Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cursos de comunicação vivem impasse delicado

J. S. Faro (*)

 

Pelo menos duas ordens de problemas estão lançando os cursos de Comunicação Social instalados em todo o país num impasse de difícil solução. Vale a pena refletir sobre essas questões no momento em que as faculdades se preparam para introduzir reformas curriculares substanciais, ao mesmo tempo em que vivem sob o impacto das mudanças que vêm marcando todo o ensino superior brasileiro.

O primeiro problema – que não é recente -, diz respeito à proliferação descontrolada desses cursos no Brasil. Se há uma dificuldade com a qual a Comissão de Especialistas do MEC (CEE-COM) tem lidado neste último ano esta é sem dúvida o volume interminável de pedidos de autorização para a instalação de novas escolas vinculadas à Comunicação Social: das regiões mais distantes do país, algumas com carências materiais formidáveis, brotam processos mal-articulados e precariamente fundamentados que acenam com centenas de vagas para os cursos ou habilitações que essa área tradicionalmente comporta. Em todos eles, algumas características existem em comum: invariavelmente é uma oferta que se concentra fortemente em Jornalismo, em Publicidade e Propaganda e em Relações Públicas; na maior parte dos casos trata-se de cursos mal-aparelhados do ponto de vista de suas estruturas laboratoriais e do ponto de vista da qualificação e do regime de trabalho de seu corpo docente; acumulam uma extraordinária superficialidade na definição dos profissionais que pretendem formar; guardam pouquíssima relação entre as características quantitativas e qualitativas do mercado das regiões em que se encontram instalados e o número e perfil de seus egressos; apresentam raras inovações no campo didático-pedagógico, resumindo suas propostas ao exercício mimético de tudo quanto já se conhece – inclusive as mesmas lacunas teórico-conceituais, inter, multi e transdisciplinares que o ensino universitário cobra hoje de todas as áreas do conhecimento.

Esse conjunto de problemas tem transformado os trabalhos da CEE-COM num desafio permanente, porque é a essa Comissão que corresponde – ainda que ela não tenha poderes deliberativos sobre o assunto – zelar pela homogeneidade orgânica da área e pela qualidade dos cursos cujo funcionamento é autorizado. Na verdade, a julgar pelas exceções à regra, o que se assiste é um boom cuja causa reside mais na prospecção de um nicho de mercado para o ensino privado do que no resultado de uma demanda proveniente do aprimoramento da reflexão e da prática do Jornalismo, da Publicidade e Propaganda e das Relações Públicas, para ficar nas incidências majoritárias dos cursos novos. O resultado final é um movimento que puxa para baixo toda a qualificação do ensino de Comunicação, não sendo nem mesmo estranho que haja, entre os que exercem a docência nesse setor, uma sensação de que esse campo do conhecimento é uma “terra de ninguém”, sempre guardadas as exceções das faculdades, privadas e públicas, que marcam sua presença pela excelência dos cursos que oferecem e que insistem em permanecer assim.

Na contramão desse quadro de descontrole, os pareceres da CEE-COM têm sido rigorosos e, ao mesmo tempo, sensíveis. Rigorosos, de um lado, porque a autorização para o funcionamento dos cursos novos não tem obedecido senão a exigências que se traduzem em mensurações objetivas das propostas apresentadas. Trata-se de quesitos consensuais entre os membros da Comissão, seguidos de recomendações genéricas e específicas, indicação de verificadores locais, análise de recursos, uma discussão sem fim (e cansativa) que não toma como parâmetro nada além da dimensão com que essas solicitações têm chegado a Brasília. Sob esse aspecto, têm sido raras as autorizações concedidas, e nada indica que esse forma de atuação deva sofrer mudanças… naturalmente enquanto a CEE-COM puder se manter em funcionamento.

De outro lado, os pareceres da Comissão têm sido sensíveis em relação a duas forças centrípetas que atuam, neste momento, no sentido de proceder a uma ampla revisão das estruturas curriculares que, desde 1984, têm orientado esses cursos. Um dessas forças, espontânea e desarticulada, resulta de um natural relaxamento do currículo mínimo ocorrido tanto em razão de seu próprio envelhecimento quanto das conseqüências da aprovação da Lei da Diretrizes e Bases, que conferiu às Universidades autonomia na fixação de suas grades de disciplinas. Embora a Resolução 2/84 não tenha sido formalmente revogada, a CEE-COM tem admitido em suas manifestações um grau razoável de liberalidade, até com o objetivo de permitir uma revisão natural da (o lugar comum é inevitável) “camisa de força” em que se transformaram as antigas exigências do MEC. Quer dizer, as proposições de cursos novos, apesar da pobreza na formulação da grande maioria delas, têm a possibilidade de que sejam “experimentais” e inovadoras – em busca de novos caminhos para a formação dos profissionais da comunicação frente à variedade de desafios epistemológicos e teóricos e tecnológicos e filosóficos do presente.

