Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cássia Almeida

IBOPE / HISTÓRIA

“Ibope, a história contada pela opinião pública”, copyright O Globo, 11/8/02

“Um Brasil que rejeitava o beijo na boca em público; que temia o comunismo; que duvidava do imperialismo americano, mas acredita no soviético; que apoiava a reforma agrária; usava pasta Kolynos; e adorava cinema. Um Brasil das décadas de 40 e 50. Esse Brasil passou pelos questionários do Ibope, atualmente um dos maiores institutos de pesquisa de opinião do mundo, figurando entre os 25 mais rentáveis, ao faturar US$ 85 milhões por ano.

As mudanças nos hábitos de consumo, nas preferências políticas, nas ansiedades, desejos e comportamento foram captadas, pouco a pouco, revelando o Brasil nas décadas de 40 e 50 mais preconceituoso, ainda exaltando o glamour do rádio, mas já se apaixonando pela televisão.

Aliás, por pouco, o Ibope, hoje um verbete do dicionário que significa prestígio, não se perdeu nos estúdios da Rádio Kosmos. O seu fundador, Auricélio Penteado, resolveu testar a audiência de sua rádio, usando técnicas de pesquisa que conhecera nos Estados Unidos. Descobriu duas coisas: sua rádio não dava audiência, mas ele tinha paixão por pesquisas. No dia 13 de maio de 1942 foi criado o Ibope, para avaliar o gosto e preferências do público, fazer estudos de mercado e monitorar a audiência das rádios.

1987: povo liberal na política e conservador nos costumes

Em 50, o instituto muda de mãos. Entra na história do Ibope a família Montenegro, com quem está até hoje. Logo depois, Paulo Tarso Montenegro e seus sócios José Perigault, Guilherme Torres e Hairton Santos descobrem seu maior filão: medir a audiência das TVs. Esse é uns dos momentos mais importantes na história do Ibope para o presidente Carlos Augusto Montenegro. As contas da empresa comprovam: o Ibope Mídia responde por 50% de todo o faturamento do grupo.

Mas, voltando à história contada pelas pesquisas de opinião, o Ibope descobre em 1987 um povo ambíguo, como define a escritora Silvana Gontijo, autora do livro ?A voz do povo, o Ibope do Brasil?, que conta os 50 anos do instituto:

?O brasileiro é conservador e progressista, autoritário e liberal, quer viver num regime socialista com absoluto respeito à propriedade, acha que a Igreja não deve participar da vida política, mas, na sua maioria, acredita que o casamento prá valer deve ser no civil e no religioso. Suas opiniões fazem uma salada ideológica que se destaca pela incoerência muito própria, difícil de entender.?

A pesquisa de 87, mostrou, por exemplo, um povo que apesar de apoiar, em sua maioria, o casamento no civil e religioso, acreditava no direito iguais entre homens e mulheres, que a fidelidade era dever do casal, virgindade não era importante e a mulher podia trabalhar fora.

Mas, na contramão, era contra a legalização da maconha, contra os movimentos homossexuais e aceita o aborto apenas em casos de risco de vida, estupro ou anomalia do feto.

Na pesquisa eleitoral o Ibope atesta sua credibilidade. Mas também já mostrou falha, segundo o livro de sua história: a pesquisa apontava a vitória de Adhemar de Barros em 1954 contra Jânio Quadros para o governo de São Paulo, mas as urnas mostraram o contrário.

Segundo Silvana, o instituto percebeu que as respostas colhidas nas pesquisas de consumo eram mais duradouras do que nas de política: este terreno é muito instável, podendo mudar de uma hora para outra em função da veiculação de boa ou má propaganda, diz o livro.

Por isso, Montenegro afirma que é a eleitoral é a única pesquisa que passa por um teste: as urnas.

– Em termos de faturamento, não chega a 11% do total. Mas é a única que se pode constatar a eficácia cinco horas após o pleito. Elas carimbam credibilidade às outras pesquisas do grupo.

Para ele, a afirmação de que a divulgação das pesquisas acaba influenciando o voto do eleitor não tem fundamento. Se fosse assim, argumenta, no início da campanha quem saísse na frente ganharia a eleição:

– A influência é indireta. O preferido pode ter mais apoio financeiro, cabos eleitorais mais animados e mais espaço na mídia.

Tecnologia exportada para a América Latina

Há 12 anos, o grupo Ibope iniciou sua expansão para América Latina. Brigou com gigantes de pesquisa como AC Nielsen americana e ganhou por saber lidar com a falta de infra-estrutura dos países vizinhos. Hoje está em 14 países:

– Para captar a audiência em televisão, os grupos americanos se apoiavam em telefones. Nós tínhamos tecnologia para atuar em países com telecomunicação deficiente – conta Luiz Paulo Montenegro, que divide a direção com o irmão Carlos Augusto.”

