Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Cristina Rigitano

CALDEIRÃO DO HUCK

“R$ 40 mil ou uma soneca”, copyright Folha de S. Paulo, 6/04/03

“NOVA atração do ?Caldeirão do Huck?, da Globo, o jogo ?Guerra do Sono? vai mostrar o esforço de 40 pessoas para se manterem acordadas a fim de embolsar o prêmio de R$ 40 mil. O jogo vai ao ar a partir do próximo sábado. Ganha quem ficar acordado por mais tempo. Nos EUA, um jovem ganhou após ficar mais de 48 horas acordado.

O apresentador Luciano Huck diz que o quadro será um dos trunfos do programa. ?A gente gravou o primeiro jogo nesse fim de semana [passado? e ficou muito engraçado, divertido?, afirma.

Nas primeiras 24 horas, os jogadores podem relaxar, mas quem cochilar leva um pequeno eletrochoque, através da ?pulseira anticochilo?. ?É uma cosquinha [sic?, não é maldade. O cara fica louco! Sai pulando. É muito engraçado.?

Depois de 24 horas, quem pregar o olho está fora. Nessa fase, os participantes, já esgotados fisicamente, serão submetidos a provas físicas e de rapidez de reflexo e raciocínio.

Especialistas dizem que a competição faz mal à saúde. ?O cansaço mental é um mau-trato. A falta do sono altera todo o ritmo do organismo. Aliada ao esforço físico, pode levar à ansiedade, agressividade, depressão?, afirma o neurologista Deusci Alves Silva.

Seu colega Salim Michel Yaseji diz que os participantes são passíveis de distúrbio comportamental. ?Esse jogo não é interessante. A pessoa pode ter esgotamento físico e mental. Quando quiser dormir, há risco de insônia.?

O médico diz que pessoas portadoras de epilepsia não devem participar. ?A falta de sono pode desencadear um ataque epiléptico. É preciso que se faça eletroencefalograma antes. Muita gente sofre de epilepsia e nem sabe.? A emissora não divulgou a quais exames os participantes foram submetidos.

Segundo Huck, há um médico de plantão. ?Não há problema físico em virar noite. Os sistemas ficam debilitados, os reflexos menos aguçados, a visão menos precisa. Mas não há perigo. Senti neles só um pouco de mau humor.?

A psicóloga Tereza Nobrega acredita que o ?game? do ?Caldeirão? vai chamar a atenção do público. ?O ser humano, para se sentir um pouco melhor, tem que ver alguém pior. Quadros como esse são degradantes, apelativos.?

Huck não concorda. ?Não é nada degradante. Se fosse, a Globo não colocaria no ar, e eu não faria.?

Segundo ele, a atração será bem-humorada: ?Senão, parece que a gente está maltratando; eles estão ali porque querem. Não é pela audiência. É pelo jogo?.”

 

TELENOVELAS

“Vela e pena ver de novo?”, copyright Folha de S. Paulo, 6/04/03

“DIFÍCIL não bater aquela sensação de ?déja vu? ao sintonizar uma novela e dar de cara com cenas de amores mal-resolvidos do passado que se transformaram em ódio, cinquentonas namorando garotões, relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e outros clichês. ?Acredito que o público goste de uma história bem contada. Se consigo isso, ótimo. Não existe fórmula?, afirma Manoel Carlos, 70, autor de ?Mulheres Apaixonadas? (Globo, 20h55), que agora parece estar engrenando na audiência -já atinge 45 pontos (cada ponto equivale a 48,5 mil domicílios na Grande SP). O novelista conta de onde vêm suas histórias: ?A do padre [que se apaixona?, eu conheci pessoas que viveram esse amor proibido. A da filha do porteiro que tem vergonha do pai, me foi contada pela professora do meu filho. Compro jornais de vários Estados e de cidades do interior de São Paulo e recorto tudo o que me interessa?. Para o autor de ?O Beijo do Vampiro? (19h), Antonio Calmon, é preciso mexer nas velhas receitas. ?Claro que existem fórmulas e estratégias. Acho que você tem que servir sempre o mesmo prato, senão desaponta os telespectadores, mas com um tempero diferente, para não acharem a novela realmente repetitiva.? Calmon diz que esse tipo de crítica parte de uma elite cultural. ?São pessoas a quem as novelas não são destinadas, consumidoras de produtos mais sofisticados, como filmes, canais a cabo ou DVDs, e que têm uma visão político-totalitária da cultura?, afirma. Ricardo Linhares, que assina ?Agora É Que São Elas? (18h10), observa que cada vez que um autor usa uma trama recorrente, a aborda com os olhos de hoje. Ele exemplifica com o velho ?golpe da barriga?, que a bailarina Pâmela (Karina Bacchi) vai aplicar no ricaço Vitório (Paulo Vilhena) na sua novela. ?São as histórias do cotidiano com novas roupagens.? Só que essa releitura esbarra, muitas vezes, num obstáculo, segundo Linhares. ?O que deu certo numa época pode não dar em outra. Depende do público. É a partir da reação dele que o autor vai enfatizar ou não um assunto.?