A outra força centrípeta nem é espontânea nem é desarticulada. Ela emerge do movimento que congrega as entidades profissionais, acadêmicas e estudantis da área da Comunicação Social, cuja manifestação mais recente ocorreu em Recife, por ocasião do XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação promovido, em setembro, pela INTERCOM. Ali, retomando um debate que já vem se desenrolando há cerca de um ano, realizou-se o Fórum do Movimento pela Qualidade do Ensino, uma instância desse movimento que reúne a própria INTERCOM e a COMPÓS, a ABECOM, a UCBC, a FENAJ, a ENECOS, todas elas parceiras na exigência de que a Comissão de Especialistas do MEC, antes de formular a proposta das Diretrizes Curriculares que deverão substituir o currículo mínimo, leve em conta suas teses, reivindicação já incorporada ao cronograma de trabalhos da CEE-COM. Essa “audiência pública” só não aconteceu ainda porque a Comissão do MEC, vítima dos cortes de verbas que vêm ocorrendo em Brasília, encontra-se impossibilitada de se reunir. Mas, por iniciativa de um de seus membros, colocou em discussão, junto àquelas entidades, uma proposta básica das Diretrizes Curriculares que deveriam ser seguidas pelas escolas, na eventualidade de que se chegasse a um denominador comum em torno delas.

O impasse, no entanto, está na timidez com que toda a comunidade da área encara a possibilidade de que as instituições de ensino tenham absoluta liberdade na formulação de suas grades curriculares e deixem à Comissão de Especialistas apenas e tão somente a indicação das linhas gerais de balizamento que deveriam ser levadas em conta nas mudanças: uma referência das áreas mínimas de formação dos profissionais de Comunicação que as escolas deveriam ter em conta na especificidade da concepção que têm da formação que pretendem dar aos seus estudantes, já que é aí que reside o conjunto de deformações vividas atualmente e não no formalismo da grade curricular. Na verdade, pelo que se tem visto até agora, a maioria das propostas que chegaram às mãos da CEE-COM pretende substituir um currículo mínimo por outro, imaginando que seja possível inventar uma “camisa de força” mais folgada e mais colorida, sem que se enxergue o fato de que ela seria, ao final das contas, tão limitadora quanto a antiga, com o agravante de que poderia ocultar, com sua aparência de novidade, a essência do problema: o baixo nível de reflexão teórico-prática que orienta a maioria dos cursos existentes.

Até o momento, filtradas as diferenças não essenciais de tudo quanto tem sido sugerido, é possível indicar a existência de dois caminhos decorrentes das discussões havidas. O primeiro deles, já descrito acima, é o que pretende um novo currículo mínimo. O segundo, fundado nas propostas da COMPÓS e da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior e posto em discussão por alguns membros da CEE-COM, estabelece três campos do conhecimento que deveriam funcionar como diretrizes na organização curricular de todas as escolas, mas ainda sugerindo uma nova filosofia na articulação didático-pedagógica dos cursos e uma sistemática de avaliação que supere os limites do chamado “provão”.

Evidentemente, não se pretende com isso esgotar toda a problemática que envolve os cursos de graduação em Comunicação, mas será preciso, em primeiro lugar, romper o impasse criado neste momento das discussões para que se avance na implementação de outras iniciativas sobre as quais a CEE-COM tem que se manifestar sob pena de se transformar numa instância burocrática e de feitio cartorial – duas das maiores ameaças que vem sofrendo. E iniciativas é o que não faltam, inclusive a mais complexa de todas: a possibilidade de que as tradicionais habilitações e cursos que se abrigam na área da Comunicação, possam se desmembrar, inclusive com a criação de Comissões de Especialistas que seriam formadas a partir da especificidade de cada uma delas. O start em torno dessa questão veio do grupo que trabalhou na elaboração do Exame Nacional para os cursos de Jornalismo, e foi levado ao conhecimento do MEC, que mandou a bola para frente e pediu a manifestação da CEE-COM. Ora, ninguém quer ver uma questão delicada como essa parada nas gavetas da administração, mas não acredito que – frente às questões que precedem um amplo debate sobre as características atuais dos cursos de graduação, seu perfil e sua identidade – uma discussão dessa grandeza possa ser produtiva. Primeiro, é preciso romper o impasse. Ou será que ele se rompe com a implosão da área?

(*) Membro da Comissão de Especialistas do MEC para o Ensino de Comunicação, Coordenador dos cursos de Graduação em Comunicação e Artes da Universidade Metodista de São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM.