.

Ainda em relação aos americanos, os dados da pesquisa do Pew Center apontam para um isolacionismo informacional por parte daqueles que decidem o futuro de toda a humanidade. Com todo seu poderio econômico e militar, ao se afastarem das notícias internacionais os americanos parecem apontar para tempos ainda mais difíceis. A informação utilitária imediata supera os dividendos de uma cobertura mais ampla, voltada para a conscientização do público. Globalização não é só abertura de fronteiras econômicas. Deveria ser uma orientação da ordem planetária na qual o jornalismo tem um papel essencial. Mas quando o sucesso se transmuda em índices de audiência e as notícias locais privilegiam as amenidades, existe pouco espaço para o jornalismo investigativo sério. A apuração se confunde com sensacionalismo, torna-se perigosa, mata jornalista e faz com que a cobertura internacional também seja declarada "desaparecida" ? ou enterrada em cova rasa no cemitério do "novo" jornalismo de televisão. Um jornalismo de resultados com jornalistas mortos em todo o tipo de guerras e pautado pela redução de custos, aumento de riscos e do lucro.

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de TV, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ.

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