Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Crítica a Marcos Santarrita

David Capistrano Filho (*)

Comentário sobre o artigo Cinco segundos da morte [ver remissão abaixo]

 

S

implesmente abominável o artigo do Marcos Santarrita em defesa da violência policial. Nunca pensei ler, no O.I., um artigo desse tipo. Nem que um jornalista e escritor que, aparentemente, não é beleguim, pudesse “esquecer” o quanto há de violência, brutalidade, sensação (justificada!) de impunidade nas Polícias Militares em geral e nas do Rio e São Paulo em particular.

Deformadas – especialmente no caso de São Paulo – pelas atribuições e controles recebidos durante a ditadura – as PMs dispõem de uma Justiça discricionária, própria, capaz de pérolas como a anulação do julgamento dos bandidos (fardados) de Diadema, capaz de lhes permitir impunidade, por prescrição dos prazos para aplicação das penas. Assassinam durante o ano centenas (ou milhares?) de pessoas absolutamente inocentes, sobretudo jovens da periferia, pobres e negros. De vez em quando, cometem crimes hediondos como esse recentíssimo, em que três jovens – de 14 (sim, Santarrita, 14!), 17 e 21 anos foram raptados, agredidos e friamente executados com tiros na nuca, na Baixada Santista.

Como boa parte do povo, tenho muito mais receio da polícia dos que dos bandidos não-oficializados. Entendo perfeitamente a música do Chico Buarque quando fala “chame o ladrão, chame o ladrão!”. Não é que haja “falhas”, é todo um sistema que precisaria ser desmontado até a raiz, com essa coronelada ficando sem aposentadoria, com essa gente sendo julgada pela Justiça civil, comum, com a radical transformação das escolas e academias de polícia, que formam essa mentalidade primitiva, estúpida, que é a mentalidade “oficial” de nossas PMs (e de nossas polícias em geral).

Santarrita devia se perguntar qual a razão de haver polícias eficientes no mundo (como a inglesa) que agem desarmadas, que não solucionam crimes por meio de tortura etc. Se pensasse um pouco, talvez conseguisse escrever algo diferente dessa opinião superficial, parcial, simplista e revoltante que o O.I. acolheu, demonstrativa de algo terrível: sob a pele do “homem cordial”, a elite brasileira guarda uma ferocidade, uma crueldade, raras no mundo. E essa peste contamina muito mais gente do que se pensa (nem sei se Santarrita é “da elite” ou empesteado…).

(*) Médico e ex-prefeito de Santos

 


(Resposta ao comentário de David Capistrano Filho)

Marcos Santarrita (*)

 

A impressão que eu tenho é que o leitor David Capistrano Filho, em sua arrebatada fúria contra a polícia, nem sequer leu o meu artigo; na verdade, não me reconheço como o alvo da sua indignada resposta. Uma das coisas que digo lá é que não defendo a lei Sivuca, e muito menos a reconhecida brutalidade da polícia, não só carioca, mas de todo o Brasil – e quanto mais longe do Rio, pior. Sou contra a idéia mesma de uma polícia militar: isso é coisa de regimes totalitários.

O que falei foi, exclusivamente, sobre a grita da imprensa carioca contra a reação dos policiais a bandidos que atiram neles; ao que parece, os jornalistas daqui [do Rio] querem que eles se deixem matar como patinhos, não respondam ao fogo; só isso. E, por acaso, em todos os casos de tiroteios recentes, a ação dos bandidos foi frustrada. Quanto à diatribe que o cidadão faz contra a polícia em geral, tem todo o meu apoio. Já fui assaltado, sob a mira de um revólver, e não dei queixa; para a polícia, esse assalto nunca houve; não chego a ser nem uma estatística; talvez, se se levar a coisa a extremos, tenha sido um cúmplice – do assalto de que fui a vítima: quem cala, consente. Acontece que o assalto foi nas imediações da Rodoviária do Rio de Janeiro (e do Jornal do Brasil, onde eu trabalhava), ponto costumeiro desse tipo de crime há décadas. Ora, se um lugar é ponto costumeiro (e há décadas) de assaltos, como é que todo mundo sabe, menos a polícia? Isso para mim indica não omissão, mas cumplicidade – e remunerada.

Como o missivista, eu também temo a polícia, o que é uma vergonha – para a polícia da minha cidade, do meu país, não para mim. Não vou até a irresponsabilidade de chamar o ladrão (o Chico compôs essa música durante a ditadura, um estado policialesco – outra diferença que estabeleço no artigo, mas que o missivista não viu): o policial comum, em noventa e nove por cento dos casos (desde que não envolvam grandes somas, que eu nunca tive), é confiável; o diabo é a gente pegar o um por cento restante, esses degenerados que matam apenas porque a pessoa os viu cometer um crime.

Quanto à polícia inglesa (e americana também), o cidadão não deve ter lido as últimas notícias da imprensa: racista, forjadora e omitidora de provas, e tão corrupta quanto qualquer polícia do mundo. Há uma lei infalível: você deu poder a alguém, transformou-o num corrupto; isso se aplica até a bilheteiro de cinema e porteiro de prédio. O poder corrompe, e ainda mais quando quem o brande é um arruaceiro semi-analfabeto como a maioria dos policiais brasileiros (incluindo a maioria dos delegados e comissários, advogados de anel no dedo, que sempre são os piores, porque mais bem instrumentados). Mas mesmo estes, em condições normais, atuam razoavelmente bem; não são psicopatas – são os noventa e nove por cento dos quais falei. Se assim não fosse, estaríamos num caos muito pior do que o que estamos.

