Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Daniel Castro

COBERTURA DO TERROR

"TVs dos EUA planejam ?Teleton? por atentados", copyright Folha de S. Paulo, 19/09/01

"As quatro principais redes de TV norte-americanas -ABC, CBS, NBC e Fox- estão tentando produzir e veicular juntas um ?Teleton? para arrecadar fundos para as vítimas dos atentados terroristas nos EUA, no dia 11.

Segundo a versão on-line da revista ?Variety?, se tudo ocorrer como planejado, o programa deverá ir ao ar, ao vivo, na próxima sexta-feira, das 21h às 23h.

Artistas como Tom Hanks, George Clooney e Jim Carey já se comprometeram a participar do evento. O sinal das transmissões será aberto a outras emissoras e canais pagos. A união das redes, segundo a ?Variety?, é uma rara demonstração de cooperação.

Os organizadores pensaram em produzir e exibir o programa no próximo domingo, dia em que há mais audiência, mas a idéia esbarrou nos planos da ABC e CBS de lançar suas novas temporadas.

A programação das TVs dos EUA começou a voltar ao normal no último final de semana. O ?60 Minutes? (CBS) de domingo, sobre os atentados, foi o programa mais visto, com cerca de 14 milhões de telespectadores. Calcula-se que as redes deixaram de faturar cerca de US$ 600 milhões ao exibir cobertura dos atentados sem intervalos comerciais."

 

"?Wanted dead or alive?", copyright Folha de S. Paulo, 19/09/01

"Essa frase dita por Bush seria de deixar qualquer pacifista horrorizado. Ela nos remete aos cartazes dos velhos ?westerns?. Bush começou seu discurso moderadamente, falando em justiça. Mas, de repente, sacou a pistola. Esse parece ser o clima também entre artistas e intelectuais americanos, silenciosos perante a crise.

Esperava-se mais da comunidade intelectual? Certamente não se esperava o que aconteceu ontem no programa de David Letterman: o âncora Dan Rather, conhecido pela sua frieza, estava aos prantos. O próprio Letterman estava aos prantos, pedindo desculpas por achar que não é hora de piada. E não foi nada engraçado mesmo. Dan Rather, emocionado e abalado (isso só havia acontecido com seu predecessor, Walter Cronkite, quando JFK foi assassinado), advertia o país que a luta pela frente será sem precedentes.

?A América jamais voltará a ser o que foi, e nós jamais poderemos cantar nossos hinos e canções da mesma forma? dizia, aos prantos.

?E não é somente a América que estará em jogo?, disse. ?São todas as liberdades e todas as conquistas modernas? (quase que repetindo as palavras de Cacá Diegues para mim no telefone).

?Eles odeiam o que representamos. Não querem tomar conta do nosso país nem o nosso dinheiro. Querem nossa extinção em troca de valores medievais. São os seguidores do culto do ódio.?

Rather sabe do que está falando. Ele já esteve no Afeganistão diversas vezes. Sentou frente aos grandes ?líderes do mal?. Esteve em todos os lugares, reportando do ?ground zero? em todas as crises mundiais. Ele é um dos três âncoras americanos, junto com Tom Borkaw (da NBC) e Peter Jennings (da ABC). Rather parecia refletir o clima da classe artística.

Pacifismo? Não. Essa palavra esta ?out? nos EUA. O próprio Letterman ontem dizia: ?Let?s go get them?. Wow! Cruzada pela paz? Ninguém está mostrando as caras. ?São eles ou nós?, diz o reitor de letras da New York University, uma frase inesperada vinda de intelectual do mundo literário.

?Dessa vez é diferente, é sujo. Estamos lidando com terroristas e não respondendo a nenhum conflito mundial: estamos lidando com malucos que não medem consequências. São suicidas e podem querer suicidar o mundo?, disse Peter McBride, filho de Sean McBride, ex-líder do Sinn Fein (e histórico pacifista da Anistia que foi laureado com o Nobel da Paz).

Os cineastas americanos com quem falei (que preferiram o anonimato) são conhecidos pacifistas. Unânimes, diziam que ?esse não é um momento de paz. Esse conceito mudou para sempre. Teremos que repensar o que defendíamos?. ?Prefiro a nossa sobrevivência do que um mundo ocupado por ódio e inferno.?

Será que o resto do mundo tem idéia do que é tentar dormir (sem consegui-lo), sentar na beirada da cama e levar as mãos a cabeça?

Um líder pacifista negro disse que ?a guerra santa é uma guerra burra. São os autodenominados comandantes de um deus sem regras justas. São loucos, autodeclarados que defendem algo que só caberia no manual dos maiores criminosos do mundo?.

