Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Débora Cronemberg

O POVO

"?Furo? de outro Estado", copyright O Povo, 7/10/01

"Na segunda-feira passada, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma matéria sobre uma ação na Justiça Federal contra a gestão do governador Tasso Jereissati no comando do Banco do Estado do Ceará (BEC). Na imprensa local, nada foi dito, configurando o que chamamos no jornalismo de ?furo? (quando um concorrente sai na frente na publicação de algum assunto importante). Ser ?furado? pelo concorrente sempre é uma situação ruim, mais ainda quando o concorrente em questão está baseado em outro Estado, mais distante de nosso cotidiano e, por conseguinte, de nossas fontes de notícia.

O Povo saiu com a matéria sobre o assunto na terça-feira. A partir de relatório do Banco Central, o procurador da República Gerim Cavalcante apresentou denúncia de supostos empréstimos irregulares no BEC. Os beneficiários seriam empreiteiras que doaram dinheiro à campanha eleitoral de Tasso em 1994, além de aliados tucanos e parentes de diretores do BEC. A investigação na Justiça Federal é quanto a empréstimos irregulares antes de 1998, quando o BEC foi federalizado, passando a ser administrado, portanto, pelo Banco Central. O BEC está no centro de uma polêmica inclusive na Assembléia Legislativa, onde está sendo discutida uma CPI para apurar a administração do banco entre 1995 e 1998. O motivo para a CPI seria o mesmo da ação junto à Justiça Federal: operações irregulares.

Um problema sério

O problema da matéria de terça-feira no O Povo é que ela se limitou ao discurso do governador, que apresentou sua opinião quanto à ação movida na Justiça Federal. Tasso afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que em nenhum momento interferiu em qualquer empréstimo do BEC. Disse que apóia a CPI do BEC na Assembléia Legislativa desde que, ?para efeito de justiça e total transparência?, sejam incluídos todos os empréstimos concedidos pelo BEC, desde sua criação e que ainda se encontrem em estado de inadimplência ou com dívidas renegociadas.

A matéria do O Povo informava ainda que o governador repudia a ?forma maldosa? como os fatos ?estão sendo manipulados por grupos corporativos e outras pessoas politicamente engajadas? e que estranha que o procurador, ?movido por interesses pessoais ligados ao seu irmão candidato derrotado (José Francisco Mendes Cavalcante) a vereador em Massapê, tenha assumido as denúncias e o faça sem a isenção que a função exige?. Massapê é base eleitoral do senador Luiz Pontes, que teria ligação com uma das empreiteiras beneficiárias de empréstimos irregulares, segundo a matéria da Folha de S.Paulo.

Mais do que correto colocar na matéria a avaliação do governador. Só que nunca é demais lembrar que nossa obrigação é apresentar ao leitor todos os lados envolvidos. Nem sempre isso é possível – às vezes a pessoa não quer se pronunciar, às vezes não foi localizada para comentar a respeito. No caso do procurador Gerim Cavalcante, não aconteceu nem uma coisa nem outra. A matéria não mencionou nada sobre ele, que foi acusado pelo governador de estar sendo movido por interesses pessoais.

Discurso fácil

Por sinal, onde há denúncia geralmente surge a mesma expressão no discurso dos denunciados: ?interesses pessoais? do denunciante. Diante de qualquer polêmica, essas palavras costumam ser utilizadas por uma das partes para encerrar o debate. É curioso como essa expressão sempre soa como negativa, especialmente no mundo da política. Será que interesse pessoal é inevitavelmente nocivo, mesquinho, que impulsiona as pessoas na busca da autopromoção? É só por isso que as denúncias existem?

Parto do princípio que sempre somos movidos pelos mais variados interesses em quaisquer situações (sociais, políticas, econômicas, culturais etc). A diferença, atenção, é que esses interesses podem ser nobres ou não. Uma denúncia pode ajudar outras pessoas e provocar uma nova reflexão sobre gestões ou pode beneficiar exclusivamente o denunciante. Pode corrigir uma injustiça ou criar outra.

Portanto, não é com base em supostos interesses pessoais que uma discussão, qualquer que seja, deve ser encerrada. O que vai tornar uma denúncia vazia, ou válida, são os argumentos e as provas de cada lado. Por isso não se pode esperar que a mídia minimize um assunto, ou simplesmente o descarte, com base em supostos interesses pessoais em jogo. Isso significaria desqualificar não a denúncia, mas a inteligência alheia.

Censura internacional

Muito se tem falado sobre os atentados terroristas nos Estados Unidos e suas conseqüências, mas não tem havido, na imprensa em geral, informações mais detalhadas sobre a situação do Pentágono. Na última quinta-feira, O Povo até que apresenta uma matéria onde foi informado que o número de mortos e/ou desaparecidos no Pentágono é estimado em 189 pessoas, incluindo as 64 que estavam no avião usado para atingir o prédio. Mas só. Não há informações sobre a extensão dos danos no departamento de segurança e inteligência americana, quais foram os setores mais atingidos, por exemplo.

Como a dimensão dos estragos no Pentágono é muito menor do que no World Trade Center, era de se esperar menos dificuldades para retratar a situação. Nada disso. A editora-chefe da Redação do O Povo, Fátima Sudário, comenta: ?Não é só para O Povo que é difícil falar mais alguma coisa sobre o Pentágono e o que aconteceu depois. Como se trata de segurança de Estado, as informações, ao que parecem, são mesmo censuradas?. Essa dificuldade ao acesso de informações, por sinal, serviu de mote para um editorial do jornal Correio Braziliense na última terça-feira. O risco é o desnorteamento da imprensa, uma situação que não me parece benéfica a ninguém."

    
    
                     

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