Cobranças

Para Silvio de Abreu, cuja última trama produzida foi ?As Filhas da Mãe? (2001/ 2002), a questão tem outro componente: a urgência para que a novela emplaque. ?A maioria dos noveleiros leva um tempo para se acostumar às novidades, e, do jeito que a concorrência entre as redes se acelerou, nenhuma emissora se arrisca a esperar.? Glória Perez recorda que um de seus maiores sucessos, ?Barriga de Aluguel? (90/91), nada mais era do que um megaclichê da dramaturgia: duas mães que disputam um filho. ?Mas, quando fiz com que as rivais fossem uma mãe-de-aluguel e uma mãe biológica, o velho conflito vestiu roupa nova?, observa a autora de ?O Clone? (2001/2002), o maior sucesso de público da Globo desde que o Ibope adotou seus atuais critérios de medição de audiência (veja quadro). Glória acrescenta: ?Eu não corro atrás do inédito. Sou antenada com o mundo à minha volta. Escrevo sobre coisas que estou vendo acontecerem?. Ana Maria Moretzsohn, autora de ?Sabor da Paixão?, concorda. ?A situação de amar um inimigo é normalmente ligada a ?Romeu e Julieta?, mas há muitas histórias que têm a mesma situação dramática e nem por isso são parecidas?, diz. Gilberto Braga também não vê problema. ?Se você beijou alguém bonito uma vez, não há motivo para não beijar a segunda e a terceira, há??, compara o autor de ?Celebridades?, a próxima das oito. Carlos Lombardi, autor de ?Kubanacan?, que estréia no próximo dia 21, às 19h, brinca: ?Se a história tiver algum tema inédito, pode me processar?.

Teóricos

Para Renata Pallottini, escritora e orientadora de mestrado e doutorado da Escola de Comunicações e Artes da USP, certas fórmulas estão desgastadas, e o público está se cansando. ?Mas a novela ainda tem vida longa.?

Mauro Alencar, doutorando em telenovelas da USP, acha que, com a exibição de mais de 500 novelas diárias, há 40 anos, fica difícil para os autores descobrir temas novos. ?O público se ressente da falta de mudanças geográficas nas locações e da utilização da literatura nos textos. Aqui deveria haver escolas para formar autores, como no México?, diz.

O diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger, crê que a distinção da teledramaturgia da emissora ?é o toque de realidade? que aumenta o vínculo do telespectador com a novela. ?Os sentimentos são os mesmos. Diferente é a forma de tratá-los. Não há fórmula: depende da empatia com o público.?”

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“Hispânicas têm público, apesar de seus clichês”, copyright Folha de S. Paulo, 6/04/03

“O SBT colhe resultados nas duas frentes que abriu, a novela hispânica de verdade e a brasileira adaptada: a infantil ?Viva as Crianças? teve pico de 18 pontos no ibope na semana passada, enquanto que a adaptação de ?Pequena Travessa?, de Ecila Pedroso, termina na sexta marcando 16.

Ecila diz que a emissora quer ?fazer novela com essência de folhetim?. Para ela, ?o SBT investe nesse gênero porque quer conquistar um novo público?.

