Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Cristiane Costa

A MODERNIZAÇÃO DA IMPRENSA

“Por uma história da mídia no Brasil”, copyright Jornal do Brasil, 15/02/03

“À frente do núcleo de mídia do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas, a socióloga Alzira Alves de Abreu tornou-se a principal autoridade sobre a história da imprensa no país. Coordenadora do monumental Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-30, de cinco volumes, ela conseguiu resumir nas 65 páginas de A modernização da imprensa, título recém-lançado da coleção Descobrindo o Brasil (Jorge Zahar Editor, R$ 14), o processo de extinção e transformação dos principais jornais brasileiros entre 1970 e 2000. Diretora executiva da Editora FGV desde 1994, ela prepara ainda para este ano a publicação de dois livros: Os jornalistas que mudaram a imprensa e Mídia e política, em que, além de uma grande pesquisa realizada por ela sobre o jornalismo econômico, há o trabalho de Fernando Lattman-Weltman sobre o papel da imprensa na transparência das decisões políticas, e o de Mônica Cortez, a terceira integrante do núcleo, sobre a reconstituição da história através das minisséries da TV Globo. O grupo começou a se formar em 1996, com a publicação de A imprensa em transição: O jornalismo brasileiro nos anos 50, livro que acabou rendendo um projeto maior: hoje Alzira coordena a pesquisa ?Brasil em transição: um balanço do final do século 20?, em que se discute o papel dos militares, do Estado, das relações internacionais, e, é claro, da imprensa e dos jornalistas nesta transição.

– Como funciona o núcleo de mídia da Fundação Getúlio Vargas?

– Nós trabalhamos a mídia com a perspectiva da sociologia, da história e da ciência política. Estamos interessados no papel da mídia num período específico: a fase de transição do regime autoritário para o regime democrático. A meu ver, a mídia teve um papel fundamental nesta transição. Estou muito interessada em ver como os jornalistas mudaram e, principalmente, como a imprensa mudou.

– No que os jornalistas de antes eram diferentes dos de agora?

– Antes dos anos 60, o jornalista era um romântico, não tinha hora para sair do jornal, depois ia para o bar e chegava em casa de madrugada. Aí veio o regime militar, e com ele a censura e a profissionalização. Os militares incentivaram a modernização da imprensa, facilitaram a compra de equipamentos, a construção dos grandes prédios ao mesmo tempo em que censuravam e prendiam jornalistas. Neste momento, há uma mudança no perfil do jornalista, que se profissionaliza – se eu disser isso os mais velhos não vão gostar, porque vão dizer que eles também eram profissionais. Tamb&eacueacute;m muda o perfil do jovem que entra no jornalismo, nos anos 60 e 70. Ele não pode mais atuar na editoria de política, que está cerceada. Então, vai para a editoria de economia. A grande mudanças da imprensa desta época se dá na cobertura econômica.

– Em que sentido?

– Num primeiro momento, os jornalistas estavam presos ao discurso dos tecnocratas, dos ministros. Mas foi através das editorias de economia que se começou a contestar abertamente o regime. É algo que se pode ver acompanhando a evolução da cobertura de economia. A partir do final dos anos 70, quando se dá a abertura, entra com força total o jornalismo investigativo. Há inclusive trabalhos mostrando que, na América Latina, a imprensa investigativa começa a surgir a partir dos anos 70.

– Mas não se fazia jornalismo investigativo antes?

– Isso é assunto para muita discussão, porque, quando se entrevista os jornalistas do período anterior, eles dizem que o jornalismo investigativo só existiu até os anos 70 e que daí em diante não existiu mais. O que acontece é que, a partir dessa época, ele ganha outra face, que é o denuncismo. É claro que há um lado muito negativo em se denunciar tudo, mas também não podemos esquecer que há um lado positivo. Ele impossibilita a conivência de certos jornalistas e donos dos jornais com os políticos. Se não publicar a denúncia, outro jornal vem e publica. Nesse sentido, o jornalismo investigativo começa com a abertura política. E foi ele que levou ao impeachment de Collor. Essas mudanças que aconteceram na imprensa nos últimos anos foram extremamente importantes para o país como um todo. Por isso, o livro que estou trabalhando agora é sobre o jornalismo investigativo e o jornalismo cidadão. A imprensa hoje está muito mais voltada para a cidadania. É isso que quero mostrar: como a partir da redemocratização, a pauta do jornal mudou.

– Em A modernização da imprensa, você fala de um pesquisa feita com 55 jornalistas brasileiros. Qual foi o objetivo?