Qual é uma das principais reclamações contra a polícia, em todo mundo? Nunca está por perto quando a gente precisa dela; logo, a gente precisa dela.

E chega; não vou responder mais a nenhum oposto do Sivuca (e todo oposto tende a ser a mesma coisa ao contrário), até mesmo por não ser um Sivuca. Dei a minha opinião, e todos – incluindo o próprio Sivuca – podem dar a sua; mas não podem me obrigar a responder a cada um.

(*) Escritor e jornalista

 


D.C.F.

Resposta a M. S.

 

Pelo visto, Marcos Santarrita perdeu a cabeça. O fato de a polícia inglesa ser racista não elimina uma verdade dura: ela não anda armada. Foi apenas essa possibilidade que me levou a citá-la. Jamais me referi à polícia violentíssima dos Estados Unidos – mas que mesmo assim mata menos que a nossa.

Bobagem essa história de que dando-se poder a qualquer pessoa ela se corrompe. Ainda mais com uma concepção de poder que inclui bilheteiros de cinema e porteiros. Isso é mera conseqüência de uma filosofia vulgar, baseada na idéia da existência de uma “natureza humana imutável”, que o Santarrita crê ser má, interesseira, egocêntrica, individualista, sei mais o quê. Mas se pensasse que era “boa” (como Rousseau no mito do bom selvagem) seria uma filosofia vulgar e nada mais que isso. Por mim, repilo como ofensa pessoal a aplicação da referida “norma” ao “meu caso”: fui mais (?) que bilheteiro de cinema, diretor de serviços locais e regionais, secretário municipal de Saúde duas vezes, prefeito. Sou coordenador de um projeto que emprega 633 pessoas e movimenta mais de R$ 1 milhão/mês e não me corrompi, como é de conhecimento público e reconhecimento até dos inimigos ou adversários.

Bobagem também a idéia de que o oposto de alguém (ou de algo) é igual com sinal trocado. Os democratas que se opuseram à ditadura brasileira (que eram apenas parte dos opositores, especialmente no final do regime) não eram iguais a ela com o sinal trocado.

Uma pimenta a mais no debate: a violência repressiva diminuiu muitíssimo desde o fim da ditadura, mas de forma diferencial conforme as classes sociais. Os que eram, no passado, “classes perigosas”, agora chamados de excluídos, não têm as mesmas doses de razão para achar que houve mudanças radicais do “estado policialesco” para nossa democracia tão limitada (mas por isso mesmo tão necessitada de enérgica defesa contra retrocessos e em favor de seu espraiamento e aprofundamento).

Pobres, moradores da periferia, negros e mulatos e às vezes até mesmo filhos da classe média, são tratados com brutalidade. Selvageria, pau-de-arara, choques elétricos, e mesmo execuções sumárias, com tiros na nuca e têmpora – de novo relembro os três mortos da Baixada Santista.

 


José Miguel Bendrão Saldanha (*)

Outro comentário ao artigo de Marcos Santarrita

 

O artigo Os cinco segundos da morte, de Marcos Santarrita, que está no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA de 5/3/99, destoa da preocupação principal de “acompanhar … o desempenho da mídia brasileira”, descrita nos Objetivos do OBSERVATÓRIO, e dedica-se a desfiar um rosário de jóias do senso-comum sobre o combate ao crime, a pretexto de criticar o que seria uma atitude injusta da imprensa carioca em relação à polícia. O texto usa uma ironia incompatível com a seriedade que o assunto exige e não apresenta qualquer análise, aprofundada ou não, do assunto que aborda.

Relembremos o caso do PM que matou dois assaltantes na Praça N. S. da Paz (…). Não foi apenas o “senhor espertinho que se diz dono do Viva Rio” (com o qual, devo adiantar, não tenho grandes afinidades) que criticou a ação do PM naquele episódio. Especialistas em segurança do Brasil e do exterior também o fizeram. O erro principal do PM foi ter abordado os assaltantes em inferioridade de condições. Foi uma imprudência imperdoável, que poderia ter-lhe custado a vida, assim como a de pessoas que, como eu, passavam pelo local e que poderiam ter sido atingidas pelos tiros tanto da sua arma quanto das armas dos bandidos. Analisar o fato apenas a partir do momento em que o condutor da moto sacou da arma é descontextualizar e não compreender o ocorrido.

De fato, a partir daquele momento, que podia o PM fazer, com “sua vida em jogo”? Atirar para matar, claro, principalmente porque sabia, desde o início, que esse procedimento lhe seria permitido, pelos seus superiores, pela sociedade e, embora Santarrita não perceba, pelos jornais, rádios e TVs. De certa forma, foi a certeza da impunidade caso houvesse a “necessidade” de executar os bandidos que levou o PM à imprudência na abordagem. Imprudência esta que não dispensou, no entanto, a arma empunhada e apontada para o condutor da moto desde o início.

Ou seja, o PM cuidou, o tempo todo, da sua própria segurança e nada mais. Matou, “para se proteger”, um assaltante armado e outro desarmado. Não sei se foi julgado, mas já foi absolvido, pois todos concordaram que “com sua vida em jogo”, nenhuma outra reação seria esperada. Ou seja, o seu medo de morrer foi usado para justificar os assassinatos.

Por que elogiá-lo por “bravura”, então, como fizeram seus chefes naquela ocasião? Seu ato teve de tudo, menos bravura! Foi covarde, irresponsável e incompetente.

O que uma imprensa realmente investigativa e crítica deveria fazer num caso destes? No meu entender, no mínimo, chamar a atenção para as causas da violência e da bandidagem, para as relações entre o crime organizado e os órgãos de repressão ao crime e para os valores que nossa sociedade está nutrindo, quando considera natural que a necessidade de prender dois assaltantes de banco é maior do que a necessidade de não se colocar em risco a vida da população.

Sacraliza-se o direito à propriedade e banaliza-se o direito à vida. E ainda se mediocriza o debate.

Por que Santarrita considera que o conceito de “bom senso” (a mercadoria mais bem distribuída do mundo) que diz que “alguém com revólver, pistola ou metralhadora pode atirar quando menos se espera, numa fração de segundos”, só se aplica a bandidos, e não a policiais? Será que ele se sente absolutamente tranqüilo quando é abordado por policiais militares armados? Não compreende ele que ter uma polícia competente, corajosa, honesta, pacífica, respeitosa e respeitada é condição necessária para melhorar as condições de segurança da população e que, por isso, o crime de um policial é muito mais grave que o crime de um bandido? Um grande abraço a todos.

(*) Professor da Escola de Engenharia da UFRJ

 


Beth Klock

 

Assisti, anos atrás, a uma discussão seriíssima entre dois brilhantes jornalistas, à época ocupando cargos relevantes no jornalismo da TV Globo. Discordavam sobre o poder de dar ou omitir uma notícia. Discutiam sobre a responsabilidade que tinham com a verdade dos fatos. E sobre o preço que cada um estava disposto a pagar para cumprir com o postulado máximo da profissão e, assim, dormirem tranqüilos.

Estávamos no ocaso da ditadura e eram muitos os fatos omitidos diariamente pela mídia. Fiquei até comovida com a angústia daqueles dois, mas também um pouco surpresa. Acreditavam mesmo que tivessem tal poder? Que não fossem meros empregados?

O jornalismo é encarado pelo público e principalmente pelos jornalistas, como se fosse um apostolado, uma missão sacerdotal. Infelizmente não é. Somos, quando muito, operários da informação. O que não nos exime, em absoluto, da responsabilidade pela maneira correta com que desempenhamos nossas funções. Mas não nos iludamos: nossos patrões objetivam o lucro. Ainda que para isso seja necessário restringir ao mínimo as nossas condições de trabalho e, conseqüentemente, a sua qualidade. Se, ainda assim, continuar a dar lucro, está ótimo!

Ao contrário do fabricante de automóveis, que faz publicar anúncios chamando seus consumidores para trocar gratuitamente uma peça que pode vir a dar defeito, você nunca viu qualquer órgão de imprensa descontar dos seus leitores parte do valor da assinatura do jornal ou revista por ter publicado uma notícia errada ou incompleta. Você também nunca viu nenhum consumidor dar queixa no Procon por causa disso. Nem mesmo os que foram vítimas diretas de erros brutais recorrem à Justiça para serem indenizados (a exceção fica por conta de uns poucos políticos e artistas populares que sabem o que é viver da imagem). O máximo que alguns poucos empresários da comunicação fazem é instituir a figura do ombudsman. Talvez porque, ao contrário de um bem durável como o automóvel ou a geladeira, a informação não tenha tanta importância assim para o seu “consumidor”. Tanto que é considerada um supérfluo, que ele corta ao primeiro sinal de crise econômica. Nós, que vira e mexe somos vítimas do desemprego, sabemos disso muito bem.

De volta ao exemplo do automóvel: a indústria, ao fazer o anúncio sobre uma peça defeituosa, está cuidando da sua imagem perante todos os consumidores, sobretudo diante dos seus concorrentes. E só reduz drasticamente sua mão-de-obra se os pátios estão abarrotados ou se comprou alguns robôs capazes de substituir, com vantagens, o trabalho dos operários. Nunca em detrimento da qualidade dos veículos que fabrica. Imaginem se, na linha de montagem, por conta de um corte de pessoal, os operários se angustiassem com o acúmulo de trabalho e decidissem, por conta própria, diminuir o número de voltas que dão nos parafusos para dar conta de todos eles? Este risco as empresas automobilísticas não correm.

É mais ou menos isso o que decidem fazer os repórteres, premidos pelo acúmulo de matérias que têm para apurar e pela redução de companheiros para dividir as tarefas: três voltas a menos em cada parafuso e vão para casa com a sensação do dever cumprido. O editor, que recebe o material apurado por telefone, ou a cópia de um boletim de ocorrência, ou ainda a “cozinha” de meia dúzia de press releases, faz o que nenhum controlador de qualidade da linha de montagem faria ao verificar os parafusos soltos: “Não vão cair!” Ou, pelo menos, vão demorar a cair. ÀAgrave;s vezes dão azar, a casa cai e alguém perde o emprego. Mas, convenhamos, isso é muito raro. Na estrondosa maioria, o jornal ou revista vai para rua com todas as páginas preenchidas, os noticiários de rádio e de TV não têm um segundo a menos no ar, os anunciantes comparecem conforme o esperado, o consumidor se dá por satisfeito e tudo segue como quer o capitalismo. Os nossos patrões apostam que não estão correndo risco algum. Tanto que nem greve da categoria eles temem, e o caso da Manchete é exemplar.