 

EUA

“Os novos rumos do quarto poder nos EUA”, copyright O Globo, 11/8/02

“A imprensa nos Estados Unidos funciona como um quarto poder, capaz de abalar Executivo, Legislativo e Judiciário e, graças a seu prestígio, é hoje uma das instituições mais sólidas do país. Reportagens investigativas cavadas por jornais como o ?Washington Post? e o ?New York Times? provocaram, por exemplo, a renúncia do ex-presidente Richard Nixon, envolvido no esquema de espionagem que ficou conhecido como Watergate. A mídia americana também cumpriu papel importante para o fim da guerra do Vietnã.

No entanto, a mesma imprensa que não deu trégua ao ex-presidente Bill Clinton, depois que o caso Monica Lewinski veio à tona, parece agora bem mais mansa diante da enxurrada de escândalos financeiros de grandes corporações, responsáveis por trilhões de dólares de prejuízo para os investidores, que nos Estados Unidos são os cidadãos comuns. Nem mesmo a suspeita de que o presidente George W. Bush pode ter se beneficiado de informações privilegiadas ao vender ações da Harken Energy, pouco antes de a companhia entrar em colapso, parece mobilizar os jornalistas do país.

?A demanda do público hoje é diferente?

Segundo a jornalista Molly Peterson, da rádio ?KQED?, em San Francisco, que acompanhou as audiências do processo de impeachment de Clinton e faz cobertura de assuntos de política nacional nos Estados Unidos, existem várias razões para essa aparente nova postura da imprensa americana, especialmente o fato de não haver um indiciamento formal de Bush ou de membros do governo.

– Até agora, o suposto escândalo financeiro de Bush não tem um elemento que o de Clinton possuía: não há nada, em termos legais, que o leve adiante – justifica a jornalista, referindo-se ao fato de a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão regulador do mercado financeiro americano) não ter considerado irregular a venda de ações da Harken.

Além disso, explica Peterson, há a tendência de a mídia só publicar aquilo que seus leitores querem. E, depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, os americanos estão, na visão da jornalista, menos dispostos a abrir novas feridas no país.

– A voracidade do público por qualquer escândalo que esteja em curso é um elemento importante nessa complexa equação. A mídia &eacueacute;, de várias formas, um negócio e, em seus momentos mais fracos, atende à demanda de públicos específicos. No caso do Clinton, a demanda do público era diferente do que é hoje em relação a Bush. Assim, o escândalo de Bush está sendo coberto de forma diferente.

Para Molly, a confiança é o elemento fundamental na reação do público e, por conseguinte, da imprensa.

– Há duas formas em que os escândalos alcançam um ponto a partir do qual devemos tomar cuidado. A primeira é quando as ações são ilegais, ou trazem, de maneira direta e substancial, um impacto negativo à função da Presidência. A outra forma tem a ver com o que o ato suspeito representa em termos de quebra de confiança: essa pessoa merece confiança para desempenhar bem seu papel e atender o interesse público? – afirma.

O antropólogo Roberto Kant de Lima concorda. Para ele, a previsibilidade é o fator de garantia do governo. Estima-se que o presidente vai agir de forma correta.

– Nos EUA, existe uma divisão entre o público e o privado, como uma espécie de muro, onde a esfera do privado só se torna pública quando se evidencia a perda de confiança – afirma Kant de Lima, citando o exemplo do ex-presidente Clinton:

– No caso de Clinton, o affair com Monica Lewinski foi grave porque envolveu a traição a Hillary Clinton. Nos Estados Unidos, com a tradição de um protestantismo puritano, o sexo entre adultos é uma questão grave. A prostituição é crime e o adultério envolve o delito da traição. No fundo, a questão ficou sendo: se Clinton trai sua mulher, ele também pode trair o país – afirma o antropólogo. – O fato de ela o ter perdoado foi fundamental para sua absolvição – acrescenta.

Esforço para legitimar o mandato de Bush

Além das diferenças entre os escândalos envolvendo as duas administrações, Molly Peterson acredita que os ataques de 11 de setembro também ajudaram a diminuir o afã da cobertura jornalística na era Bush. Mas o problema, afirma ela, é anterior:

– As eleições de 2000 deixaram as pessoas nervosas ao descobrir que o sistema político americano não é perfeito. Até então, eles achavam que era a apoteose da democracia – diz Peterson, referindo-se ao Colégio Eleitoral que deu vitória a Bush, apesar de ter tido menos votos do que Al Gore.

Segundo ela, houve um esforço para legitimar Bush, o que foi reforçado após os ataques de 11 de setembro.

– Por isso, a imprensa o trata com muito menos agressividade. Passou a ser uma questão de patriotismo escolher o que deve ser criticado.”