Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crise nas empresas jornalísticas ou crise do jornalismo?

Alberto Dines

 

P

rimeiro foi o Estadão – demitiu meia centena de jornalistas. Seguiu-se a RBS, que enxugou seus quadros com cerca de 200 demissões, parte delas nas redações. Na Abril, está suspensa a encomenda de colaborações, o chamado “frila”. O grupo Manchete não consegue pagar salários, demite 500, a TV está tecnicamente falida, à venda. O venerando JB, em ruínas, troca profissionais por estagiários e os que estão no comando mostram-se mais desnorteados do que nunca.

Em O Globo nada aconteceu, mas vai acontecer – a idade limite baixou para 55 anos e a idade máxima para contratações agora é 35 anos. O país fica mais velho, mais sábio, e os jornais, mais juvenis e inexperientes.

Estão as empresas jornalísticas prevenindo-se contra o marasmo recessivo de 99? As empresas jornalísticas talvez venham a ser, junto com as agências de propaganda, as menos afetadas pela crise. Em tempos de aperto é preciso anunciar mais, promover mais. Os preços vão cair e quem vai badalar isso serão os anúncios da mídia.

Paga-se agora o preço de um processo de desqualificação que começou nos anos 80. A juvenilização das redações foi feita sob o pretexto de despolitizar os quadros, trazer jovens vitaminados, criados no período do “milagre”. Com eles, vieram o marketing, modas, modismos – o reino das abobrinhas. De cambulhada, desqualificou-se o jornalismo, o esmero, o apuro, a compostura. Começou o nivelamento por baixo.

  • A TV Manchete queria fazer uma programação classe A mas jamais conseguiu manter (e pagar) equipes classe A.
  • O Jornal do Brasil insiste há 15 anos em disputar com O Dia e, agora, enterra-se aos seus pés – trata-se do maior acervo de erros estratégicos já cometidos por um mesmo jornal em tão curto espaço de tempo.
  • O Jornal da Tarde muda a embalagem, gasta uma fortuna para promovê-la, mas o seu problema jamais foi de embalagem.

Ao invés de se enfrentar os diversos veículos do grupo “Globo” com opções mais apropriadas e competentes, criou-se uma histeria coletiva de prestigiar tudo o que pudesse representar prejuízo para as Organizações Roberto Marinho. Resultado: os editoriais de Boris Casoy tornaram-se paradigma de telejornalismo, as picaretagens de Hebe Camargo consagradas como coisa fina, Gugu apontado como prodígio de inventividade e Ratinho, o fenômeno de massas.

O Caso Época é típico: antes mesmo do lançamento da sonolenta revista da Editora Globo, Veja já copiava alguns trejeitos simplistas da sua matriz, a alemã Focus. Copia-se para pior, ninguém procura examinar casos recentes de sucesso empresarial e jornalístico como El País.

O desfibramento atinge os “grandes” :

  • O Estadão tem dois comandos na redação mas quem dá as cartas é a administração.
  • A Central Globo de Jornalismo tem recursos, talentos, experiência, organização, mas D. Marluce estabelece os padrões. Ditados pelos índices de audiência e as necessidades de faturamento.
  • Para comemorar seu 30º aniversário, Veja vem cometendo uma sucessão inacreditável de deslizes jornalísticos.
  • A Folha está parecendo o velho Correio da Manhã, inebriado com suas audácias e modernidade.
  • A Gazeta Mercantil, outrora o jornal-pauta, está irreconhecível.

Estamos assistindo a um processo de degradação jornalística sem paralelo em nossa história. Com a cumplicidade dos jornalistas-executivos, aqueles que nos seminários idolatram os leitores mas, no dia-a-dia, massacram suas necessidades informativas e culturais mais elementares. Pensam que estão apenas enterrando uma fase na vida da nossa imprensa. Estão enterrando a própria noção de imprensa quando imaginam que se pode fazer jornalismo sem jornalistas.