Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Crítica nebulosa ao darwinismo

Cláudio Weber Abramo (*)

 

E

m artigo publicado neste Observatório [ver remissão abaixo], Enézio E. de Almeida Filho expõe considerações a respeito do neodarwinismo e de uma pretensa “cumplicidade” da mídia com o que denomina, com notável originalidade, de “Nomenklatura”, a saber, um conjunto não-nominado de defensores ferrenhos da doutrina que ataca. Em resumo, Almeida Filho afirma que os meios de comunicação omitem o debate a respeito da evolução, acompanhando assim o que seria o interesse da mencionada “Nomenklatura”.

Ora, omissão e cumplicidade são atitudes usualmente associadas a algum objetivo ? o qual Almeida Filho infelizmente não identifica. Ele também não aponta qual seria a sua própria finalidade. Isso abre terreno para a especulação de que, talvez, Almeida Filho seja criacionista, e que suas observações tenham como função promover a idéia de que a vida tenha surgido na Terra como resultado de um processo intencional de criação. Quanto a quem ou o que teriam criado vida neste planeta, só quem acredita nisso poderia dizer, apresentando ao mesmo tempo as evidências para tanto.

Seja como for, o que cabe assinalar neste brevíssimo comentário são alguns dos equívocos em que Almeida Filho incorre, tanto na forma de sua apresentação quanto em seu conteúdo.

Quanto à forma, limita-se ele a aspergir alguns nomes em meio ao texto (vários deles mal grafados), como se fosse orégano que se espalha por sobre a pizza. Em nenhum caso Almeida Filho faz acompanhar suas extensas considerações de uma exposição circunstanciada daquilo que dizem os indivíduos por ele citados. Isso, sim, é mistificação; simples name droping, vazio de conteúdo.

Passemos, porém, ao conteúdo, que é o mais grave. Muito simplesmente, Almeida Filho ignora que o motivo principal para que o darwinismo ? como, de resto, qualquer outra teoria ? resista apesar de suas lacunas é a atuação do que se chama “navalha de Ockham”. William of Ockham, filósofo inglês que viveu no século XIV, formulou a idéia segundo a qual, entre duas explicações que competem para explicar o mesmo conjunto de fenômenos, escolhe-se a mais simples, aquela que envolve a menor quantidade de pressupostos e a que atinge mais diretamente as explicações pretendidas. Não há outra razão pela qual o darwinismo continue a ser o paradigma da biologia evolucionista: não existem concorrentes. Essa continua a ser a melhor explicação de que se dispõe (o criacionismo não resiste ao exame de qualquer ser racional).

Significaria isso que o neodarwinismo explicaria a totalidade dos fenômenos que constituem o seu escopo? Claro que não, mas não há uma única teoria, em qualquer disciplina, que atinja tal estado de beatitude explicativa. Uma das características fundamentais da ciência, muito citada mas pouco compreendida, é que a quantidade de perguntas não respondidas aumenta exponencialmente com a quantidade de perguntas respondidas. Tomemos um caso simplíssimo: uma folha que cai de uma árvore. O eventual leitor se enganaria se supusesse que a física é capaz de fornecer uma modelação exaustiva de um fenômeno corriqueiro como esse. Nenhuma folha jamais caiu de uma árvore conforme previsto pela física (o motivo é a imensa quantidade de variáveis envolvidas, cujo tratamento simultâneo permanece fora do alcance do tratamento matemático, sendo duvidoso que isso jamais possa ser atingido).

Ao lado de uma má compreensão a respeito do que sejam teorias científicas e dos mecanismos para sua justificação e transformação, Almeida Filho parece alimentar ilusões a respeito do comportamento dos veículos de comunicação, afirmando que “enterram” o debate que se dá no seio da comunidade de biólogos a respeito dos fundamentos e da interpretação das evidências empíricas ligadas ao surgimento e à evolução da vida na Terra. Bem, os jornais publicam sistematicamente resenhas de livros publicados sobre o assunto e estampam artigos de biólogos e outros a respeito dele. Nisso, a mídia age precisamente como age com a física. Ou suporia talvez Almeida Filho que jornais, televisões e emissoras de rádio contariam com editorias especializadas em física, capazes de exercer um crivo crítico mais apurado em relação a essa disciplina?

A mídia trata os assuntos científicos muito mal, mas mesmo assim trata hoje muito melhor, e com muito menor ingenuidade, do que acontecia anos atrás. Na verdade, quem deveria ser censurado por se omitir são os cientistas e acadêmicos em geral, que raramente vêm a público para discutir temas que recaiam em seu terreiro. E não importa o que defendam ou ataquem, qual sua filiação em relação a esta ou aquela teoria, se são progressistas ou tradicionalistas: todo mundo permanece em silêncio.

A explicação para esse comportamento não é apenas uma espécie de “corporativismo do saber”, como poderia parecer à primeira vista, mas o pequeno comprometimento que a academia brasileira tem em relação à sociedade que a sustenta e o minúsculo interesse que a sociedade exibe em relação ao que os acadêmicos fazem.