– Quis traçar o perfil do jornalistas. Comecei entrevistando jornalistas da geração que nasceu nos anos 30 e começou sua vida profissional nos anos 50. Depois, entrevistei nascidos na década de 50 que começaram sua vida profissional nos anos 60 e 70. São gerações muito diferentes. A primeira não teve formação universitária, uns poucos fizeram curso de Direito, alguns não fizeram nem mesmo o curso secundário. Já na geração seguinte, observei que a maior parte dos jornalistas tem curso universitário, de jornalismo ou de história.

– Quem foi entrevistado? Estas entrevistas serão publicadas?

-Estou acabando um novo livro: Os jornalistas que mudaram a imprensa. Escolhi seis jornalistas que em meio a essa transição introduziram mudanças significativas na imprensa. A começar por Alberto Dines, que consolidou a reforma do JB. Evandro Carlos de Andrade, que fez a reforma de O Globo. Mino Carta, que criou a revista Veja, depois a IstoÉ, e ainda a Carta Capital. Augusto Nunes, que fez a reforma do Estadão e depois a da Zero Hora. Roberto Muller, que reformou a Gazeta Mercantil. E Otávio Frias Filho, que fez a reforma da Folha de S. Paulo. Eles me deram entrevistas longas sobre sua trajetória. E, para cada um, fizemos um texto introdutório. Por exemplo, quando falamos de Augusto Nunes, mostramos que tipo de jornal era o Estadão, cujas mudanças começaram nos anos 50, antes mesmo do Jornal Brasil. A mesma coisa para o Zero Hora.

– Os livros sobre a história da imprensa brasileira, como os de Nelson Werneck Sodré e Juarez Bahia, pecam por falta de precisão. Falta ao Brasil uma história da imprensa sistematizada?

– No Dicionário histórico-biográfico, que organizei, é possível encontrar a história dos principais jornais. Mas realmente o dicionário não dá conta das mudanças de perfil de cada órgão de imprensa.

– Os dados que você apresenta em A modernização da imprensa são impressionantes. Em 1950, o Rio de Janeiro tinha 22 jornais. Em 60, tinha 16. Em 70, sete. Hoje apenas cinco de médio e grande porte.

– Hoje, no Rio, nós temos o Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, o Extra e a Tribuna da Imprensa. E acabou. De grandes jornais, de circulação nacional, só dois.

– E a que você atribui essa diminuição brutal?

– À modernização do sistema de comunicação, não só no jornal, também na televisão, montado pelos militares. A tendência na década de 70 era concentrar. Há trabalhos que falam que os jornais acabaram por problemas políticos, mas não é bem assim. O Correio da Manhã, por exemplo, tinha problemas de gerenciamento. O Diário de Notícias também já vinha mal. Aí entra o governo pressionando, cortando publicidade, crédito em banco, o jornal fecha. Era uma questão de se adaptar às novas condições. E tem o problema, que às vezes a gente esquece, do preço do papel. As empresas todas se endividaram e estão endividadas em dólar. Quando o dólar dispara, como elas pagam as dívidas? Estão todas numa situação muito ruim.

– O papel do jornalista também mudou entre 1970 e 2000?

– O jornalista não é mais o porta-voz da opinião pública. Até os anos 60, ele se via claramente neste papel. Mas foi substituído pela pesquisa de opinião. Cheguei a ouvir de um jornalista: imagina se a gente ouvia leitor? Se pensasse assim, nunca teria feito a reforma do JB, porque as empregadas domésticas, que eram as principais leitoras na época, não iriam gostar. Se deixou de ser porta-voz da opinião pública, hoje o jornalista ganhou um papel fundamental na transparência das decisões políticas. Daí também estarmos fazendo uma pesquisa sobre a relação da imprensa com os procuradores da República. Os procuradores, a partir da Constituição de 88, foram se aliar a quem em sua busca por maior transparência? Aos jornalistas.

– Seu livro anterior, A imprensa em transição, marcou a aproximação entre história e jornalismo. Porque até recentemente a imprensa não era objeto de estudo dos historiadores, apesar de ser uma de suas principais fontes?

– Foi a própria história que mudou. Até muito recentemente os historiadores não admitiam estudar a história do tempo presente. Outro problema para quem se dedica à história do jornalismo é a dificuldade de acesso às coleções dos jornais. Onde estão os arquivos dos que fecharam, como o Correio da Manhã, Diário Carioca e Diário de Notícias? Mesmo os jornais ainda em funcionamento não abrem seus arquivos para os historiadores. Como é que se sabe da história dos jornais? Na comemorações de centenários, por exemplo, quando se faz um caderno especial.”

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