Na fábrica de automóveis não são os metalúrgicos, e na empresa de comunicação não são os jornalistas os que decidem se a empresa deve lançar um produto assim ou assado. Se deve investir mais na editoria de política ou no motor de 1000 cilindradas. Nem o que deve ser feito se metade dos operários que apertavam parafusos ou se todos os revisores foram demitidos. A diferença é que um, o metalúrgico, tem plena consciência disso e não sofre. Cumpre rigorosamente a sua tarefa diária e não tenta suprir a ausência do companheiro demitido, dando menos voltas nos parafusos na tentativa de atarraxar todos. O que fazer com os parafusos que sobrarão sem atarraxar é problema de quem optou por demitir. O metalúrgico também não tenta transformar o carro popular da sua linha de montagem num modelo um pouco mais sofisticado, na ânsia de ver a sua empresa vender mais do que a concorrente.

Já o jornalista, talvez por excesso de consciência da importância do fruto do seu trabalho, acha que é dele o poder – e a responsabilidade – de colocar a revista na rua, o jornal no ar, apertando, ainda que frouxamente, todos os parafusos e mais alguns. Entra em crise com a parcialidade involuntária, a fonte que não ouviu, os dados que não pôde conferir. E sofre se, da noite para o dia, o patrão resolve mudar a linha editorial em busca de um consumidor mais numeroso e mais fácil de ser conquistado, indo contra tudo o que ele, jornalista, planejara fazer para melhorar o “seu” produto.

A diferença fundamental nisso tudo talvez esteja entre os consumidores de informação e os de automóveis: os nossos consumidores precisam ser conscientes do real valor da informação, para que passem a exigir dos nossos patrões a qualidade que já aprenderam a cobrar dos fabricantes de automóveis. Cabe só a nós, os jornalistas, a tarefa de ensinar nossos consumidores a serem menos tolerantes conosco.

 


Vera Silva

 

Aqui estou qual cineasta de sucesso, tentando aproveitar um filão interessante, mas é preciso encontrar explicações para os nossos problemas; o que fazer? Mais exemplos:

Como se faz um jornal

O cidadão comum não sabe das forças que mantêm um jornal/revista/TV/rádio funcionando. Há os anunciantes, os acionistas, o editor-chefe, o governo etc., tudo isso puxando para um lado. Puxando quem? O jornalista, é claro! Ele se equilibra, tentando não ser desarticulado igual a um frango quando vai para a panela. Em sua luta, ele(a) somente conta com seus ideais e princípios. Ele(a) precisa manter a integridade. Contudo, mesmo que ele(a) a mantenha, muitos não o fazem. Aí temos um dilema ético, como bem escreveu Marilena Chauí (Folha, 14/3/99), e, a menos que seja um agente ético, o(a) jornalista não informará ao seu leitor sobre o que sabe. Ele(a) poderá perder seu emprego ou sua vida. Por isso, não é costume ressaltar a independência do agente ético e, quando o fazemos, tendemos a considerá-lo como um(a) pérola negra (tão rara, tão valiosa, tão excêntrica). Exemplos recentes: Dines, demitido da Folha pelo seu trabalho no Observatório da Imprensa; Soraia Silva, que denunciou o esquema de propinas [a máfia dos fiscais, em São Paulo], arriscando sua vida. Eles não são excêntricos, são éticos: sua ação resulta de “uma decisão interior”, não é determinada por agentes externos. No entanto, o mesmo jornal que publica o artigo da Marilena e tece loas à Soraia demite o Dines. Como o leitor comum vai entender que ética é ação? Não será pelos artigos de sua ouvidora, que apenas escreve, sem eco na direção do jornal.

Sistema financeiro

Será que todas as pessoas sabem como devem se comportar em tempos de inflação? Devem comprar somente o que vão usar imediatamente ou devem estocar? O cidadão comum que conseguir poupar um dinheirinho deve gastá-lo logo ou colocá-lo numa caderneta de poupança? Como é que o(a) diarista e o(a) vendedor ambulante podem garantir a sua aposentadoria e não perder tempo de contribuição? Os analistas econômicos da TV sempre estão ensinando como aplicar dinheiro e fazer previdência privada para quem tem dinheiro, mas quem tem dinheiro tem analista financeiro nos bancos e em sua empresa, não precisa de analista de TV/jornal.

Sistema escolar

Será que os pais que têm filhos nas escolas públicas sabem que livro-texto não deve ser mudado de um ano para outro? Que um bom livro pode ser consultado e servir de texto, mesmo que não seja o indicado pelo professor? A escola tem obrigação de fornecer os exercícios às crianças que não sabem escrever e colocá-los no quadro para quem usa um livro diferente do indicado pela escola. Todos os anos os pais reclamam porque não podem aproveitar o livro do ano anterior para o outro filho estudar. A TV não fala sobre isso. Por que não fala?

Violência

Não se discute que a semente da violência está na violência familiar, nos problemas de desigualdade social, nas exclusões, no autoritarismo (outra vez Marilena Chauí serve como referência). A violência parece uma enchente, apesar de acontecer todos os anos, ninguém pode prevê-la – é como se fosse um demônio da natureza. Assim, o cidadão comum não pode prevenir a violência, corrigindo as distorções em sua própria casa, nas relações conjugais. O professor não sabe lidar com os alunos violentos nem ajudar os pais a lidarem com seus filhos agressivos. Nesse momento, convocam-se os psicólogos para falar do quão individual é o problema e nos eximirmos todos da culpa pela violência que nos rodeia.