Nenhum jornal, revista ou emissora de rádio ou televisão pode “fabricar” debates a respeito de assuntos científicos na ausência de debatedores e na ausência de um público interessado (como se sabe que o público não se interessa? ora, porque não escreve cartas e não submete artigos). Quando a mídia tenta produzir debates ersatz (usualmente na televisão), a emenda é pior do que o soneto, pois algum pobre repórter se vê forçado a apresentar alguma coisa cujos fundamentos mais elementares ignora.

Tudo isso é sinal claro do fato de o Brasil não ter projeto nacional ? mas esse é outro assunto.

(*) Bacharel em Matemática, mestre em Lógica e Filosofia da Ciência, jornalista, ex-editor de Economia da Folha de S. Paulo, ex-secretário executivo de redação da Gazeta Mercantil.

 


Enézio E. de Almeida Filho (*)

“Vocês podem me dizer alguma coisa sobre evolução, qualquer coisa que seja verdade?”
Collin Patterson, paleontólogo, evolucionista, do Museu de História Natural de Londres

 

As considerações expostas no artigo Desnudando Darwin: ciência ou ideologia ou A relação incestuosa da mídia brasileira com a Nomenklatura científica publicado neste Observatório, sobre as muitas dificuldades teórico-empíricas de neodarwinismo e da cumplicidade da mídia nacional com a Nomenklatura não foram devidamente rebatidas por Cláudio Weber Abramo no seu artigo Crítica nebulosa ao darwinismo, como era de se esperar de um crítico com mestrado em Lógica e Filosofia da Ciência.

A omissão e a cumplicidade, como bem destacou Abramo, “são atitudes usualmente associadas a algum objetivo”. O objetivo foi identificado no artigo ? a manutenção do darwinismo como Theoria Perennis que permeia toda a nossa Weltanschauung cultural atual: Naturalismo Filosófico mascarado de Ciência. A finalidade do artigo foi chamar atenção para a crise paradigmática de quase 40 anos do modelo neodarwinismo e que outro modelo científico, previsto pela visão kuhniana, está à porta: Planejamento Inteligente.

Abramo jornalista, sabe muito bem que o mencionar de especialistas abalizados em quaisquer áreas do conhecimento humano não é o ?aspergir alguns nomes em meio ao texto (vários deles mal grafados [Khun/Kuhn, Freira-Maia/Freire-Maia, Moorhead/Moorehead e Jonatham em vez de Jonathan Wells ? quatro erros de digitação num texto de 10 laudas!!!]), como se fosse orégano que se espalha sobre a pizza?. Os nomes daqueles renomados cientistas estão lá para que se tome conhecimento que o modelo neodarwinista é questionado por evolucionistas e que não ?continua a ser a melhor explicação de que se dispõe? conforme alega Abramo. O modelo científico atual resiste ao exame de ?qualquer ser racional?? Não de seres racionais que realmente pondere sobre o assunto. Não lidando com o rigor do método científico, Abramo faz como a maioria dos evolucionistas sem argumentos ? tenta desqualificar o opositor com termos desabonadores ? ?mistificação, simples name dropping, vazio de conteúdo?. Será que o artigo foi lido cum granum salis?

Quanto ao conteúdo, Abramo me imputa ignorância da ?navalha de Ockham? que foi mencionada para explicar ?o motivo principal para que o darwinismo ? como, de resto, qualquer outra teoria – resista apesar de suas lacunas?: a teoria mais simples, de menor quantidade de pressupostos e que atinja as explicações pretendidas. Abramo demonstra aqui crasso e total desconhecimento do que seja o evolucionismo: um verdadeiro smorgasbord teórico complicado, com uma variedade de pressupostos e que menos atinge as explicações pretendidas. Engraçado, Darwin escreveu A Origem das Espécies, só que uma leitura superficial da obra nos revela que Darwin lidou com muitos aspectos da mensagem biótica, menos da origem das espécies… O registro fóssil continua dizendo um sonoro NÃO às especulações darwinistas e de seus atuais discípulos.

Abramo coloca muito bem que, não há uma única teoria, em qualquer disciplina, que atinja tal estado de beatitude explicativa. Em Ciência, qualquer teoria está sujeita a correções. Contudo, leia-se quaisquer livros-textos de Biologia de 1? e de 2? graus, jornais e revistas brasileiras e lá encontramos a teoria evolucionista apresentada como fato inconteste. Theoria perennis…

Scientia qua scientia tem que se submeter ao rigor do método científico. É assim que a Ciência deve ser entendida e praticada. É assim que entendemos e distinguimos a Ciência da pseudo-ciência… O neodarwinismo se encontra nos seus estertores como modelo científico porque empirica empirice tratanda, mas Kuhn e Popper andam meio esquecidos pela Nomenklatura.

