Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cristiane Costa e Catherina Epprecht

GLAUBER JORNALISTA

“Jornalista Glauber Rocha”, copyright Jornal do Brasil, 3/05/03

“Aos 22 anos de idade, Glauber Rocha não passava de uma promessa. Em 1961, o cineasta tinha em seu currículo apenas os curtas O pátio, de 1958, e A cruz na praça, de 1959. Mas foi nas páginas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil que se tornou nacionalmente conhecido. Jornalista antes de ser cineasta, é curioso que sua primeira matéria, ainda num jornal da Bahia, tenha sido uma reportagem policial.

Foi na imprensa que se criou Glauber, o cineasta, o polemista e talvez até o mito. Especialmente após a colaboração com o SDJB, indispensável para o movimento de cinema novo. O próprio Glauber registra isso no livro Revisão crítica do cinema brasileiro, publicado pela primeira vez em 1963 e agora reeditado pela Cosac & Naify, dentro da coleção Glauberiana, organizada por Ismail Xavier.

Nas páginas do jornal, foi consolidado o slogan do cinema novo: ?Uma câmara na mão e uma idéia – este lema valeria, em 1961, como meu cavalo de batalha nas páginas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil?, conta Glauber no artigo ?Independentes?.

Glauber Rocha não batia ponto na redação do Jornal do Brasil, era apenas mais um colaborador de um suplemento que marcaria a história da imprensa brasileira por sua diagramação ousada e o debate cultural de altíssimo nível. Nas páginas do suplemento criado por Reynaldo Jardim, escreviam nomes como Ferreira Gullar, Mário Faustino, Sérgio Paulo Rouanet, José Guilherme Merquior, José Lino Grunewald e Carlinhos Oliveira. Um bando de jovens e desconhecidos, como Glauber.

– Não me lembro do Glauber na redação. Ninguém sabia quem ele era. Só ficou conhecido depois – conta Wilson Figueiredo, hoje vice-presidente do Jornal do Brasil.

Ainda que desconhecido, Glauber já começava a gerar polêmica. Seus dois primeiros artigos no Suplemento, publicados em 7 e 14 de janeiro de 1961, eram respostas agressivas ao jornalista Paulo Francis, que atacara a Escola de Teatro da Universidade da Bahia. A pesquisadora Ivana Bentes, organizadora de Cartas ao mundo, com a correspondência de Glauber e autora de Joaquim Pedro de Andrade, afirma que a polêmica que provocava com seus artigos no jornal foi um aspecto fundamental na vida de Glauber.

– Mais do que pelos filmes, ele se tornou um personagem público por conta da polêmica no jornal.

A repercussão era ainda maior, porque o SDJB já tinha uma postura tradicionalmente questionadora.

– Nessa época ele esteve em contato com grandes questões das artes plásticas. No SDJB também estava sendo feita uma discussão literária de alto nível. Além disso, foi no Suplemento que se consolidou o termo cinema novo, que ele também chamava de cinema ?bossa nova? – conta Ismail Xavier, organizador da nova edição de Revisão crítica do cinema brasileiro.

O jornalista Sérgio Augusto tem lembranças da agitação de Glauber na época da imprensa estudantil, no jornal Metropolitano, da PUC, no qual também escreviam Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Vianinha e David Neves:

– Ele tinha aquela exuberância de baiano, adorava gerar discussão. Uma vez saiu dizendo que José de Alencar era muito melhor que Machado de Assis e que Jorge Amado era melhor que Graciliano Ramos.

Segundo Sérgio Augusto, apesar das confusões, o cineasta/jornalista era muito carinhoso com os colegas. E arrisca uma explicação para a radicalidade de Glauber:

– Eu achava suas histórias deliciosas. Fazia estas coisas para levantar questões, para fazer pensar.

De fato, nos anos 60, o jornal era mais um lugar de produção de pensamento que um meio de divulgação. E Glauber não o entendia de forma diferente. Para defender a idéias em sua cabeça, não media palavras.

– O jornal para o Glauber era uma espécie de tribuna pública – comenta Ivana Bentes, que recolheu, para uma pesquisa sobre o Glauber jornalista, grande quantidade de artigos publicados na imprensa, tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, de 1958 a 1981.