Corrupção

Este é outro de nossos problemas que a mídia quase sempre trata como uma-coisa-que-acontece-com-algumas-pessoas-e-que-não-tem-nenhuma-relação-com-eu-aceitar-um-desconto-em-troca-de-não-exigir-recibo, ou com-eu-votar-em-quem-me-der-um-lote-de-terreno. Os corruptos não são corruptos sem os corruptores. A corrupção é uma relação a dois, tão íntima quanto o casamento. Não adianta tapar o sol com a peneira, porque vamos ficar pintadinhos do mesmo jeito.

Que tenhamos todos uma boa reflexão sobre o que realmente somos e queremos ser.

 


Jairo Faria Mendes

 

Nos últimos anos, o jornalismo tem passado por muitas transformações. Metaforicamente, é possível dizer que o jornalismo atual é mais colorido, leve, melodioso, amigo (quase íntimo), relaxante. Bem diferente do chamado jornalismo tradicional: sério, tenso, dramático, pesado, distante, lembrando mais o preto e branco que o colorido.

Os otimistas podem chamar o jornalismo atual de “light”, mas os críticos já o estão definindo como “jornalismo Disney”. Atualmente, existe uma grande preocupação em ser agradável, em fazer o leitor/telespectador/ouvinte se sentir bem. Esta tendência é mais forte no telejornalismo (principalmente o da Rede Globo) e nas revistas semanais.

O ponto negativo dessa mudança está na escolha das notícias e no enfoque dado. O nascimento da filha da Xuxa passa a ser considerado mais importante que a privatização da Telebrás. As amenidades passam a ocupar um lugar privilegiado na mídia. Com isso, são valorizadas as “notícias-piada”, as “notícias-aventura”, as “notícias sociais”, as notícias no estilo “acredite se quiser”. O jornalismo passa a lembrar o programa Fantástico.

A traição da macaca Capitu é dada com destaque, o público se diverte em ver o desespero do macaco Eliseu. As notícias também passam a ser mais encenadas. O jogador de futebol chamado Rui Barbosa coloca terno e gravata sobre o uniforme de treino e imita o personagem histórico de mesmo nome. Muitas notícias terminam com várias pessoas tomando atitudes combinadas.

Um ponto interessante do atual jornalismo é o estilo das entrevistas, que mais parecem com um bate-papo. O entrevistador não se limita a fazer perguntas e interfere, opina. Algumas vezes o destacado é o jornalista, e não o entrevistado; por isso, até mesmo a namorada do Ronaldinho pode virar repórter esportivo.

Os apresentadores estão quase sempre sorridentes, ou, no caso de notícias trágicas, mostram-se claramente indignados. E surgem as musas do telejornalismo.

As revistas semanais também usam de muitas estratégias para se tornarem mais atraentes. Apresentam projetos gráficos cada vez mais sofisticados. Nas capas, geralmente, são feitas criativas montagens. Títulos e textos são irônicos, dinâmicos, cheios de metáforas, com muito ritmo.

No entanto, na maioria das vezes elas ficam devendo o principal: o aprofundamento da notícia e sua análise. Os temas amenos também ganham cada vez mais espaço. Tendência que parece estar mais forte depois do surgimento da revista que se intitula como a “mais moderna e mais objetiva”.

O jornalismo tem evoluído esteticamente. No entanto, é preocupante a priorização das amenidades na escolha das pautas. Num momento em que o mundo passa por profundas transformações políticas, econômicas, sociais e culturais quase nada é discutido e analisado. É como se estivéssemos chegando a um estágio econômico-político-social que garanta a felicidade geral, em que não há por que aborrecer as pessoas com discussões “chatas”. Algo como a assustadora felicidade artificial descrita no livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley.

Ainda podemos encontrar alguns conteúdos interessantes no jornalismo, principalmente nos meios impressos. Mas gostaríamos de que a evolução que o jornalismo atravessa em seu aspecto estético também ocorresse com relação à qualidade da informação.

 


Marcelo Henrique P. dos Santos (*)

 

O jornalismo de opinião é uma das facetas mais atraente da imprensa brasileira. Os praticantes deste tipo de jornalismo empenham-se em defender uma concepção de mundo abrangente, primam pela tomada de posições polêmicas e, por isso, provocam tensões difíceis de serem superadas.

No prefácio de Reflexões e Comentários ( 1970-1978 ), livro de Eugênio Gudin, Carlos Castello Branco afirma que “nenhum jovem, nenhum jornalista, de qualquer idade ou de qualquer especialidade, neste momento no Brasil, escreve tão bem quanto o Professor Eugênio Gudin. Para louvá-lo é que se justifica que um jornalista lhe dirija essas palavras de estima e de agradecimento pela lição permanente de estilo, de coragem e de força crítica que se desprende de cada um dos seus trabalhos.”

Eugênio Gudin deixou alguns discípulos, entre estes merece destaque especial o economista Roberto de Oliveira Campos. Seguindo os passos do mestre, Roberto Campos acostumou-se a defender suas idéias em alguns dos mais importantes jornais brasileiros, a dizer, O Globo, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo.