Ontem, vi uma cena da qual jamais me esquecerei: aqui na esquina tem um pub cyber-clubber-punk (não exatamente conhecidos pelo seu pacifismo). Em estado de total catatonia, eles observavam pela TV imagens do resgate de um caminhão dos bombeiros, saído dos escombros do WTC.

A música parou. Acho que ouvi alguns soluços. Vindo dos piercings. Os valores estão de cabeça para baixo. É hora de pensar alto, pois o silêncio do vizinho pode ser um truque de um inimigo disfarçado. Esse é o clima de hoje nesse ?Admirável Novo Mundo?: a pomba da paz está suspensa e o urubu tomou o seu lugar."

 

"Globo veta piadas sobre atentados nos EUA", copyright Folha de S. Paulo, 21/09/01

"Eles não costumam poupar nada nem ninguém. Fatos políticos, filmes, novelas, crises conjugais de personalidades, competições esportivas e mesmo tragédias lhes servem de mote para piadas.

Na noite de terça-feira, porém, os sete humoristas do ?Casseta & Planeta, Urgente!? não fizeram uma única gracinha sobre os ataques terroristas sofridos por Nova York e Washington. A Globo exibiu o programa normalmente, só que deixou de fora o principal assunto da semana.

Anteontem, Marcelo Madureira, 42, um dos integrantes da trupe, explicou o motivo à Folha: a cúpula da emissora vetou os quadros que abordavam o tema. O grupo chegou a gravá-los na segunda-feira. Terça à tarde, depois de ver o programa pronto, Mário Lúcio Vaz, responsável pela área artística, julgou melhor suprimir aqueles trechos.

Eram quase 14h quando avisou os humoristas. Eles tentaram negociar por telefone e pessoalmente (Bussunda e Cláudio Manoel participaram de uma reunião na sala de Vaz). Às 19h, concordaram em ceder. Ontem, a Central Globo de Comunicação confirmou os cortes e esclareceu que não se tratou de ?uma decisão unilateral? da emissora, ?mas consensual?.

Entre os trechos que caíram, estava a pesquisa interativa ?Quem é o atual inimigo número um da humanidade??. Os telespectadores poderiam escolher uma das três respostas: Felipão bin Laden, Malvadma bin Laden ou Maluf bin Laden.

Folha – Por que o ?Casseta & Planeta? da última terça-feira não mencionou os atentados?

Marcelo Madureira – Na verdade, escrevemos e gravamos uns quadros sobre o assunto, só que a direção da Globo preferiu não os mostrar. Ponderou que, devido à comoção do momento, o público iria reagir mal.

Folha – E vocês, reagiram como?

Madureira – Ouvimos as alegações da emissora, respeitamos, mas confesso que, entre nós, ainda não chegamos a um consenso. É lógico que, de início, ficamos chateados e tentamos argumentar em favor das piadas. Dissemos que o humor tem uma função catártica. Rir das tragédias contribui para suportá-las e entendê-las. Isso o Platão e o Freud já falaram. Não é nenhuma descoberta. A Globo, no entanto, está preocupada com a gravidade de tudo o que aconteceu e não quer ofender ninguém. Nós, por outro lado, não desejamos passar a imagem de que somos um bando de irresponsáveis. Acabamos, então, acatando as explicações da direção.

Folha – O episódio arranha o relacionamento de vocês com a Globo?

Madureira – Não, em absoluto. A relação da gente com a emissora é de altíssimo nível. Cumprimos nosso papel de fazer as piadas, e a Globo cumpriu o dela -de analisar o que uma ?broadcast? deve ou não transmitir. Foi uma decisão difícil para as duas partes. Nós, do ?Casseta?, habitamos um mundo ?piadocêntrico?. Comemos, dormimos e respiramos humor. A Globo vive em um universo bem mais amplo. Nesse sentido, creio que possui maior sensibilidade para dimensionar a reação da audiência.

Folha – Recentemente, a emissora os impediu de satirizar a cantora Sandy. Agora, houve outro veto. Não é proibição demais?

Madureira – De fato, no caso da Sandy, houve veto. Mas, desta vez, não. Houve conversa. Sem contar que a decisão atual é temporária. Toda semana, reavaliaremos o tema. A Globo não descartou a possibilidade de permitir as brincadeiras em um próximo programa.

Folha – Dá para contar uma das piadas que não entraram no ar?

Madureira – Não me lembro. Juro. Mas basta olhar o nosso site (www.cassetaeplaneta.com.br). Colocamos a maioria ali.