– São artigos bem opinativos. Há análises, mas também muita opinião. Glauber não tinha muitas papas na língua e estava muito preocupado com o que era bom ou ruim para o cinema brasileiro.

Uma de suas preocupações era desenvolver uma forma engajada de fazer cinema. No livro e em artigos da época percebe-se sua preocupação com um cinema revolucionário. Era veemente e radical a ponto de chamar de fascista o filme O cangaceiro, ganhador da menção honrosa do Festival de Cannes, pelo seu apelo ao nacionalismo.

– Glauber não era de fazer gracinhas. Era um homem bomba – comenta Reynaldo Jardim, criador do SDJB. – Ele ia ao jornal com alguma freqüência, mesmo quando era para não entregar artigos. Podia não conhecer toda equipe. Mas toda equipe já o admirava pelo talento e rebeldia. Por lá ele sempre foi muito querido.

Sua relação com os jornalistas da época era pacífica, não só por ser um deles, mas também porque muitos jornalistas defendiam o cinema novo. Os cineastas é que sofriam em sua mão.

A nova edição de Revisão crítica do cinema brasileiro traz uma fortuna crítica com algumas das reações à sua primeira edição. Entre elas, uma de B. J. Duarte, publicado em 10 de novembro de 1963, logo que a obra foi lançada, trazendo uma bela descrição de Glauber e de sua forma de escrever: ?De seu físico me lembro bem: rapaz magro, de roupa e cabelo desalinhados, falando com volubilidade e grandes gestos abarcando a frase. De seu espírito pude avaliar o peso através de seus escritos na imprensa carioca, ou pelo testemunho de amizade comum (…) Pois bem, ao ler agora a obra de Glauber Rocha, parece-me que estou a vê-lo, cabelos revoltos e roupa desmanzelada… Porque seu livro se parece com ele, na linguagem pouco cuidada, naquele seu estilo irreverente, às vezes desabrido.? Mas nos quatro artigos seguintes, publicados no mesmo ano, B. J. Duarte mete o pau no cineasta e no livro. De pedra, o polemista virou vidraça.”

 

GAROTINHO SECRETÁRIO

“Recte Rempublican Gerere”, copyright Jornal do Brasil, 29/04/03

“O novo secretário de Segurança do Rio de Janeiro garantiu à população, sexta-feira, que nenhum bandido terá coragem de tocar num homem de Deus. Não está claro se o ex-governador quis dizer que os pastores, padres e rabinos estão a salvo ou se é ele que, evangélico praticante, se considera um homem escolhido.

Se a primeira hipótese for verdadeira, pode-se prever um aumento significativo de vocações religiosas nos próximos dias. Tornar-se um legítimo homem de Deus, qualquer que seja a sua fé, é um preço baixo para se estar a salvo dos bandidos do Rio. Mas não há como garantir isso. Com uma convicção maior ainda que a do secretário fluminense, Saddam Hussein garantiu ao seu povo, no dia 20 de março, que ?aqueles que lutarem em nome de Deus sairão vitoriosos?.

Naquele discurso de 16 parágrafos, Saddam citou Deus 17 vezes. É arriscado garantir coisas em nome Dele. Sobretudo quando se está confrontando o poderio das forças armadas dos EUA ou da bandidagem do Rio. Isso acontece junto com a segunda hipótese, isso é, quando o orador se considera um eleito pelo Criador. É como Saddam se dirige à sua gente: ?Em nome de Deus, o piedoso?.

Saddam rejeitou até o fim a estética do que ele considera colonizadores. Apesar dos milhões que rolavam nos palácios, sua cenografia era a de um filme da Boca do Lixo. Velhas mesas de escritório, uma cortina sombria, de estranhas cores e mal fechada, iluminação chapada e uma indefectível águia presa grosseiramente atrás de sua mesa. Não é a melhor forma de ganhar a simpatia do povão num mundo globalizado.