Todavia, no entender do também jornalista Paulo Francis, Campos “é posto numa espécie de quarentena permanente, sem que suas opiniões sejam sequer consideradas. Se faz de conta que ele não desmonta aos domingos… a ação nefasta do Estado brasileiro em favor exclusivo de seus apaniguados”. Essa quarentena, se é que ela realmente existe, só pode ser causada pelo fato de Roberto Campos defender de forma irrestrita uma “visão de mundo” (liberalismo ) combatida por parte significativa da sociedade brasileira.

Como não poderia deixar de ser, esta concepção de mundo aparece no discurso de despedida da vida pública feito por Campos em 28 de janeiro de 1999. No início do discurso o economista confessa estar possuído por uma melancolia advinda do reconhecimento do fracasso de toda uma geração – a do próprio Campos – em lançar o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentado, e da constatação de estarmos discutindo os mesmos problemas analisados em 1983 (ano em que Campos é eleito senador pelo Estado do Mato Grosso), a saber: moratória e recessão.

Roberto Campos aponta para o contraste existente entre o potencial de riqueza e a pobreza do desempenho brasileiro. O que explicaria tal contraste? No entender do ex-deputado a explicação envolveria três fatores: deformações culturais; erros comportamentais; a armadilha do meio sucesso.

As deformações culturais podem ser englobadas naquilo que há muitos anos o economista vem chamando de doença dos “ismos”: o nacionalismo, que dificulta a absorção de tecnologia e investimentos; o populismo, que pretende distribuir mais do que consegue produzir; o estruturalismo, que costuma subestimar os efeitos da desordem monetária na inflação; o estatismo, que obriga o Estado a fazer mais do que pode no econômico, e menos do que deve no âmbito social; o protecionismo, que favorece a cartelização da economia, gerando inflação, coloca em segundo plano o controle de qualidade, e provoca baixa produtividade econômica.

Os erros comportamentais foram abundantes principalmente na década de 80, a chamada década perdida. Os primeiros erros foram cometidos pelos militares que terminaram seu longo reinado sem efetuarem a abertura da economia, e implantaram uma política de reserva de mercado no setor de informática que atrasou em pelo menos 15 anos a modernização tecnológica brasileira.

Com os governos civis vieram os planos ‘heterodoxos’ de combate à inflação – Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão e Plano Collor. Os três primeiros desorganizaram o sistema de preços, o último desorganizou as poupanças. Como se isso não bastasse, em 1987 o Brasil proclamou uma moratória unilateral da dívida externa, apelidada de “moratória soberana”, que destruiu o crédito internacional e consta de forma negativa no prontuário financeiro do Brasil.

Outros erros advieram com a Constituição de 1988. Sobre esta o ex-deputado diz o seguinte:

“Houve, finalmente, a Constituição de 1988, que documenta os perigos de uma doença freqüente na América Latina – a ‘constitucionalite’. Ela excita utopias individuais. Nossa atual Carta Magna é intervencionista no econômico, utópica no social e híbrida no político. Ampliou os monopólios estatais, exagerou a carga fiscal, engessou as relações trabalhistas e criou um sistema previdenciário que é uma briga com o cálculo atuarial. Foi esfuziante na concessão de direitos e monástica na especificação dos deveres. Facilitou tanto a proliferação de partidos como de municípios insolventes. No fundo, é mais um ensaio de ‘democratice’ e ‘demoscopia’ do que de ‘democracia’. Democratice, porque acentua as liberdades políticas, mas priva os cidadãos de liberdades econômicas ou de opções sociais. É que os monopólios estatais são uma cassação do direito de produzir enquanto que a legislação trabalhista inibe o direito de contratar, e a legislação previdenciária, ao tornar obrigatória a previdência pública, priva o cidadão do direito de escolher o administrador de suas poupanças. Nossa Constituição é também um ensaio de ‘demoscopia’, ao facilitar um pluripartidarismo caótico, pela ausência de instrumentos de compactação partidária, como o voto distrital, a fidelidade partidária e a ‘cláusula de barreira’.”

Roberto Campos também procura explicar o nosso medíocre desempenho através de um terceiro fator: a armadilha do meio sucesso. No entender de Campos as nações apenas podem ser salvas pelo sucesso, gerador de confiança, ou pelo fracasso, provocador de mudanças. O perigo estaria no meio sucesso. O Plano Real seria um exemplo de meio sucesso, pois teve êxito na queda da inflação e insucesso crescente no âmbito fiscal e cambial.

Tendo em vista tudo o que foi dito, o leitor não deve esperar de Roberto Campos nenhum tipo de construção teórica original, pois este autor é antes de tudo um divulgador de idéias que são abrangentes, polêmicas e causadoras de tensões; ou seja, Campos é notoriamente um representante do jornalismo de opinião.

1 Castello Branco, Carlos – O Jornalista Eugênio Gudin in Gudin, Eugênio – Reflexões e Comentários ( 1970-1978 ) – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 14.

2 Francis, Paulo – Trinta anos esta noite: 1964, o que vi e vivi – São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 51.

3 “A Despedida de Roberto Campos”, in O Estado de São Paulo, 31 jan. 1999.