Ecila reescreve totalmente os diálogos, tentando dar características mais brasileiras aos personagens, sem, contudo, modificar as situações dramáticas, uma exigência contratual. ?Os mexicanos são muito passionais. Transformamos isso.?

Para o diretor artístico da Record, Del Rangel, a opção pela colombiana ?Um Amor de Babá? -que vem dando três pontos- foi por tratar-se de uma comédia. ?Como ela vai ao ar no horário do ?Jornal Nacional?, da Globo, é uma opção para quem não quer ver a guerra.?

Para Rangel, o público que acompanha a paixão da babá pelo patrão busca algo ?facilmente deglutível?. Nós, brasileiros, é que sofisticamos a novela, fazendo com que ela leve o público a pensar?, diz.

A trama será exibida até agosto ou setembro, e depois podem vir produções nacionais. ?Estamos terminando a construção dos dois estúdios para gravação de novelas já no ano que vem?, afirma.

A Rede TV! acreditou tanto na colombiana ?Betty, a Feia? que desdobrou os capítulos da novela em dois. Deu certo: a Feia é vista por cerca de 480 mil pessoas só na Grande SP. ?Ela é a gata-borralheira que encontra o príncipe, só que é pobre e feia?, define a gerente de Comunicação da emissora, Vera di Jardim.”

 

O INFORMANTE

“Mídia e moral num debate aberto”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/04/03

“Martin Scorsese não é só um grande diretor. É também um grande estudioso de cinema e não necessariamente do americano. Sabe tudo sobre o neo-realismo italiano e possui, em seu altar de cinéfilo, uma vaga permanente para Glauber Rocha, principalmente o de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Scorsese considera Fogo contra Fogo um dos melhores, senão o melhor, filme americano dos anos 1990. No Brasil, o thriller de Michael Mann com Al Pacino e Robert De Niro só colheu pancadas dos críticos. Talvez seja o caso de se rever o filme. Na sua obra seguinte, O Informante, Michael Mann deu um salto de qualidade tão imenso que talvez ele já estivesse sendo mesmo preparado no trabalho anterior. E logo veio Ali, a cinebiografia de Cassius Clay, aliás, Mohammed Ali. Mann é hoje um grande diretor americano.

Você poderá confirmá-lo hoje na TV aberta, no SBT, que mostra o magnífico O Informante (veja ficha e horário abaixo). Há três anos, tendo de escolher entre esse filme e Beleza Americana, a Academia de Hollywood cedeu aos artifícios cênicos e de roteiro de Sam Mendes e preferiu premiar o outro. É uma daquelas injustiças que, volta e meia, fazem desistir do Oscar. O Informante não é só um thriller corajoso sobre (e contra) a indústria do tabaco, mostrando como um alto executivo e cientista denuncia tudo aquilo que queima com o cigarro. Também não é só a história de um jornalista que tenta ir fundo para pôr no ar a grande reportagem que denuncia interesses econômicos.

A história do executivo é real. Jeffrey Wingand realmente denunciou as substâncias químicas a que a indústria tabagista recorre em seus produtos e que criam dependência e ainda desenvolvem doenças como o câncer. O jornalista Lowell Bergman, produtor de 60 Minutos, realmente lutou para veicular a entrevista explosiva que Wingand se dispôs a dar ao programa. Um perdeu a família, afundou no álcool e foi ameaçado de prisão, porque estava preso por um contrato de sigilo à empresa da qual fora demitido. O outro bateu-se para provar a função social da imprensa como quarto poder ou foi só por narcisismo, para exibir sua competência profissional?

É um filme sobre a força da palavra num mundo laico que repudia o Verbo como consciência. E é uma tragédia grega, de um homem, ou de dois homens que combatem as fúrias, narrado quase que em forma de oratório, com uma música religiosa (a Litania, de Arvo Paart) que realça e torna mais pungente o processo de devastação moral de Wingand. É um filme extraordinário e Russell Crowe, como Wingand, é a suprema perfeição da arte de representar. A academia preferiu premiar Kevin Spacey, por Beleza Americana. Isso é o Oscar.”