Folha – Como vocês se sentem escrevendo piadas sobre algo indubitavelmente dramático?

Madureira – Sentimo-nos um pouco deprimidos, claro. É uma sinuca de bico. Depois dos atentados, discutimos muito de que maneira deveríamos tratá-los. E resolvemos o seguinte: evitar rir da tragédia em si, das mortes, das explosões. Procuramos centrar o foco nos terroristas. Ridicularizar o Bin Laden e seus adeptos. Mostrar a loucura dos caras, o absurdo do ato que praticaram. Buscar isolá-los politicamente. Neste instante, o humor precisa ajudar a combater o terrorismo -e o melhor jeito de fazê-lo é sacaneando os terroristas. Jamais zombaríamos dos americanos ou dos muçulmanos.

Folha – Mas o Bush também merece umas piadas, não?

Madureira – Merece, sim. Ocorre que, agora, não daria pé. Poderia soar como desrespeito às vítimas.

Folha – Poupando o Bush, vocês não correm o risco de comprar o maniqueísmo norte-americano de que o mundo vai travar uma guerra do bem contra o mal?

Madureira – De certo modo, vai mesmo. Terrorista não representa povo nenhum. Representa apenas a destruição. A humanidade deve repudiá-los e os comediantes, escrachá-los.

Folha – O humor tem limite?

Madureira – Tudo tem limite."

"A fuga de Cabul", copyright Folha de S. Paulo, 21/09/01

"Enquanto corríamos pelas ruas escuras de Cabul num táxi velho e caindo aos pedaços, eu estava contabilizando minhas bênçãos. Ainda estávamos no Afeganistão. Ainda estávamos livres para nos locomover e fazer nosso trabalho de repórteres. Estávamos prestes a pôr o pé na estrada para uma viagem noturna de 14 horas exaustivas até a capital espiritual do Taleban, 480 quilômetros ao sul de Cabul, para apelar em favor de nosso direito de permanecer no país e continuar trabalhando.

Tinha sido uma correria maluca para chegarmos a esse ponto. Na sexta-feira tivemos de assinar uma carta dizendo que aceitávamos que, daquele momento em diante, o governo já não poderia nos dar garantias de segurança.

Todos menos um outro jornalista já haviam deixado a cidade. Um representante do governo nos disse que, caso os EUA atacassem o Afeganistão, as multidões iriam exigir vingança e não haveria como alguém se opor a elas. Ele disse que seríamos mortos e nossos corpos seriam despedaçados por tantas mãos que ninguém na multidão conseguiria conservar um pedaço de nossa carne.

Os afegãos são resistentes, ele me disse. ?Nosso sangue já foi todo chupado, de modo que agora somos feitos de aço e concreto?, falou. Eu lhe garanti que nós também o éramos. Ele pareceu ter se convencido de que falávamos a verdade, embora eu próprio não acreditasse no que dissera, e cedeu, entregando-nos o documento dizendo que podíamos ficar e que isentava o governo de qualquer responsabilidade por nós.

Comecei a relembrar a montanha-russa emocional que vivi em Bagdá, em 1991, enquanto esperava os aliados na Guerra do Golfo lançarem seu ataque. Eu estivera lá, também. Boatos são capazes de criar nós no estômago da gente.

Diferentemente dos iraquianos, que podiam nos oferecer segurança desde que permanecêssemos dentro do hotel, eu sabia que o Taleban estava falando a verdade quando afirmou não ser capaz de controlar multidões enraivecidas. Em 1998, quando os EUA dispararam mísseis cruise contra o Afeganistão, após os atentados contra suas embaixadas no Quênia e na Tanzânia, um funcionário italiano de uma organização humanitária foi morto a tiros e complexos das Nações Unidas foram atacados e saqueados. Pelo menos por enquanto, o hotel Kabul International me pareceu garantir segurança suficiente.

Expulsos pelo mulá

A montanha-russa percorreu uma queda repentina dois dias mais tarde. No domingo pela manhã chegou do Ministério do Exterior a mensagem de que a CNN teria de partir, juntamente com todos os outros estrangeiros.

Observamos a saída do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, sempre o último dos grupos humanitários internacionais a abandonar uma batalha. A pressão voltara. A ameaça não mudara, de modo que a pergunta era por que nossa carta já não era o bastante. Tudo isso, e também tentar dar notícias ao vivo na CNN.

De volta ao Ministério do Exterior, o chefe do Protocolo me disse que a ordem viera da mais alta autoridade, o líder do Taleban, mulá Mohammed Omar. Uma hora e meia mais tarde, consegui autorização para ir a Kandahar para solicitar a autorização ao ministro do Exterior em pessoa. Estávamos comprando tempo no país. Não havia garantia de que nossos pedidos seriam atendidos.

