Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Débora Crinemberger

A VOZ DOS OUVIDORES


O POVO

"Ao leitor, a conclusão", copyright O Povo, de Fortaleza (CE), 22/4/01

"Um texto jornalístico não pode impor uma verdade. Muitas vezes isso pode acontecer pelo uso descuidado de palavras, que não condizem com o compromisso da imparcialidade. Na semana passada, os dois principais jornais do Ceará, O Povo e Diário do Nordeste, deram exemplos de títulos que merecem ser analisados com base na imparcialidade ou falta de imparcialidade. Títulos que fazem o jornal assumir declarações de entrevistados.

No Diário do Nordeste, o caso se refere a uma cobertura sobre segurança pública. Na edição de quarta-feira, ressaltei em meu comentário interno ao O Povo que o Diário do Nordeste tinha oferecido uma cobertura mais completa sobre a prisão dos prováveis assaltantes do Banco do Brasil de Iguatu. O gol do Diário do Nordeste, neste dia específico, foi uma matéria explicando como a polícia começou a ter pistas da identidade dos prováveis assaltantes. Tudo começou por meio do homem (José Wellington Filho) que alugou a casa para a quadrilha em Iguatu. Inicialmente, Wellington negou que conhecesse o grupo para o qual alugou a casa. Depois admitiu que a casa foi alugada para o seu primo (Gilberto Santana), que é apontado pela polícia como um dos líderes da quadrilha.

Por outro lado, o DN escorregou feio no título de outra coordenada (?Provas colhidas pela Polícia são irrefutáveis?). ?Irrefutável? (inquestionável, irrecusável, evidente) é do grupo de palavras que não combinam com cobertura jornalística. Pode ser que as evidências sejam mais do que gritantes, mas as conclusões, como afirmei no início deste texto, devem caber ao leitor. O uso de palavras desta natureza dá à cobertura um caráter profundamente oficialesco, como aconteceu no caso citado.

Exemplo da casa

O Povo também deu um exemplo de conclusão descabida esta semana. Na edição de terça-feira, a capa anunciava, entre outras informações: ?Sudene admite fraude em apenas 53 projetos?. O texto da chamada de capa seguia no mesmo tom: ?A Sudene reconhece terem sido constatadas fraudes em apenas 53 dos 3.058 projetos financiados pelo Fundo de Investimento do Nordeste (Finor)?. Da mesma forma, a manchete da página interna (?Sudene: só 53 projetos apresentaram fraudes?). A informação teve como fonte o superintendente da Sudene, Wagner Bittencourt, que refutou entrevista publicada no dia anterior com o vice-presidente da CPI do Finor na Câmara dos Deputados, José Pimentel (PT-CE). O deputado havia informado ao O Povo que nos 41 anos de Sudene, 653 projetos que teriam financiamento do Finor foram cancelados porque as empresas emitiram notas fiscais frias e superfaturadas.

A Sudene rebateu a acusação e disse que dos 653 projetos cancelados, 141 nunca chegaram a receber recursos, e diversos outros foram suspensos porque as empresas concluíram o investimento com recursos próprios ou de terceiros, descumpriram normas administrativas da Sudene, se fundiram ou faliram. Que 53 projetos é um número bem inferior a 653, isso é. Mas o uso de palavras como ?apenas?’ e ?só? também dão um caráter oficial à informação. É como bem explica o Manual de Redação do jornal Estado de S.Paulo:

?Encampação. A menos que o jornal as tenha apurado, as informações devem ser atribuídas a alguém e não encampadas nos títulos. Veja os exemplos: Uruguai não está nem um pouco preocupado / A Terra é um organismo vivo / Lucro já não atrai tanto as empresas. / Renato não pensa em ser o artilheiro. Em todos os casos, obviamente havia alguém dizendo o que consta dos exemplos. Os títulos, porém, fazem que as afirmações passem a ser do jornal.?

Mesma tecla

Na última semana, o caderno de Esportes deu um exemplo de um problema que vez por outra se repete no jornal, apesar de orientações que existem na própria redação e dos diversos alertas feitos pela ombudsman em relação ao tema. O problema: matérias que não contextualizam a situação para o leitor. Na quinta-feira, o caderno de Esportes trouxe matéria sobre o afastamento do presidente do Ceará, Edmilson Moreira. A matéria sobre a renúncia do presidente do Ceará não tratou dos motivos desse afastamento. Ficou apenas a mensagem de que ele entregou uma carta-renúncia e que esse afastamento já era aguardado. Aguardado porquê? O que enfraqueceu sua gestão, a ponto dele decidir não encerrar o mandato?

Se o leitor vinha acompanhando a história, se leu a edição do O Povo do dia anterior, então saberá que Edmilson Moreira anunciou que deixaria a presidência do clube até o final do mês. Ele não estaria satisfeito com as pressões da torcida e os problemas financeiros que estariam comprometendo a administração do Ceará. Já falei sobre esse assunto anteriormente, mas nunca é demais repetir que um leitor pode estar lendo sobre aquele tema pela primeira vez. Uma matéria precisa ser auto-explicativa, e não cheia de lacunas."

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