Com Garotinho é diferente. Todos os jornais do país vão estar estampando hoje o beijo na boca lascado em sua mulher Rosinha na cerimonia de posse, ontem, de sua secretaria. Quem pode ficar contra o casal depois de uma foto assim? Foto muito parecida, aliás, com a que ficou famosa na própria posse da governadora, ela de rosa, vestido esvoaçante, bailando com o esposo de mãos dadas, como Ginger e Fred não fariam melhor.

Quer dizer, fariam. Mas Hollywood é Hollywood, o Palácio Guanabara é o Palácio Guanabara. E Garotinho, que já foi ator, deve ter visto Busby Berkeley em alguma velha sessão do cinema de Campos que o Bradesco destruiu e ele, em represália, transformou no belo Teatro Trianon.

Fico imaginando Garotinho, de bigode, na frente de uma cortina mal passada, o brasão do Estado do Rio de Janeiro, mal proporcionado, cai-não-cai, por detrás. Também esse brasão, instituído pela lei 5.138 de 7/02/63 e interpretado pela lei 5.588 de 5/10/65, tem uma águia, ?representando o governo forte, honesto e justo, portador de mensagem de confiança e esperança a todos os rincões do estado?. Oval, simboliza ?os anseios cristãos do povo fluminense?. À direita há uma haste de cana, à esquerda um ramo de cafeeiro frutado. A silhueta da Serra dos Órgãos, destacando-se o Pico do Dedo de Deus. O azul, ?representando a Baixada Fluminense?, cortado de azul, ?lembrando o mar de suas praias?.

Há nele também duas inscrições, que não muitos cariocas e fluminenses se deram ao trabalho de ler. A primeira, ?9 de abril de 1892?, lembra a promulgação da primeira Constituição do Estado do Rio de Janeiro. A outra, ?Recte Rempublican Gerere?, quer dizer ?gerir a coisa pública com retidão? e traduz, segundo a lei, ?a preocupação constante do homem público do nosso Estado?.”

 

LIBERDADE DE IMPRENSA

“Pouco a comemorar”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 2/05/03

“Dia 03/05 é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Apesar da importância da data, há pouco a comemorar. Os números de jornalistas assassinados, feridos e presos são desanimadores. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, entre 01/01/03 a 30/04/03, 17 profissionais de imprensa foram mortos por causa de suas opiniões ou enquanto desenvolviam os seus trabalhos. A Associação Mundial de Jornais (World Association of Newspaper -WAN) e a RSF prepararam edições especiais em seus sites.

Segundo a WAN, 22 jornalistas foram assassinados desde o início do ano em todo o mundo, número diferente daquele informado pela RSF. As organizações dizem que, desde o início do ano, 136 profissionais de imprensa foram presos. De acordo com RSF, hoje há 128 deles ainda encarcerados. Destes, 30 estão em Cuba. Foram violentamente atacados 246 jornalistas e 120 escritórios de mídia foram censurados.

Os números incentivaram a ONG e a associação a promover uma campanha publicitária para lembrar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A idéia, que tem o apoio da Associação Nacional de Jornais, é criar um forte impacto, com a publicação de um mesmo material – ao lado – em jornais de todo o mundo.

Também junto com a Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a ANJ está organizando o seminário ?Exercendo a Liberdade de Imprensa?, que acontece no próximo dia 08/05, das 14h às 19h, no Naoum Plaza Hotel, em Brasília. Além de promover um amplo debate sobre o tema, os organizadores querem discutir e elaborar a construção de uma rede de comunicação nacional de liberdade de imprensa, favorecendo a troca de informações e cooperação entre instituições e entidades. Se tudo der certo, isso pode ser ampliado para uma rede internacional – para informações sobre programação e inscrição, clique aqui.

De acordo com explicação dada pela WAN à ANJ, o dia 03/05 marca o aniversário da Declaração de Windhoek, uma declaração de princípios redigida por jornalistas africanos em 1991, que clamavam por uma mídia livre, independente e pluralística naquele continente e em todo mundo. A Declaração afirma que uma imprensa livre é essencial para a existência da democracia e um anseio humano fundamental.