(*) Pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/São Paulo

 


Toni André Scharlau Vieira (*)

 

No momento em que o país se encontra num aprofundamento da crise financeira e cambial e os brasileiros cada vez vêem mais longe o cumprimento das promessas de campanha, os meios de comunicação parecem ignorar tudo isto e apostam no “jornalismo de balcão” e na “falsa reportagem”. Lembrar que o jornalista – e o jornalismo, por conseqüência – é intermediário entre os fatos e os consumidores (leitores, ouvintes, telespectadores etc.) pode parecer redundância, mas o que se observa é um total esquecimento desta tarefa singela e importantíssima. Parece que a maioria dos comandantes das redações brasileiras se esqueceu que o jornalismo deve ser aquilo que Abraham Moles chamava de vaso comunicante.

A prática do “jornalismo de balcão” é antiga. Literalmente são vendidos espaços editoriais como se fossem propaganda. O texto e a edição ganham tratamento especial para parecer o mais jornalístico possível. Em algumas regiões este tipo de matéria é chamada de 500 ou 5.000 – numa clara alusão ao que conta neste tipo de produção, não propriamente o conteúdo, o texto, mas os números que rolam nos “balcões de negócios” editoriais que os veículos mantêm.

É possível fazer uma analogia com o merchandising que cada vez aparece mais nas produções televisivas. O detalhe é que este tipo de negócio é feito com o conhecimento explícito dos profissionais envolvidos. Por exemplo: o ator que segura a garrafa de cerveja com o rótulo voltado para a câmera e faz algum elogio à bebida sabe o que está fazendo e, na maioria das vezes, recebe um cachê extra para fazer tal papel.

O jornalista, seja repórter, editor e até diretor de redação, não chega nem a saber se o valor é 500 ou 5.000, se são reais ou dólares. O fato é que o material é levado ao público sem que fique claro que o conteúdo é de responsabilidade de uma pessoa ou empresa, geralmente elogiada ou privilegiada na cobertura “jornalística”. Como não há a sinalização de “a pedido” ou de “informe publicitário”, os incautos consumidores não se dão conta da artimanha, um verdadeiro conto do vigário.

A situação é grave, mas o principal problema do jornalismo hoje não são as matérias 500 ou 5.000, mas as falsas reportagens ou a investigação de fachada. Tudo começa pela pauta, geralmente gestada nos escritórios do alto comando das empresas jornalísticas. A coisa pode ser assim: deputado Fulano de Tal é corrupto, tratem de incriminá-lo. A política cambial do governo é boa, a reportagem deve mostrar isto.

Não se trata aqui de entrar no debate da existência da manipulação, mas sim identificar um comportamento com o qual grande parte dos profissionais compactua. São mandados, são remunerados para cumprir ordens, dirão alguns. Isto é certo, mas será que os coleguinhas pensam no que estão fazendo, será que se dão ao trabalho de raciocinar quando produzem o lide de uma matéria mais nefasta ainda que as compradas por empresários ou qualquer outro membro da sociedade? Sim, porque é possível perceber, no caso de uma falsa reportagem, o desejo expresso de uma força econômica ou política de falsear a realidade.

Mas se é possível perceber o falseamento, se é possível ser (pelo menos) justo, equilibrado, por que é que a maioria dos nossos colegas jornalistas permanece cega diante desta realidade? Defesa do emprego? Conivência com o status quo? Mau-caratismo explícito? Espírito do “eu faço porque se estivesse no lugar do dono faria o mesmo”?

Penso que esses aspectos pesam menos. O que deve estar deixando os profissionais jornalistas cada vez mais alheios aos problemas de ordem ética e profissional é o afastamento de uma postura relacionadora e terna – humana, em última análise. A trajetória objetivante e afastada da contemporaneidade que o jornalismo imprimiu nos últimos anos só tem mostrado que a produção de sentidos proporcionada pelo fazer jornalístico está desconectada do nosso acontecer.

Grande parte dos consumidores culturais do país já percebeu isso e só compra os jornais impressos, por exemplo, para adquirir junto aquele CD ou a enciclopédia que o filho quer. Se os escritores (adaptados ou não para o cinema e para a televisão) têm demonstrado mais competência para falar com ternura e, ao mesmo tempo, exatidão sobre os problemas contemporâneos, por que não dialogar com esta competência? Por que não buscar soluções na intuição quando os racionalismos cientificistas só demonstram fracassos e falências de planos e projetos?

Creio que é preciso entender que a comunicação plena é plural. Não há como se comunicar sem trabalhar próximo da afetividade, da dimensão complexa do todo social e do simbólico, incluindo aqui os mitos e as próprias noções estéticas de cada cultura.

Esta realidade nefasta do jornalismo brasileiro (e também mundial, arrisco dizer) descrita aqui é fruto da tradição no emprego de fórmulas reducionistas e baseadas em estruturas empresariais nas quais o lucro é o único objetivo. Talvez a nossa tarefa como jornalistas seja dialogar mais com os jovens adultos que estão saindo do nível secundário e os que entram nas universidades, principalmente nos cursos de Comunicação Social. Não é um trabalho que vai repercutir e ter reflexos na sociedade em dois meses, mas um dia ele deve ser começado para valer, principalmente nos cursos de Comunicação Social.

