Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Débora Cronemberger

O POVO

"Ombudsman", copyright O Povo, Fortaleza (CE), 1/7/01

"Vinculação perigosa

Na edição desta sexta-feira, tanto O Povo quanto o Diário do Nordeste trataram de um fato novo nas investigações sobre o assassinato do advogado José Wilson Andrade Freire. Como advogado da Câmara Municipal de Canindé, José Wilson esteve à frente de uma longa batalha jurídica com o juiz municipal Hortênsio Augusto Pires Nogueira. O centro da discussão era o cargo de prefeito de Canindé. José Wilson defendeu o afastamento do prefeito Ximenes Filho, em benefício do presidente da Câmara, Higino Luis Barros. O juiz de Canindé seguiu na direção contrária.

No início deste mês, vinte dias antes de ser assassinado, o advogado protocolou uma carta no Tribunal de Justiça do Ceará, onde dizia o seguinte, segundo destaque que constou nos dois jornais de sexta-feira: “Considerando que o juiz vem fazendo ameaças públicas de processar e de prender o ora signatário (…), e como até a presente data, não foi adotada qualquer providência por parte dessa Corte de Justiça contra o mencionado juiz (…), é feito o registro da presente comunicação, ou seja, de que qualquer ato atentatório à minha liberdade e demais direitos e garantias esculpidos na Carta magna, seja de imediato, atribuído e responsabilizado diretamente ao juiz Hortênsio Augusto Pires Nogueira?.

Guinada nas investigações

Claro que a descoberta de um elemento como esta carta levanta muitas suspeitas. No entanto, os termos utilizados na carta assinada pelo advogado são todos relacionados às ameaças de prisão feitas pelo juiz. Daí vai uma grande distância concluir que o advogado estava comunicando que caso fosse morto, a responsabilidade seria do juiz. O que a carta prova é que ambos (juiz e advogado) eram desafetos públicos, e que o advogado se sentia ameaçado por uma ordem de prisão iminente.

Por isso, o Diário do Nordeste foi mais fiel aos fatos do que O Povo, ao destacar na manchete da página interna: ?Carta de advogado morto altera investigações?. O Povo estampou: ?Antes de morrer, advogado fez carta culpando juiz por atentado?. A estrutura da frase sugere, de imediato, que o atentado em questão é à vida do advogado. O Diário do Nordeste seguiu o mesmo caminho do O Povo no texto da matéria, ressaltando que ?se algo acontecesse com ele, fosse de imediato atribuído e responsabilizado diretamente o juiz da Comarca de Canindé?. Ou seja, o jornal alargou na matéria o contexto descrito na carta do advogado.

Opiniões diversas

O jornalista Cláudio Ribeiro, editor-adjunto do Núcleo de Cotidiano do O Povo, afirmou que levou para a manchete termos usados na carta assinada pelo advogado. ?Não interpretei a situação na manchete. Utilizei os mesmos termos da carta, já que o advogado realmente responsabiliza o juiz no caso de ato atentatório contra a liberdade ou outros direitos e garantias previstas na Constituição. Um dos pontos fundamentais previstos pela Constituição é o direito à vida?, ponderou Ribeiro.

Pode até ser que as investigações da Polícia venham a referendar essas suspeitas lançadas nas matérias, com base num elemento importante como a carta. Mas vamos considerar outra hipótese plausível, de que outra pessoa, que não o juiz, tenha tido participação no assassinato do advogado. Neste caso, os dois jornais tiveram uma decisão apressada e perigosa sobre a forma de tratar publicamente as suspeitas sobre alguém. O juiz era reconhecidamente desafeto do advogado, mas pode não ser culpado (termo usado na manchete do O Povo) pelo atentado que tirou a vida de José Wilson.

Matéria que não contextualizou

Na última segunda-feira, fiz algumas considerações no jornal sobre uma matéria publicada no final de semana passado. A matéria rendeu a manchete do O Povo de sábado (23/6) e tratava da injeção de verbas (R$ 12,5 bilhões), feita pelo governo federal, em quatro bancos: Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste (BN), Banco do Brasil e Basa. A medida, segundo especialistas do mercado financeiro e sindicalistas, é a única saída para salvar bancos quebrados por uma gestão deficiente, segundo relatou a matéria do O Povo, que teve vários destaques na cobertura. Um deles foi ter conseguido falar sobre a medida com o presidente do BN, Byron Queiroz, que é avesso a entrevistas.

O problema é que a matéria deixou de aprofundar numa questão fundamental: as polêmicas financeiras do Banco do Nordeste. Não foi contextualizado o cenário que teria levado o governo a injetar aquelas verbas. Esse cenário foi vislumbrado publicamente a partir de balanço publicado pelo próprio BN. Segundo a Trevisan Auditores Independentes, o banco deixou de lançar R$ 1,3 bilhão como despesa ?créditos irrecuperáveis?. Se houvesse esse lançamento, o banco estaria numa situação de patrimônio líquido negativo de cerca de R$ 300 milhões, apesar do próprio BN ter divulgado que obteve lucro líquido de R$ 57,16 milhões no exercício de 2000. O balanço financeiro do BN, inclusive, foi detalhado em matéria publicada pela Folha de S.Paulo também no último final de semana.

Recusa sistemática do BN

A editora-executiva do Núcleo de Negócios do O Povo, Regina Ribeiro, disse que estava programada uma matéria de repercussão, na segunda-feira, onde as questões do balanço do BN seriam aprofundadas. “Mas o banco tem se negado sistematicamente a dar informações a respeito do assunto. Procuramos o BN na segunda-feira e ele se recusou a fazer comentários, alegando que as informações eram de interesse restrito dos acionistas?, afirmou Regina. Ela disse que esta semana será feita uma matéria aprofundando o investimento feito pelo Governo Federal. Também serão detalhados os aspectos polêmicos do balanço financeiro do BN. ?O banco é público, pertence à sociedade, então suas questões não são de interesse apenas dos acionistas. São de interesse da sociedade?, reforçou a editora."

    
    
                     

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