A liberdade de imprensa no mundo, segundo RSF

Repórteres Sem Fronteiras aproveitou a data para divulgar o Informe Anual de Liberdade de Imprensa. O documento, relacionado ao ano passado, diz que a situação da liberdade de imprensa no Brasil vem sendo um motivo de grande preocupação. O Informe lembra os assassinatos de Tim Lopes e Sávio Brandão e que a Justiça aproveitou o ano eleitoral de 2002 para exercer a censura. Casos como o do Correio Braziliense, que, por determinação do Tribunal Regional Eleitoral, sofreu busca e apreensão de exemplares, com o intuito de proibir a divulgação de fitas que envolviam o governador Joaquim Roriz à grilagem de terras, são citados.

De um modo geral, segundo o Informe, a liberdade de imprensa se agravou em vários países, como Colômbia e Venezuela. Em nenhum deles foram registraram progressos sensíveis. O continente americano, segundo o Informe, continua sendo uma terra de contrastes. ?Junto a países respeitosos com a liberdade de imprensa, como os Estados Unidos da América do Norte, Equador, República Dominicana e Uruguai, persistem países como Cuba e Colômbia, onde as autoridades e grupos armados se negam a dar esse direito?.

O documento enfatiza que os EUA se deixaram abater pelos efeitos de 11 de Setembro. ?Em sua guerra contra o terrorismo, a administração Bush se preocupa com o controle de sua imagem. Na base militar de Guantanamo, essa posição se traduz na crescente imposição de restrições aos jornalistas, cujas primeiras fotos dos prisioneiros causaram um grande impacto na comunidade internacional?.

Quanto ao Oriente Médio, RSF traz informações de um programa da ONU que afirma que o mundo árabe é o último lugar em liberdade de imprensa atrás de todas as outras regiões do mundo, embora haja tentativas claras de restabelecer uma imagem positiva dos países da região desde que aconteceram os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono.

RSF preparou um informe sobre as violações à liberdade de imprensa durante 2002 em 156 países e também uma lista do que chama ?42 predadores da liberdade de imprensa?. Entre eles estão Fidel Castro e Vladimir Putin.”

“Iraque, Cuba e Vietnã são os piores lugares do mundo para jornalistas”, copyright Folha Online / France Presse (www.folha.com.br), 2/05/03

“Iraque, Cuba e Vietnã lideram a lista dos piores lugares do mundo para exercer o jornalismo, de acordo com uma lista divulgada hoje pelo Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ), baseada em ameaças reais à liberdade de imprensa.

A Colômbia também foi incluída na relação junto com Afeganistão, Tchetchênia, Cisjordânia, Gaza, Eritréia, Togo e Belarus.

O Iraque é o número um da lista por causa do alto número de profissionais mortos durante a invasão liderada pelos Estados Unidos.

Nas três primeiras semanas do conflito, nove jornalistas morreram em ação por fogo de ambos os lados, minas ou atentados suicidas. Outros quatro faleceram em acidentes ou por doenças, enquanto vários ficaram feridos e dois continuam desaparecidos.

?Embora a maioria dos combates pareça ter terminado, as condições para os repórteres continuam sendo precárias?, disse a CPJ num comunicado. ?Vandalismos, disparos e ataques físicos podem fazer do Iraque uma missão perigosa num futuro previsível?, acrescentou.

Cuba foi lembrada pela onda de repressão contra os dissidentes lançada em março pelo regime do presidente Fidel Castro. De acordo com a entidade, 28 jornalistas foram presos e condenados em julgamentos sumários, sentenciados a períodos entre 14 e 27 anos de prisão.

?A repressão sem precedentes em sua natureza é o ápice de anos de repressão e intimidação, incluindo prisões, exílios forçados, confisco de bens, suspensão dos serviços telefônicos e uma perseguição orquestrada por máfias pró-governo?, segundo o grupo.

No Vietnã, terceiro na lista, a CPJ destaca a intensificação da repressão do governo contra escritores independentes e dissidentes políticos do Partido Comunista.

?O governo, no geral, acusa os jornalistas independentes de pôr em risco a segurança nacional e trata até as críticas moderadas ao governo ou o apoio às reformas democráticas como ofensas traidoras?, justificou.

A organização acrescentou que oito jornalistas estão atualmente presos no Vietnã ou em prisão domiciliar, incluindo vários que foram detidos como parte de uma ofensiva contra o jornalismo on-line.”