Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Débora Cronemberger

O POVO

"Quem trabalha com Jornalismo está sempre alerta na tentativa diária de evitar erros. Essa permanente e necessária preocupação quanto à possibilidade de erro pode sobrepor a uma outra discussão fundamental para quem trabalha com comunicação. É justamente analisar a conveniência da publicação de alguma matéria, mesmo dispondo de informações corretas à mão. Um caso exemplar é a cobertura que vem sendo feita sobre o seqüestro do empresário José Sobral.

A cobertura vinha mantendo um ritmo de apuração cuidadosa. Há que se reconhecer que o assunto cria interesse popular. Não é um fato comum no Ceará. Só que a partir da edição de terça-feira passada, a situação mudou de figura. O próprio O POVO publicou a seguinte informação: ?No sábado, a família pediu que a imprensa e a Polícia ficassem afastados do caso?. A partir deste pedido da família, a Polícia se afastou oficialmente do caso, numa decisão resumida pelo superintendente da Polícia Civil, César Wagner: ?Em primeiro lugar está a vida do seqüestrado. Como a família pediu para nos mantermos fora do caso, essa decisão será acatada. Depois de tudo resolvido, a Polícia fará as investigações necessárias?, afirmou.

O que faltou? Imediatamente após o pedido da família, O POVO deveria ter assumido a mesma postura da Polícia e encerrado a cobertura do caso. No entanto, na edição da última sexta-feira ficou claro um exemplo de um momento em que a cobertura é importante. Aflitos com a interrupção das negociações, e tendo em vista a saúde delicada do empresário, os familiares de José Sobral pediram aos veículos de comunicação que publicassem o apelo por um novo contato dos seqüestradores. Nesse caso, os jornais desempenharam um importante papel social, e aí sim a matéria é mais do que válida. Não é válida quando lida com dados extra-oficiais em uma situação que envolve risco de vida, em textos especulativos.

A editora-chefe da Redação, Fátima Sudário, disse que todas essas questões estão sendo discutidas na Redação e levadas em consideração. ?Estamos publicando informações de fontes confiáveis. O condicional vem em função da fonte não querer ser identificada?, comentou na quarta-feira. Por outro lado, insisto que o destaque às matérias de bastidores, com informações ?em off? (de pessoas que não querem se identificar), ainda que conte com informações precisas, supre a curiosidade não só dos nossos tradicionais leitores, mas certamente a dos seqüestradores. Se as informações não são assumidas por alguém publicamente, é porque estão sujeitas a mudanças. O que fazer, então? No decorrer da última semana, fiz diversas ponderações junto à Redação sobre o caso. Acredito que a alternativa mais adequada seria trabalhar apenas com informações oficiais, tendo como fonte a família do empresário ou a própria Polícia.

?O valor da vida é o bem supremo. Não há jornalismo ou ciência que seja mais importante. É melhor a imprensa silenciar em situações como o seqüestro, a não ser que trabalhe com informações oficiais?, analisa o jornalista Agostinho Gósson, professor de Técnica de Redação em Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e conselheiro da Redação do O POVO. Outro conselheiro do O POVO, o advogado Arimá Rocha, membro da Comissão de Justiça e Paz da CNBB e da Anistia Internacional, reforça: ?O jornal conta com a liberdade de imprensa prevista em Constituição. Se há uma informação precisa, embora não oficial, do outro lado há a vida de uma pessoa que pode ser influenciada pela cobertura. O jornal tem todo o direito de atender ou não ao pedido da família quanto a não cobrir o caso em alguns momentos, mas precisa ponderar ética e profissionalmente se publica certas matérias?, concluiu.

Uma pequena matéria publicada na edição da última sexta-feira é um exemplo de cobertura que não atende a preceitos fundamentais do Jornalismo. A matéria tinha o seguinte título: ?Liberado novo trecho de obras do Metrofor?. Mesmo em pequeno espaço, o texto conseguiu apresentar vários pontos questionáveis. O primeiro é que o fato que deu origem ao título só apareceu ao final do segundo parágrafo (liberado o cruzamento entre a avenida Tristão Gonçalves e a rua Castro e Silva). Foi o primeiro sinal vermelho do texto: o título é a informação mais importante do texto, é o convite para que o leitor se interesse pelo assunto e prossiga na leitura. Essa informação, então, precisa estar no ?lead?, que é o primeiro parágrafo do texto jornalístico.

No ?lead? da matéria, foi dito que, na época da interdição da avenida Tristão Gonçalves (em março de 2000), cerca de 500 donos de estabelecimentos comerciais da avenida previam uma queda no movimento das lojas em até 70%. Ao citar um dado antigo, a matéria tinha que ter feito um retrato atualizado. Qual é a análise que hoje os comerciantes fazem do período da interdição? A queda no movimento foi pior do que o imaginado inicialmente, ou foi mais branda?

O ?lead? também citou que no ano passado, árvores com cerca de 80 anos foram arrancadas para dar passagem à linha do metrô. Pergunta: quantas foram arrancadas, e o que foi dito na época como argumento? Como a matéria não informa, fica a impressão de decisão arbitrária, arrancar por arrancar, sendo que o próprio O POVO noticiou, em setembro de 1999, que a maioria das árvores já era considerada morta ou seriamente danificada. As árvores restantes seriam replantadas em outras áreas públicas, sendo que um novo estudo paisagístico para o local estava sendo preparado.

Para ser correta, qualquer cobertura precisa contemplar os vários lados sobre o assunto. Quem é criticado, tendo razão ou não, precisa ter o direito de expor seu ponto de vista. Não se trata de favor ou concessão, esse é um pressuposto fundamental em Jornalismo. Caso contrário, o resultado é uma matéria parcial."

    
    
                     

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