(*) Jornalista, pesquisador e professor no Curso de Comunicação Social da Universidade Luterana do Brasil, Ulbra, Canoas/RS

 


Isak Bejzman

 

O senhor Roberto Campos, em uma de suas domingueiras jornalísticas nacionais, ao explicar o significado de reservas e recursos deu um nó nas minhas fibras mielínicas e amielínicas cerebrais. É que sempre que o presidente da Republica ou o senhor ministro da Fazenda ou algum de seus assessores falam em dólares, a moeda americana vem antecedida da palavra “reservas”. Vejam só que burrice a minha. Foi preciso uma aula, ainda em tom de gozação, do senhor Campos para eu aprender que ter reservas de dólar não é ter recursos, e ter recursos significa ter dinheiro em caixa. Mas ter reservas não significa ter as “verdinhas”.

Se o assunto é uma questão de semântica vamos pois ao velho Aurélio:

“Verbete: reservas [Pl. de reserva.] S. f. pl. 1. Parte do alimento que, sob diversas formas, ficou acumulada ou retida no organismo após a digestão, e que é capaz de transformar-se em energia. 2. Quantidade de energia suficiente para que o atleta chegue ao fim de uma competição em boas condições físicas. 3. Cont. Importâncias que, embora figurem no passivo da empresa, não constituem obrigações para com terceiros. ~V. reserva.

“Verbete: reserva [De reservar.] S. f. 1. Ato ou efeito de reservar (-se); reservação. 2. Aquilo que se reserva ou guarda para circunstâncias imprevistas. 3. Os cidadãos que cumpriram os requisitos legais do serviço militar e/ou que dele foram dispensados, mantendo-se, porém, sujeitos a incorporar-se às fileiras, caso o exijam as circunstâncias. 4. Tropa disponível para servir de reforço durante o combate. 5. Árvore ainda em crescimento, que não se abate durante o desmatamento. 6. Parque florestal administrado pelo Estado, e que se destina a assegurar a conservação das espécies animais e vegetais; reserva natural. 7. A quantidade de minério, de carvão, de petróleo, etc., disponível numa jazida, numa região, num país, etc. 8. Ato de garantir com antecipação lugar para assistir a um espetáculo, acomodação para viajar em transporte coletivo, quarto para se hospedar em hotel, etc. 9. Ant. Parte do feudo explorada diretamente pelo senhor, em geral por meio de corvéias. 10. Fig. Retraimento, recato, circunspeção. 11. Fig. Exceção, restrição, ressalva. 12. Fin. Parte dos lucros obtidos por uma sociedade não distribuídos como dividendos, nem incorporados ao capital. 13. Bras., N. Lugar cercado, com pastagem e água abundantes para o gado; reservo. S. 2 g. 14. Bras. No futebol e noutros esportes em que atuam equipes, atleta que substitui o efetivo em caso de necessidade; suplente, banco. [Nesta acepção, cf. regra-três.] ~V. reservas. Reserva alcalina. Med. 1. Teor de dióxido de carbono plasmático combinado, e que constitui a expressão das disponibilidades do meio extracelular em alcalinos, para enfrentar uma sobrecarga ácida. Reserva natural. 1. Reserva (6). Reserva remunerada. Bras. Situação dos militares (oficiais, suboficiais, subtenentes e sargentos) que são aposentados do serviço ativo, podendo, contudo, ser reconvocados para ele em casos de mobilização militar e outros. [Cf. reforma (4)].”

Já sobre recursos o Aurélio diz:

“Verbete: recursos [Pl. de recurso.] S. m. pl. 1. Bens, haveres, posses. ~V. recurso.

“Verbete: recurso [Do lat. recursu.] S. m. 1. Ato ou efeito de recorrer (7 e 8). 2. Auxílio, ajuda, socorro, proteção. 3. Meio, expediente: 4. Meio pecuniário; numerário: 5. Meio para resolver um problema; remédio, solução. 6. Jur. Meio de provocar, na mesma instância ou na superior, a reforma ou a modificação de uma sentença judicial desfavorável. 7. Bras., N.E. V. casa de tolerância. ~V. recursos. Recurso extraordinário. Jur. 1. Aquele que a lei concede contra decisões dos tribunais de justiça proferidas em única ou última instância, e destina-se a manter, em casos excepcionais, a autoridade das leis e tratados federais em todo o território nacional. Recursos naturais. Fontes de riquezas materiais que existem em estado natural, tais como florestas, reservas minerais, etc.”

Eu me pergunto: quantos brasileiros, entre os 160 milhões, sabem, têm idéia, conhecem com nitidez semântica o significado das palavras “recursos” e “reservas”? Não sei, mas tenho absoluta certeza de que alguns poucos sabem com exatidão este significado. Quem são eles? Elementar: o senhor presidente da República, o senhor ministro dos negócios da Fazenda do Brasil e toda a sua comitiva. Só eles? Bem, eu penso que os jornalistas que estão dia e noite na mídia eletrônica e escrita tratando dos problemas de dinheiro desta nação também o sabem.

Faz cinco anos que a palavra “reservas” em dólares está sendo jogada dia e noite goela abaixo do povo brasileiro pela imprensa especializada, que por dever de ofício deveria saber que “reservas” em dólares e nada é nada mesmo.

Grande Roberto Campos. Levou cinco anos olhando o “panorama visto da ponte”. Durante cinco anos ele viu os entendidos falando de reservas, e não de recursos, e o ex-senador só no quieto; quieto e gozando na base do “deixa as águas rolarem”, e que levem tudo de roldão. Depois da queda, sim. Aí ele aparece como o sabichão que sabia, e passa a dar aula de semântica.

 

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