O caso simplíssimo e corriqueiro da folha somente reforça o posicionamento dos que criticam Darwin ? tentar explicar que um ser simples, unicelular se transformou, ao longo de bilhões de anos, através da seleção natural e de mutações (a maioria prejudicial!) em um ser complexo, multicelular é ignorar, deliberadamente, ?a imensa quantidade de variáveis envolvidas [Somente o DNA humano deve ter uns 3 bilhões ou mais de nucleotídeos de informações genéticas. De acordo com a evolução, eles deveriam ter evoluído a uma razão de 0.75 nucleotídeos por ano ? não por geração. As mutações não podem ser descartadas, neutras ou não, os predadores, a sobrevivência do mais apto, etc. Aí, já se foram os 4-5 bilhões de anos propostos, apenas, para a origem da vida sobre a face da terra. O ser humano, supõe-se, surgiu há uns 3.5 a 4 milhões de anos. Temos aqui uma tremenda dificuldade teórico-empírica…] cujo tratamento…permanece fora do alcance do tratamento [biológico], sendo duvidoso que isso [a origem e a evolução da vida] jamais possa ser atingido [apenas com o referencial teórico neodarwinista].

Não há uma má compreensão a respeito do que sejam teorias científicas e dos mecanismos para sua justificação e transformação (Gewandsznajder, Fernando. O que é o método científico? São Paulo: Pioneira, 1989 é mencionado no texto) e nem o alimentar ilusões a respeito do comportamento dos veículos de comunicação quanto a enterrarem o debate sobre os fundamentos e interpretações do surgimento e evolução da vida na terra. O que realmente há e Abramo deve ter lido no artigo é que há mais de 10 anos saliento isso para os diretores/editores de ciência dos maiores veículos de comunicação do Brasil sem uma resposta satisfatória.

Recentemente, Maurício Tuffani, editor assistente de Ciências da Folha de S. Paulo, abordou um tema mui antigo ? darwinistas gradualistas versus darwinistas saltacionistas. A parte dos darwinistas como Michael Denton e Michael J. Behe que rejeitam a seleção natural e o atual smorgasbord teórico foi apresentado de forma superficial e prejudicada. Daniell Dennett foi entrevistado, via e-mail por Tufanni. Nessa entrevista Dennett critica Behe, sem direito deste expor seu posicionamento. Tufanni dispunha de e-mails, não somente de Denton e Behe, mas de um bom número de cientistas que contestam a validade científica do neodarwinismo… Nenhum deles foi contatado via e-mail. Por que, Abramo? Filtro ideológico? Camisa-de-força editorial? Relação incestuosa com a Nomenklatura?

Quem supõe a existência de uma editoria especializada em Ciência são os próprios veículos de comunicação que, a exemplo da Folha de S. Paulo, somente contrata jornalistas com mestrado e fluência em inglês. Ressalto aqui que, o artigo foi um projeto de pesquisa apresentado à Unimep sobre a total omissão nos livros-textos de Biologia do 2? grau dessas dificuldades teórico-empíricas, mas foi baseado nas correspondências enviadas às editorias de Ciências. Os cientistas e acadêmicos é que foram consultados depois sobre o tema ? os mais iluminados, quem diria, nem sequer lidaram com o tema. Desonestidade acadêmica? Vide os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), as DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais) e as Competências e Habilidades Específicas do MEC.

Abramo que me perdoe, mas o jornalismo científico objetivo, pro bonum publico, vai ter que, doravante, ouvir e mostrar o outro lado. A sugestão que os leitores escrevam cartas ou submetam artigos à mídia é muito boa. Faço isso há mais de 10 anos ? esperando contra a esperança… O OBSERVATÓRIO é um caso ímpar de espaço plural na mídia brasileira. Até quando?

Ah, ia me esquecendo ? para fazer Ciência, não preciso de Deus como hipótese. Preciso de fatos empíricos… Alguém já viu a seleção natural num tubo de ensaio?

(*) Bacharel em Letras, mestre em Estudos Bíblicos, pesquisador em Educação em Ciências.

Notas

Nomenklatura é um termo emprestado da obra de Milovan Djilas ? The New Class: An Analysis of the Communist System. New York: Praeger, 1957. A comunidade científica como um ?pensamento/discurso uniforme? moldado pela Filosofia Naturalista travestida de Ciência.

Essa atitude foi muito bem identificada por David L. Hull, professor de Filosofia:

?Scientists themselves frequently act in ways that effectively suppress ideas with which

they disagree. A conspiracy of silence is the scientific community?s most effective weapon…

For champions of orthodox views, the best response to an attack is initially no response

at all. Only if the attacks begin to attract converts can powerful scientists be smoked out

to defend themselves.?

In The Metaphysics of Evolution, Albany, NY: State University of New York Press, 1989, p. 276.

Sobre o período de 1882 a 1922, Ernst Mayr relata:

?The issue, however, which separated the two camps most decisively was whether evolution

was gradual or saltational.?

In The Growth of Biological Thought: Diversity, Evolution, and Inheritance. Cambridge, Massachusetts: Belknap Press of Harvard University Press, 1982, p. 542.

Foi isso que o caderno Mais/Folha de S. Paulo, de 13/12/98 cobriu, deixando de fora as capitais dificuldades teórico-empíricas do neodarwinismo…

E-mail de 10/10/98 para Maurício Tuffani com cópia para Renata Lo Prete, ombudsman da FSP e os 12 cientistas em questão.

 

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