Assim, é neste momento que nos vemos, atravessando o país às pressas, num esforço para escapar do toque de recolher, que começa às 22h. Nosso tradutor me diz que nosso motorista não dorme há um dia inteiro e que acabou de chegar de Kandahar. Maravilha. Depois de 22 anos de guerra, a infra-estrutura e a economia do país estão destruídas. O asfalto em quase todas as estradas simplesmente se esfarelou e desapareceu. O carro tem de passar sobre pedras e terra. E agora nosso motorista vai nos matar porque irá adormecer ao volante.

Quatorze horas mais tarde, exaustos e assustados, chegamos a Kandahar, a capital espiritual do Taleban. O motorista permaneceu acordado, e nós fomos poupados de um acidente. Em Kandahar, a presença do Taleban parece ser ainda maior do que em Cabul. Poucas mulheres e crianças podem ser vistas nas ruas. Um funcionário do governo me disse que, quando podem, as famílias estão mandando as mulheres e crianças para fora do país ou para ficar com parentes em povoados distantes. Ele também pretendia levar seus entes queridos para a fronteira no dia seguinte. Os homens, me disse, iriam ficar.

Embora o movimento seja menor do que o de costume, as ruas de Kandahar ainda estão agitadas. Da calçada se vêem açougueiros, padeiros, mecânicos de automóveis -na verdade, todos os ramos da vida comercial da cidade- trabalhando duro para ganhar o pão de cada dia. Depois de tantos anos de conflito, colocar comida na mesa ao final do dia é uma luta para muitos. Alugar um carro para sair é algo que está além do âmbito do que é possível.

Nos mercados, os preços já começaram a subir de 10% a 15%. Com a previsão de que as fronteiras do Paquistão e do Irã sejam fechadas ao tráfego comercial, os afegãos só podem prever uma alta ainda maior dos preços. Mais de um quarto dos 18 milhões de habitantes do país já dependem de alguma forma de assistência internacional. Várias centenas de milhares de pessoas que estão deslocadas dentro do país devido à seca, que já dura quatro anos, não têm absolutamente nada do que viver a não ser o que recebem das organizações humanitárias. Elas serão provavelmente as mais duramente atingidas.

Enquanto esperamos para nos reunir com o ministro do Exterior, Wakil Ahmed Mutawakel, repasso em minha cabeça os argumentos que vou usar para explicar por que precisamos da autorização para ficar. Estamos aqui para contar a história real. A imensa maioria dos afegãos é formada por pessoas boas e honradas. Elas merecem ter sua história contada.

Estou certo de que o ministro me ouvirá. Já nos encontramos muitas vezes no passado, e sei que ele é um bom ouvinte. O problema é que ele é uma das únicas vozes moderadas na hierarquia do Taleban. Dispondo de melhores conexões com o mundo externo do que alguns colegas ministros, mais isolacionistas, ele compreende a importância de ter jornalistas por perto. Porém, é pouco provável que tenha o pistolão necessário para nos manter no país. Uma vez que o mulá Omar decreta algo -nesse caso, que todos os estrangeiros devem deixar o país-, é pouco provável que a orientação seja mudada.

Também solicitamos uma entrevista ao vivo com o ministro do Exterior. Já lhe transmitimos a mensagem de que, com nosso novo videofone de alta tecnologia, que envia dados a 128 kilobits para o satélite mais próximo e, de lá, para nossa sede em Atlanta ou Londres, ele pode ficar onde está e nós iremos até ele.

O kit que está revolucionando nosso modo de trabalhar cabe dentro de duas malas pequenas. Acabaram-se os dias em que tínhamos que carregar várias centenas de quilos de equipamento de satélite por toda parte e éramos parados em cada fronteira e cada posto policial, ouvindo ?vocês não podem trazer essas coisas para cá?. Se recebermos sinal verde dele, correremos até lá de táxi e gravaremos a entrevista, que irá ao ar em questão de minutos.

Por enquanto, a montanha-russa está dando voltinhas tranquilas. Estamos em compasso de espera. Tenho certeza de que não vai demorar até voltarmos àquela sensação de receio e pessimismo.

Sair deste país será duro. Há uma história a ser coberta aqui, quer seja o sofrimento dos inocentes, a rendição de um governo maculado por seu alinhamento com alegados terroristas, ou simplesmente ficar observando a chegada dos mísseis. Sem jornalistas independentes aqui, em quem será possível acreditar? (Tradução de Clara Allain)"

    
    
                     
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